LUTA POR ABRIL, pela LIBERDADE-DEMOCRACIA-SOCIALISMO!

O assassínio de Casquinha e Caravela, acto extremo da barbárie levada a cabo pelo “exército de ocupação e opressão” no Alentejo, às ordens do General Passos Esmeriz, mereceu o mais amplo repúdio e condenação de Norte a Sul do País, por parte de todos os sectores progressistas da sociedade portuguesa e, de forma particularmente expressiva, por parte da sua intelectualidade. Se para ilustrar esta página recorri à extraordinária pintura de João Hogan e nas publicações recorri a pinturas de Rogério Ribeiro ou Armando Alves, escolho agora, para relatar tão hediondo crime, até ao presente impune: “CANTATA PRANTO E LOUVOR – EM MEMÓRIA DE CASQUINHA E CARAVELA” publicado pela Edições Avante, em Setembro de 2009, da autoria de Manuel Gusmão e Filipe Chinita, alentejanos, amantes e convictos defensores da “REVOLUÇÃO AGRÁRIA”

Pela força, sensibilidade e realismo com que denúncia a violência de que foi alvo Moisés, retrato da vil repressão de que foram alvo, milhares de Homens e Mulheres, que outro crime não cometeram, que trabalhar e lutar em defesa do pão de cada dia, não posso deixar de incluir também, em “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo, um excerto do poema épico “chão e povo.além do tejo – SEIVA E SANGUE PARA SEMPRE”, do hoje poeta Filipe Chinita, destacado funcionário do PCP entre 1974 e finais de 1980, então, membro da Direcção da Organização Regional do Alentejo, a que ambos pertencíamos e que este dedicou ao não menos destacado dirigente da “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” e Sul do Ribatejo, nosso comum amigo, Moisés Calado, cobardemente espancado, no acto da “Entrega de reserva na herdade da boavista …”.

a/gnr/golpeando/as nossas/costas./braços/e/mãos./a/cabeça/ainda/não!/são/eles/que/nos/atacam/

quem/(nos)/ataca/quem/(nos)/oprime/ o/alentejo

chegam-sempre-/com grande estardalhaço/em longa fila/e força/-muitos e em grupo(s)-/saindo/da/extensa/coluna/de/jeeps/ mas são eles/quem/se/protege/com capacetes.escudos.protectores.viseiras/ e p’la colleira cães/-tão- adestrados/quanto eles/ que ladram/e mordem/(como)/réplica/deles/próprios

as/armas/ bem/à/vista./ as/pernas/ bem/abertas./ todos/eles/ machos/ mui machos! /em postura/

bélica

(e)/eis que/alteiam/os/bastões/ eis que zunem/ desferindo/sobre/nós/ nós/(os) que/nos limitávamos/a ali estar/ estar(mos)/ali/sentados/sobre/a/terra/que trabalha(va)mos/ e cultiva/(va)mos/ e com que/amor!

tivemos/que/nos/levantar/à/viva/força!/(e)/de/erguer/os/braços/como/quem/se/protege

simples/gestos/de/defesa/que/não/de/ataque

heróico/(foi)/o moisés/proletário.camponês/humano.homem/grande trabalhador/meu camarada/querido/amigo/ quantas/chibatadas/sobre/ti/(não)/deflagraram/quantas/bastonadas/(não)/caíram/naquela manhã/sobre/o teu vasto/possante/corpo

eras/um homem/fisicamente/poderoso/ mas sem desejo/algum de agressividade/ um calmo homem/tranquilo e/alegre/-que da extrema entrega em que te davas/por vezes adormecias à mesa/das reuniões/ brando/eras – assim um tanto/como diz.ia ela/de mim – quase.manso/de tão/bondoso/ser(es)

dizem/que/jesus/deu/a/outra/face/ (e)/ que/terá sido/um grande homem/um santo/mesmo/ um quasi… deus/deus!/ tu/também

também/tu/ (como) grande dirigente/agrícola.e comunista/que eras/ante/o vasto painel/dos que – tal como eu -/te viam/ isolado/ à/distância/deste o exemplo/ havias-te/deixado isolar/de entre nós/ ou teremos sido nós/ que/(de nós)/ te deixamos/isolar

sem protecção/alguma/deste/o (teu) corpo/vezes sem conta/sem sequer/te/defenderes./sem sequer/esboçares defender-te./colocando tão somente/o levantado/braço/no/ar/(mas) apenas/como/ quem/se/protege./(in)tenta/proteger-se./em vão

a tua boina/ essa tua boina quasi.eterna boina/já delida/pelo/tempo/e o muito/uso/quase desfeita/sempre…/na cabeça./por vezes/parecia/até – assim visto de longe-/que/intentavas/segurá-la/para que não/caísse/(sobre/terra)/

como se mais preocupado/com ela./ a desfeita boina/ do que contigo/próprio./ com a violência/que sobre ti/se/desencadeava/não fosse (ela) cair/ e depois não mais/a conseguisses/recuperar/

mas não/ quando/caía/logo que/caía/procuravas/imediatamente/baixar-te/ e de um só gesto/num único/movimento/apanhá-la/por entre/a saraivada – de bastões-/que sobre ti/ violenta.mente / desabava(m)/continuava(m)/a desabar

não sei/-mesmo-/se na tua face/não persisti(ri)a – (pois) não o conseguia descortinar à distância -/

aquele sorriso ingénuo/e bondoso que/te enchia a/redonda/lua/do/rosto/talvez assomando-te então/um leve esgar/de troça/ e/escárnio

malhavam-te/os/cobardes/ em longa fila/armada/ malharam-te/quase/interminavel/mente/diria/(eu)

parecia até/que a apoteose/nunca/mais/teria/fim

quando/finalmente pararam/estávamos/rubros/de/cólera/e/vergonha./cólera/pela barbárie./selvático espectáculo/que havíamos presenciado./vergonha/de nós mesmos.e da humanidade/por termos sido espectadores.inoperantes/de um episódio/medievo/ a pura barbárie/à solta/ (tudo) em nome de restituir/as terras aos latifundiários/classe contra quem/fize(ra)mos/abril/ (faz) tão só/agora/cinco anos!

Largo painel/de que (eu)/fazia.era/parte/sem que/te pudéssemos – ou soubéssemos – (nós) defender/sem que/nos tenhamos rebelado/ – ou melhor – sem que/ousássemos/sequer/erguer/um só dedo/ sem que/do chão/em verdade/nos levantássemos/ aproveitando de novo/para aqui te abraçar./eu a ti/ josé

mas todos nós/moisés.vimos o teu exemplo/e logo os rostos/ruborizando/afoguearam/a nossa/cara/de homens e mulheres/ apenas grita(ra)mos.vociferando/mas isso de nada (valeu)/ de nada serviu/ lágrimas de cólera.vergonha.e impotência/rolavam.rolaram mesmo/nalguns (dos)/rostos/mas os algozes não se apiedaram/ qual/quê…/ o alentejo /na sua mais negra/face

estou no entanto certo/que ficaste – para todo o sempre – incrustado no olhar/na memória (pro)funda/de quantos presenciaram/aquela/cena/ hedionda cena /de circo.romano!que/se destinava/a violentar.interiormente/a nossa – humana – dignidade/ e/que mais não pretendia/(do) que fazer-nos/(ter) medo/e/desistir

procurando – assim – atingir/funda.mente/a/esperança/que ainda/flamejava/em nós/ insistia/resistia/dentro/de/nós/ drapeja/insiste/persiste/ resiste/ o alentejo

Pintura de Ana Cunhal Zivick 2009

Deixe um comentário