A verdade e a falsificação da História… ANTÓNIO GERVÁSIO (3ª parte)
Afinal que planos maquiavélicos e de assalto ao poder estavam em curso e o que escondia o PCP em matéria de Reforma Agrária?
Os discursos de António Gervásio e Francisco Miguel, destacados militantes do PCP, combatentes exemplares da luta contra a ditadura fascista, pela LIBERDADE-DEMOCRACIA-SOCIALISMO, proferidos em 15 e 18 de Julho de 1975, na Assembleia Constituinte, na sua qualidade de Deputados Democraticamente eleitos pelos círculos eleitorais de Évora e Beja, respectivamente, sobre o que defendia o PCP em matéria de REFORMA AGRÁRIA, não podem ser mais límpidos e transparentes. São intervenções que, por si só, deitam por terra as sórdidas acusações e vís campanhas anti-comunistas, desenvolvidas contra o PCP , tudo porque, coerente com o seu passado de luta, assumiu, desde a primeira hora, uma clara e coerente posição de apoio à acção revolucionária dos Homens e Mulheres sem terra, que a Terra amavam e queriam trabalhar.
Porque ao abandono ou mal tratada estava a Terra de que pacificamente tomaram posse e puseram a produzir, mais e melhor, em prol do desenvolvimento e bem estar das comunidades a que pertenciam, ao serviço do Povo, da Soberania e da Independência Nacionais.
Delas sublinharei, uma vez publicadas as duas, o que considero mais relevante para o esclarecimento de
“ A verdade e a falsificação da História”.
Mas nada melhor que ler o que então foi dito e que, qualquer um, pode confirmar, consultando os Diários da Assembleia Constituinte.

“O Sr. Presidente: – Tem a palavra o Sr, Deputado António Gervásio.
O Sr. António Gervásio (PCP): – Srs. Deputados: No projecto de Constituição do PCP é dado grande relevo ao problema da reforma agrária, directamente abordado em várias disposições, quer do título II «Organização económica», quer do título I«Princípios fundamentais». Nesta minha intervenção vou responder-vos a essa parte do nosso projecto, que reputamos de maior importância para a construção de um Portugal democrático e socialista. 1. A realização da reforma agrária, que entregue a terra dos latifúndios e das grandes explorações agrícolas capitalistas àqueles que a trabalham, constitui uma das aspirações mais profundas dos assalariados agrícolas e dos pequenos camponeses de Portugal. A consigna reforma agrária não é uma consigna colocada pelo Partido Comunista Português depois do 25 de Abril. A reforma agrária faz parte dos objectivos e da luta do, meu Partido ao longo dos anos da ditadura fascista. Encontramo-la consagrada na imprensa clandestina desses longos anos, consagrada no programa do meu Partido aprovado em 1965. 2. A existência dos latifúndios tem sido uma das bases económicas e sociais importantes do fascismo e da reacção em Portugal. A realização da reforma agrária é condição indispensável para a liquidação total do poder dos grandes senhores da terra e para a transformação democrática da sociedade portuguesa; é condição indispensável para a vitória total da nossa revolução a caminho do socialismo. Sem a realização da reforma agrária não é possível arrancar do atraso e da miséria as populações camponesas; não é possível transformar a nossa agricultura atrasada e arruinada numa agricultura avançada e próspera, base indispensável ao desenvolvimento de uma economia nacional independente e ao bem-estar crescente do povo português. 3. Ao longo da noite fascista o Partido Comunista Português sempre esteve firmemente ao lado daqueles que regam a terra com o seu suor, na luta constante contra o desemprego, por melhores jornas e condições de trabalho, na luta pelo conquista das oito horas de trabalho; sempre esteve ao lado dos pequenos e médios camponeses na luta contra os grandes senhores da terra, contra os grémios, juntas e federações; contra a falta de crédito e de ajuda técnica; na luta contra o roubo dos «baldios» e pela entrega dessas terras aos seus legítimos donos. Ao longo do reinado fascista, não há grandes lutas do proletariado agrícola do nosso país e dos camponeses pobres onde a influência e o papel de organização do PCP não estejam estreitamente vinculados. 4. A Revolução do 25 de Abril trouxe aos que trabalham a terra a certeza de verem realizado nos nossos dias o seu grande sonho: a realização imediata da reforma agrária. Portugal está dividido em duas grandes zonas: ao sul, temos o grande latifúndio com muitas centenas e milhares de hectares de terra de um só senhor ou de uma só família. Ao norte, temos a pequena e muito pequena propriedade. No que se refere à concentração da terra, o que caracteriza Portugal não é a pequena propriedade, mas sim o grande latifúndio. Por exemplo: 3 % do total das explorações agrícolas, ou seja, 2600, têm mais terra do que 780000 explorações, mais terra do que 97% do total dessas explorações agrícolas! No Sul de Portugal estão situadas as maiores herdades da Europa capitalista, como, por exemplo, as herdades de Palma (16 000 ha), Comporta (29 000 ha), Rio Frio (17 000 ha), Machados (6000 ha), Companhia das Lezírias (mais de 30 000 ha), Casa Cadaval (15 000 ha), etc., e muitas outras, na sua maioria incultas ou mal aproveitadas. Na opinião do PCP não haverá em Portugal uma só reforma agrária, mas, digamos, duas reformas agrárias. Na zona da grande propriedade a reforma agrária passa pela expropriação dos latifundiários e das grandes explorações agrícolas capitalistas. Os limites da expropriação são determinados por lei, de acordo com a natureza dos terrenos, dos tipos de cultura e outros. O PCP defende que as expropriações dos latifúndios e das grandes explorações agrícolas capitalistas sejam levadas a cabo sem indemnização. Defende que as terras expropriadas sejam entregues aos assalariados agrícolas e aos camponeses pobres, sem terra ou com pouca terra, para serem exploradas em forma de cooperativas, e noutros casos entregues ao Estado para serem exploradas em grandes herdades estatais. Na zona da pequena e média propriedade a reforma não passa pela expropriação do pequeno e médio campesinato. Aí a reforma agrária não consiste em tirar a terra, mas, ao contrário, dar-se terra a quem tem pouca ou não tem nenhuma e dar ajuda financeira e técnica.A reforma agrária não tira a terra aos pequenos e aos médios camponeses, como a reacção propaga aos quatro ventos. O PCP defende que a reforma agrária se faça com a participação activa dos assalariados agrícolas e dos pequenos e médios camponeses e de acordo com a sua vontade. Defendemos o respeito da propriedade dos pequenos e médios camponeses. 5. Porém, a reforma agrária não consiste apenas na expropriação dos grandes latifundiários e entregar a terra a quem a trabalha. A reforma agrária consiste igualmente na ajuda do Estado às novas cooperativas e explorações agrícolas, aos pequenos e médios camponeses, concedendo créditos em condições favoráveis, fornecendo máquinas agrícolas, sementes, gados, adubos, pesticidas; acabando com formas feudais de exploração, como foros, parcerias e outros; perdoar as dívidas usurárias dos camponeses pobres; alargar as isenções de impostos ao campesinato pobre, estabelecendo um sistema progressivo de contribuição predial rústica segundo o princípio «paga mais quem mais tiver». A reforma agrária consiste também no fomento de parques de tractores e máquinas agrícolas, construção de silos, adegas, lagares, barragens, electrificação rural, construção de estradas, construção de escolas e institutos e formação de milhares de especialistas agrícolas. Consiste na formação de cooperativas de comercialização que assegurem em condições eficazes a compra dos produtos agrícolas por preços compensadores e o fornecimento à agricultura dos produtos necessários. 6. O proletariado agrícola do Sul foi um dos baluartes de vanguarda da luta contra o fascismo. Por isso, pagou caro, com milhares de prisões e espancamentos, vários assassinatos, como Catarina Eufemia, Germano Vidigal, José Adelino dos Santos, José António Patuleia, Alfredo Lima e outros; pagou caro, com salários de fome e condições de trabalho desumanas impostas pelos grandes agrários e pelo fascismo. O proletariado agrícola do Sul conta hoje com uma elevada consciência política, …
O Sr. Amândio de Azevedo: – E o do Norte também!
O Orador: – … com um elevado sentimento de patriotismo e com uma rica experiência de organização que lhe permite poder participar, com eficiência, numa das mais históricas tarefas da nossa Revolução – a realização da reforma agrária. Os assalariados agrícolas do Sul, aliados com os pequenos camponeses, estão nas primeiras linhas da luta pela reforma agrária no nosso país. Após o 25 de Abril, os trabalhadores agrícolas e pequenos camponeses, em contacto com organismos oficiais como o IRA e com as forças armadas, têm lutado para que as grandes herdades abandonadas pelos agrários, ou mal aproveitadas, sejam cultivadas. Neste momento, mais de 120 000 ha de terra de grandes herdades do Sul estão sob o contrôle dos trabalhadores e pequenos camponeses. Com mil sacrifícios eles têm procurado cultivar essas terras incultas, semeando milho, arroz, feijão, girassol, plantando tomate, criando gado, etc. 0 proletariado agrícola do Sul está dando provas de elevado amadurecimento político. Apesar das suas condições de vida não serem nada boas, não o vemos a fazer reivindicações empolados, irrealistas, a fazer greves ou manifestações de rua hostis ao processo revolucionário em curso. Não! Vêmo-lo voltado para a batalha da produção, para a construção de um Portugal democrático e socialista, trabalhando semanas e semanas sem os agrários pagarem um tostão, ou passando meses no desemprego, ou trabalhando nas herdades controladas sem salários ou com subsídios baixos. Se não fosse a luta firme dos assalariados agrícolas, o povo português teria este ano menos trigo, menos cevada, menos milho, as terras estariam mais incultas, a reforma agrária estaria mais atrasada, a sabotagem económica dos agrários seria bem maior. 0 projecto de Constituição do PCP consagra as bases fundamentais de uma reforma agrária de acordo com os princípios atrás referidos. Assim: Logo no artigo 8.º, alínea b), do nosso projecto de Constituição se indica entre as funções e tarefas de organização económica e social do Estado a de «realizar reforma agrária pela expropriação do latifúndio e das grandes explorações capitalistas segundo o princípio a terra a quem a trabalha, respeitando a pequena e média propriedade da terra». Por outro lado, no título sobre organização económica vêm suficientemente desenvolvidos os princípios fundamentais da reforma agrária, tais como: expropriação dos latifúndios, nacionalização das grandes explorações capitalistas, formas de exploração das terras expropriadas (ou pelo Estado, ou por cooperativas de agricultores e assalariados agrícolas, ou por exploração familiar, de acordo com os interesses da economia nacional e com a vontade das massas camponesas e das suas organizações), etc. Finalmente, o nosso projecto não deixa de prever que a expropriação dos Latifúndios e dos grandes proprietários não dê lugar a qualquer indemnização. Pensamos que entre a reforma agrária preconizada pelo PCP e a referida nos projectos de Constituição de outros partidos existem assinaláveis diferenças, em diversos pontos fundamentais, tais como o problema das herdades estatais, as indemnizações, o princípio da expropriação obrigatória dos latifúndios, o respeito pela vontade das massas camponesas. A proposta da reforma agrária contida no nosso projecto de Constituição reflecte os interesses dos assalariados agrícolas e dos pequenos e médios camponeses e é garantia de que, uma vez consagrada, teremos efectivamente uma verdadeira reforma agrária que entregue a terra a quem a trabalha.”

