HOJE É DIA DE PÃO PORTUGUÊS… DE REVOLUÇÃO DE ABRIL…

HOJE É DIA DE PÃO PORTUGUÊS… DE REVOLUÇÃO DE ABRIL… DE HOMENAGEAR CAMARADAS E AMIG@S, de “O TEU, O MEU, O NOSSO, DOS TRABALHADORES, DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA” NO ALENTEJO E RIBATEJO.

9.2.1975-9.2.2022. Há 47 anos, perante uma multidão de mais de 30 mil trabalhadores, no comício de encerramento da 1ª Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, proclamaria ao País Álvaro Cunhal, Secretário Geral do PCP:

Vivemos um momento histórico nos campos do Sul. Pelas mãos dos trabalhadores, a Reforma Agrária deu os primeiros passos.”

A proclamação, feita após a apresentação, por esse camarada extraordinário, de nome Diniz Miranda, das conclusões que consagravam e apontavam como caminho a inovadora forma de luta da ocupação do latifúndio iniciada no Distrito de Beja, “os primeiros passos” (ler capítulos IV, V e VI de “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” aqui https://wp.me/Pdfece-3D ), , foi o rebentar do dique. Estava lançada a imparável, determinante e vertiginosa marcha pela Reforma Agrária em toda a zona do latifúndio, momento Histórico de afirmação de uma, senão da mais bela de todas as conquistas da Revolução de Abril, “a menina dos olhos da Revolução”.

Bem se pode afirmar, com toda a justiça, que a Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, promovida pelo PCP, a 9.2.1975, foi a CONFERÊNCIA ZERO DA REFORMA AGRÁRIA à qual se seguiram as restantes 12, cujos balanços comprovaram a justeza das orientações então aprovadas.

É tendo presente a simbologia da data que reservei para a mesma esta publicação que titulei de HOJE É DIA DE PÃO PORTUGUÊS… DE REVOLUÇÃO DE ABRIL… DE HOMENAGEAR CAMARADAS E AMIG@S, de “O TEU, O MEU, O NOSSO, DOS TRABALHADORES, DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA” NO ALENTEJO E RIBATEJO.

Porque a Revolução Agrária, realizada no Alentejo e Ribatejo, significou isso mesmo: PÃO PORTUGUÊS. Pão com mais abundância à mesa de quem a terra trabalhava e o pão produzia. Pão que a ditadura fascista, ao serviço de monopólios e latifundiários, negava a milhares de famílias que na miséria viviam, espoliadas dos mais elementares direitos e condições de vida. Famílias que trabalhando de sol a sol, quando trabalho havia, porque muitos eram os meses do ano em que tal não acontecia, não recebiam mais do que o mínimo necessário para reproduzir a sua força de trabalho, que nas “praças de jorna” vendiam, porque sindicatos, esses, mesmo os fascistas, vedados lhes estavam, só Casas do Povo havia e, mesmos estas, quantas vezes inacessíveis.

Pão Português, nascido dos cravos vermelhos do Povo que, associando-se à acção vitoriosa do MFA-Movimento das Forças Armadas, culminar da longa luta de 48 anos contra a ditadura, o golpe vitorioso transformou em Revolução de Abril, abrindo portas abriu à Liberdade plena e, com ela às Conquistas de Abril. Portas que, nos campos mártires do Alentejo e Ribatejo, inconformados e reacionários latifundiários até então dominantes, tentaram fechar, em sucessivas e fracassadas tentativas e manobras associadas ao criminoso e contra revolucionário general Spínola. Criminosa destruição de produção, venda e abate indiscriminada de efetivos pecuários, falsas sementeiras, desmantelamento e venda de máquinas, ameaças e juras de vingança, violação dos acordos assinados com os jovens mas já poderosos sindicatos agrícolas em construção, por iniciativa de comunistas e apoio do PCP e CGTP-Intersindical. Apostaram forte num vale tudo. Perderam. Era tempo de Revolução de Abril e como revolucionários intervieram então então os militares do MFA e o PCP.

Aos jovens Sindicatos coube importante papel na barragem às manobras e sabotagens de latifundiários contra a jovem democracia em construção, que como Democracia Avançada, a caminho do Socialismo, na Constituição da República consagrada seria, mas por cujo respeito e cumprimento, dos grandes Partidos que a votaram, (PS, PSD, CDS e PCP) só o PCP por isso lutaria.

Jovens Sindicatos cujos dirigentes, há 47 anos, na Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, promovida pelo PCP, estariam aprendendo e afirmando e avançando caminhos novos a seguir. Em Liberdade todos agora estavam, mas pelas prisões fascistas muitos haviam passado, pelo crime maior de pão reclamar e a terra querer trabalhar.

Neste dia, e no quadro das comemorações do Centenário em curso, a Tod@s @s que em tão Histórica Conferência participaram, para a História do PCP contribuindo, a minha sincera homenagem.

Homenagem igualmente a Tod@s @s que a “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” apoiaram, defenderam e assumiram como sua, porque sua era, porque para servir o Povo foi feita, Povo eram e o Povo defendiam.

Faço-o hoje através da invocação de dois destacados militantes comunistas, camaradas inesquecíveis, íntegros e leais, que sentiram, viveram e defenderam a Revolução no Alentejo, uma Mulher e um Homem, Júlio Martins e Zillah Branco. Nestas duas figuras presto Homenagem aos milhares de anónimos que sem desfalecimentos trabalharam e contribuíram solidariamente, pelas mais diversas formas, para o avanço e defesa daquela que seria durante muitos anos a “Pedra de Toque” das políticas dos sucessivos governos constitucionais que procurei retratar em “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Ribatejo” acessível através da ligação https://wp.me/Pdfece-rl .

Como Homenagem ao camarada Júlio Martins recorro à partilha integral da sua biografia em boa hora disponibilizada na página “ANTIFASCISTAS DA RESISTÊNCIA” reforçando apenas um facto da maior relevância porque insuficientemente divulgado. Tem a ver com a sua intervenção, que considero crucial em todo o processo da Revolução Agrária, sendo minha convicção, para não dizer certeza, que sem a mesma, pelas ligações diretas que tinha à Direcção Central do Partido, em particular ao camarada Álvaro Cunhal, alguns dos “primeiros passos” dificilmente teriam tido lugar, como lugar não teriam tido as Unidades Colectivas de Produção Agrícola, modelo “sui géneris” da Revolução Agrária Portuguesa, distinto de todos os modelos conhecidos, que Júlio Martins abraçou desde a primeira hora e defendeu junto do camarada Álvaro que, atento à realidade e acompanhando todo o processo desde a primeira hora, defendeu todas as soluções criadas no terreno (UCP.s, Cooperativas, Herdades do Estado ou mesmo partilha de terras se essa fosse a vontade maioritária de quem a terra trabalhava, o que, lembre-se e sublinhe-se, sempre esteve inscrito nos princípios do PCP. A vida comprovou a justeza da defesa dos princípios socialistas consagrados pelas primeiras UCP.s que acabariam por ser adoptados em toda a ZIRA.

A contra-revolução levou à sua criminosa destruição e tudo tem feito e continua a fazer para a apagar da nossa memória colectiva. Que no quadro das comemorações dos 50 anos da Revolução de Abril que se aproximam tenhamos todos isso presente, pois é, a altura oportuna para consagrar na História Homens e Mulheres como Júlio Martins, Zillah Branco e tantos outros e ter presente que os crimes políticos não prescrevem e lembrando ao Povo que é sempre tempo de os julgar.

Em sua Homenagem junto a primeira publicação da CRARA, publicada em Novembro de 1975.

Como Homenagem à camarada Zillah Branco, que desempenhou um importantíssimo papel na CGTP-IN, dinamizando o seu importante Departamento Agrícola, optei pela publicação de alguns documentos por si elaborados para a Comissão Executiva da CGTP-IN cujo extraordinário papel em defesa da Reforma Agrária nem sempre mereceu a merecida atenção.

É ela quem prepara, acompanha e participa mesmo em múltiplas iniciativas internacionais como a Conferência Mundial sobre Reforma Agrária, promovida pela FAO em Roma em Julho de 1979, sendo então portadora de uma exposição da CGTP-IN que seria entregue em mão ao Papa e às delegações de todo o mundo presentes na mesma.

Como ela própria me descreveu: “Levei ao Papa em 1979 um relato, editado pela CGTP, que cobri com uma capa azul celestial, e entreguei em mãos recebendo a benção papal “para os trabalhadores da reforma agrária em Portugal”.  Aquela oferta foi colocada em uma bandeja de prata carregada por um cardeal que o seguia no longo percurso no recinto do Vaticano onde duas mil pessoas, representantes de todos os países que participaram da Conferência Mundial sobre a RA promovida pela FAO em Roma.”.

Conferência em que, contra a maré e pondo de lado os condicionantes protocolos, acabou por proferir a intervenção que disponibilizo como anexo desta publicação.

Tomei conhecimento da documentação que agora publico porque o camarada, e grande amigo de sempre, António Quintas, destacado dirigente dos metalúrgicos e da CGTP-IN, cujas intervenções em defesa da Reforma Agrária dariam só por si para muitas publicações, ao tomar conhecimento que eu havia recomeçado a escrever sobre a “Reforma Agrária-A Revolução no Alentejo, fez-me chegar a documentação que tinha em seu poder sobre a mesma. Documentação muito importante que já digitalizei na sua totalidade e que irei disponibilizar na sua totalidade, através de novas “notas e reflexões” como as que venho publicando no quadro das comemorações do Centésimo aniversário de “O TEU, O MEU, O NOSSO, DOS TRABALHADORES, DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA”.

São também da autoria de Zillah Branco, alguns importantes trabalhos editados pela CRARA- Comissão Revolucionária de Apoio à Reforma Agrária, criada por iniciativa do PCP (Júlio Martins?) que hoje publico. O primeiro valeu-lhe uma pesada retaliação razão pela qual o segundo foi publicado sob pseudónimo.

Zillah Branco, frontal, leal, autêntica como o devem ser todos os comunistas, amigos desde os primórdios da Revolução, foi também a autora, entre muitos outros trabalhos, “ REPORTAGENS SOCIOLÓGICAS NO INTERIOR DA REFORMA AGRÁRIA – uma época de participação transformada em utopia”, obra para a qual me solicitou uma introdução que também hoje publico.

Haverá em todas as publicações pequenos e insignificantes pormenores e precisões, que em nada alterando o que então escrito foi, como escrito foi deve ser divulgado.

FOTO INCLUSA NA PÁGINA ANTIFASCISTAS DA RESISTÊNCIA QUE HOJE TOMO A LIBERDADE DE PARTILHAR

Antifascistas da Resistência

25 de junho de 2016  · 

JÚLIO MARTINS (1926 – 1978)

Engenheiro agrónomo, Júlio Martins dedicou grande parte da sua vida à luta antifascista, passando, entre 1950 e 1969, quando foi libertado pela última vez, mais de doze anos nas prisões fascistas. Sofreu os horrores das torturas da polícia política.

Homem íntegro, militante comunista, sereno na comunicação e corajoso na acção, entregou-se inteiramente à luta pela dignificação da vida dos mais pobres e explorados. Até morrer, aos 52 anos, acreditou sempre numa «sociedade humanizada, em que todos pudessem ser felizes». Depois do 25 de Abril de 1974 empenhou-se, com todo o seu saber técnico e científico, no apoio às estruturas da Reforma Agrária. O Curso de Agronomia fez dele um técnico de excelente qualidade nesse apoio, e a sua capacidade de diálogo enraizou-o no coração dos trabalhadores alentejanos.

«Júlio Martins é daqueles homens que nunca partem. Pela força do legado e do exemplo caminha ao nosso lado» – escreveu-se nos jornais diários do dia do seu enterro. Quisemos com esta biografia recordar um cidadão afinal praticamente esquecido 38 anos depois da sua morte.

1. Filho de Maria Josefina da Conceição Rocha e Silva e de José Martins Pacheco, grande proprietário rural, Júlio da Conceição Silva Martins nasceu em Figueiredo, freguesia de Pinheiro de Bemposta, concelho de Oliveira de Azeméis, em 31 de Julho de 1926. Provavelmente, por influência do irmão José Augusto da Silva Martins, importante quadro do Partido Comunista em finais da década de 30 e anos 40, das irmãs, nomeadamente Armanda Forjaz Lacerda (cuja biografia se encontra aqui) e cunhado, aderiu àquele com apenas 13 anos, quando ainda era estudante liceal.

Até 1945, envolveu-se em actividades no Norte do país e depois, até 1949, enquanto aluno do Instituto Superior de Agronomia, integrou o MUD Juvenil, participou na campanha presidencial de Norton de Matos e envolveu-se no Movimento Nacional Democrático (MND).

A primeira prisão aconteceu aos 23 anos, no dia 24 de Junho de 1950, quando se preparava para distribuir propaganda do MND ( em que se pedia eleições livres, abolição da PIDE, abolição da censura, Paz, ampla amnistia, direito ao trabalho e extinção do Tarrafal), tendo Júlio Martins considerado aquela agremiação justa e legal, seguindo as orientações publicamente defendidas pelo general Norton de Matos. Enviado para o Aljube, onde lhe foi recusada a visita de duas irmãs, e transferido para Caxias em 29 de Agosto, foi libertado ao fim de dois meses e meio, em 4 de Setembro.

Frequentou o Instituto Superior de Agronomia, onde foi colega de Amílcar Cabral, e formou-se com a classificação de 19 valores. Integrado na tropa depois da prisão, concluiu, em 1951, o serviço militar obrigatório na 1.ª Companhia Disciplinar, em Penamacor e, com pouco mais de 20 anos, foi um dos dirigentes do Movimento Nacional Democrático, tendo integrado a sua Comissão Central desde meados de 1954 (João Madeira). Foi o responsável “pelo aparelho de agitação” e “pelo controlo das Distritais de Lisboa, Beja e Algarve” (João Madeira).

Foi já como funcionário clandestino do Partido Comunista que, em 8 de Novembro de 1955, foi novamente detido e enviado para o Aljube ou para Caxias, consoante as circunstâncias, já que era naquele que cumpria os castigos em cela disciplinar aplicados pelo Director do Forte de Caxias. Julgado em 26 de Julho de 1956 e condenado a 2 anos e 15 dias de prisão maior, entrou no Forte de Peniche em 16 de Março do ano seguinte, de onde só sairia em liberdade condicional em 17 de Dezembro de 1959, depois de ter iniciado em 6 de Julho de 1958 o cumprimento de medidas de segurança. Nesse período, interveio na organização partidária prisional e, liberto, regressou à militância clandestina.

Em Fevereiro de 1961 foi-lhe revogada a liberdade condicional e passados mandados de captura, sendo detido pela terceira vez em 15 de Dezembro, juntamente com Natália Henriques Soares David Campos, sua companheira, na casa clandestina que ocupavam em Linda-a-Velha. O casal tinha, então, substituído José Dias Coelho e Margarida Tengarrinha no aparelho técnico de falsificações. Nessa mesma data, foram presos Américo Guerreiro de Sousa, Joaquim Pires Jorge e Octávio Pato.

Júlio da Silva Martins foi barbaramente torturado, tendo sido sujeito a onze dias e a onze noites da tortura do sono e espancado durante três dias consecutivos (Irene Pimentel). Mais uma vez, passou pelo Aljube, por Caxias e por Peniche, tendo sido julgado pelo Tribunal Plenário em 24 de Novembro de 1962 e condenado a cinco anos e meio de prisão maior e, em cúmulo jurídico, a oito anos. Saiu em liberdade condicional em 25 de Setembro de 1969 e a definitiva foi-lhe concedida em 14 de Dezembro de 1973. Natália David Campos, também torturada, foi libertada ao fim de seis anos, em 21 de Novembro de 1967.

2. Após o 25 de Abril de 1974, foi um dos convidados de honra do primeiro grande comício do Partido Comunista, realizado no Campo Pequeno em 28 de Junho e, em 1975, integrou a lista de deputados pelo círculo de Lisboa à Assembleia Constituinte.

Foi delegado do Ministério do Trabalho nas primeiras convenções de trabalho no Alentejo, Director da Estação de Cultura Mecânica, da Secretaria de Estado da Agricultura, Director de Serviços da Direcção Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola (DGHEA) fez parte da Comissão Revolucionária de Apoio à Reforma Agrária (CRARA) e disseminou junto dos trabalhadores e técnicos, através da participação em reuniões, encontros, conferências e sessões de esclarecimento, o trabalho a desenvolver: ampliação da maquinaria, criação de parques de máquinas e construção de oficinas, aumento e melhoria da produção agrícola e dos efectivos da pecuária, introdução de novas culturas, produção forrageira, formação de quadros operadores de máquinas, cursos para contabilistas, construção de pequenas barragens, apoio à criação das Ligas de Pequenos e Médios Agricultores.

Os latifundiários odiavam-no e Spínola ameaçou-o de que o prenderia pessoalmente, se necessário. (Jornal “O Diário”, 30/10/78).

Dinamizador e co-organizador de várias Conferências da Reforma Agrária, coordenou, em termos técnicos, as ofertas dos países socialistas a nível de maquinaria agrícola, sementes e sémen para gado.

Publicou diversos estudos sobre a sociedade rural e a economia agrária em Portugal, nomeadamente “Estruturas Agrárias em Portugal”, 2 volumes editados pela Prelo em 1973-74, onde demonstra como uma minoria de famílias de latifundiários detinha a maior área do Portugal agrícola. Assinou, em Setembro de 1976, uma rigorosa introdução à segunda edição do livro de Álvaro Cunhal “Contribuição para o Estudo da Questão Agrária” (Edições Avante!, 1976).

Faleceu repentinamente em 25 de Outubro de 1978. Poucos dias antes, um jornal fascista injuriara-o.

No velório e funeral para o Cemitério de Benfica participaram milhares de pessoas, segundo relato do “Diário de Lisboa” (27/10/1978), sendo muitos deles trabalhadores alentejanos e ribatejanos que prometeram que “Faremos brotar o pão que nos ajudaste a produzir”. Américo Leal, em nome do Comité Central do Partido Comunista, evocou o contributo de Júlio Martins para a Reforma Agrária, tendo estado presentes muitos resistentes antifascistas e dirigentes comunistas.

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Biografia da autoria de João Esteves com colaboração de Helena Pato.

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Fontes:

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Avante!, 26/10/1978 e 02/11/1978.

Diário de Lisboa, 27/10/1978.

Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Círculo de Leitores – Temas e Debates, 2007.

João Madeira, O Partido Comunista Português e a “Guerra Fria”: “sectarismo”, “desvio de direita”, “Rumo à Vitória” (1949-1965), FCSH – UNL, 2011.

Informações prestadas por: Victor Louro, António José Madeira Lopes, Irene Pimentel, Luísa Tiago de Oliveira, Vasco Paiva.

“ Pela noite dentro, a 9 de Dezembro de 1974, na Casa do Povo de Santa Vitória, concelho de Beja, um punhado de trabalhadores rurais, homens vividos e sofridos, conscientes da sua condição de explorados e oprimidos, decidiam, com o apoio do seu Sindicato, pôr fim à arrogância, à prepotência, à provocação e à sabotagem, económica e política, que o latifundiário José gomes Palma vinha conduzindo, de forma ostensiva, contra a jovem democracia portuguesa. Na manhã seguinte, como resposta ao não pagamento de salários durante 5 meses consecutivos a dois trabalhadores, ao despedimento dos 12 trabalhadores efectivos que tinha ao seu serviço, o mais recente dos quais aí trabalhava há 2 anos e alguns há mais de 20 anos, às ameaças de deixar as terras por cultivar, a herdade do Monte do Outeiro, com um total de 775 hectares, era ocupada pelos trabalhadores.

Conquistando a sua cidadania, senhores dos seus destinos, avançando decididamente para as liquidação dos caducos latifúndios os trabalhadores agrícolas davam corpo à utopia. Uma terra sem amos nascia nos campos do Alentejo e do Ribatejo. Uma terra, como afirmou um dirigente sindical de então , “onde quem trabalha presta contas a quem manda mas, sobretudo, onde quem manda presta contas a quem trabalha”.

Lado a lado com os militares de Abril e partidos progressistas,  unidos e organizados nos seus sindicatos, no seio da CGTP, os trabalhadores agrícolas do sul intervieram decisivamente, com imaginação e criatividade, nos destinos do País, moldando com a sua acção corajosa, firme e determinada, uma das mais belas conquistas de Abril, a Reforma Agrária, importante pilar do regime democrático, de liberdade e progresso, e como tal consagrada na Constituição da República em 2 de Abril de 1976 com os votos favoráveis do PCP, do PS e do PSD.

Reportagens Sociológicas no Interior da Reforma Agrária constitui um importante e muito oportuno testemunho dessa positiva e extraordinária revolução vivida nos campos do Alentejo e Ribatejo. Dessa vivência de liberdade autentica, de democracia verdadeiramente participada e, por isso, prenhe de conteúdo genuinamente humanista.

Zillah Branco dá-nos testemunhos vivos da profunda e imensa solidariedade gerada em torno da Reforma Agrária. Solidariedade revolucionária, concreta, partilhada e vivida com intensidade e emoção. Do entusiasmo  e alegria que tão profunda transformação despertou nos mais diversos sectores da vida nacional e mesmo no estrangeiro. Coloca-nos perante a profunda revolução das mentalidades resultante desse contacto e vivência fraterna entre homens e mulheres de formação e origens distintas, diferentes experiências e modos de vida, todos eles irmanados nessa “oportunidade rara de se viver a utopia que reside no coração da humanidade” de um  mundo melhor, liberto de injustiças e desigualdades, sem marginalizações ou exclusões, um mundo de amizade, paz e cooperação.

Reportagens Sociológicas no Interior da Reforma Agrária revela-nos de forma muito viva e fundamentada, as profundas e positivas transformações operadas na zona de latifúndio não apenas no plano político mas também nos planos económico, social e cultural. Dá-nos conta de toda a vitalidade e energia transformadora dessa grande conquista que foi a Reforma Agrária não apenas através dos números e exemplos concretos que nos fornece mas igualmente pelo registo que nos deixa de depoimentos directos de quem viveu esses momentos extraordinários.

Frontal e intransigente para com todas as manifestações de oportunismo, implacável no combate ao cinismo, Zillah Branco não poupa aqueles que, votando a Reforma Agrária na lei e na Constituição, utilizaram depois o poder alcançado para conseguir a sua destruição, pondo a nu toda a sua hipócrisia, falta de ética e desonestidade política e intelectual. 
Reportagens Sociológicas no Interior da Reforma Agrária põem em evidência a dimensão criminosa que representa a destruição de uma experiência inédita de Reforma Agrária, portadora de um modelo de desenvolvimento que,conciliando as vertentes económica e social, permitiu travar as tendências de envelhecimento e desertificação que se vinham acentuando desde meados dos anos 50 na zona do latifúndio.

Zillah Branco lega-nos um importante instrumento de reflexão e estudo para todos aqueles que com seriedade quiserem fazer uma abordagem sem preconceitos sobre o que foi a Reforma Agrária, sobre o seu profundo significado não só para a melhoria substancial das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores agrícolas mas, igualmente, pelas suas repercussões positivas em toda a comunidade envolvente no plano político, económico, social e cultural. Deixa-nos um importante instrumento de combate a todos os detractores da Reforma Agrária que tudo fazem para denegrir a acção patriótica dos trabalhadores agrícolas ao apresentar a Reforma Agrária como um fracasso e não uma das mais importantes realidades do 25 de Abril que só o recurso à mais bárbara violência conseguiu destruir.

Reportagens Sociológicas no Interior da Reforma Agrária  deixa-nos o registo do  grito de alerta oportunamente lançado , que governantes preconceituosos, desumanizados, enfeudados nos interesses do grande capital não quiseram ouvir, e que a vida veio comprovar. A destruição da Reforma Agrária  não trouxe a modernidade , o progresso e o bem estar em nome dos quais foi destruída. A destruição da Reforma Agrária e a reconstituição do latifúndio trouxe o desemprego em massa, a migração e emigração, a estagnação económica e social, o envelhecimento e a desertificação do Alentejo.

Reportagens Sociológicas no Interior da Reforma Agrária tratando das questões do passado não é um livro virado para o passado. A questão da posse e uso da terra está de novo no centro do debate político. Uma nova Reforma Agrária é necessária no Alentejo.
A utopia não morreu com a destruição da Reforma Agrária. A brasa deixada nas consciências aguarda apenas o sopro de um vento favorável para atear de novo as chamas da revolução.
1995 (José Soeiro)