A verdade e a falsificação da História…(2ª parte)
O PCP, ao contrário de auto-intitulados pais da democracia, nunca escondeu o que defendia para a sociedade portuguesa, nem antes, nem depois do 25 de Abril de 1974. Defendeu sempre, sem ambiguidades neocolonialistas, o direito à auto-determinação e independência dos povos colonizados; a liquidação dos monopólios e a nacionalização dos sectores básicos e estratégicos da economia; a liquidação dos latifúndios e a expropriação dos grandes agrários capitalistas, através de uma Reforma Agrária que entregasse a terra a quem a trabalhava, (os camponeses, conceito abrangente que considerava: os trabalhadores agrícolas assalariados e os pequenos agricultores com pouca ou nenhuma terra como sucedia com os seareiros e ao alugadores de máquinas por conta própria) de acordo com a vontade que estes viessem livremente a exprimir. Tudo isto, a par do desmantelamento do Estado fascista, e sua substituição por instituições representativas do Estado, democraticamente eleitas pelo Povo Português, por sufrágio directo e universal.
A posição do PCP foi sempre uma posição clara e transparente como se poderá verificar pela leitura dos seus sucessivos programas, aperfeiçoados ao longo dos anos; pelas Resoluções Políticas dos seus Congressos e Conferências; pelos documentos do seu Comité Central; pelos discursos dos seus principais dirigentes e pela sua prática centenária.
O PCP, ao contrário do que fizeram o PS e o PSD, a quem se atrelaria o CDS, nunca violou, muito menos traiu, os pactos firmados entre o MFA e os partidos com assento nos Governos Provisórios. Como não violou ou traiu a Constituição da República Portuguesa, aprovada a 2 de Abril de 1976, com os votos favoráveis de todos os Partidos com assento nos Governos Provisórios PS, PSD, PCP e MDP contra a qual só votou o CDS.
A relação do PCP com os militares de Abril, organizados no MFA, foi sempre de apoio e respeito pelas decisões das suas estruturas representativas, empenhando-se sempre no sentido de preservar a sua unidade, colocando-lhes sempre com verdade, lealdade e frontalidade as suas opiniões.
Na Assembleia Constituinte, o PCP teve sempre uma intervenção clara e coerente com o expresso no seu programa e com as declarações públicas dos seus principais dirigentes, propondo, defendendo e votando favoravelmente todas as propostas que melhor garantissem as mais amplas liberdades e direitos fundamentais de todos os cidadãos, dando particular atenção aos direitos dos trabalhadores, como o testemunham as actas dos debates disponíveis nos Arquivos Históricos da Assembleia da República relativos à Assembleia Constituinte. Dessas posições, sobre a REFORMA AGRÁRIA, darei nota na 3ª parte deste capítulo.
Dos Partidos com maior representação na Assembleia Constituinte, que subscreveram em 1976, o pacto com os representantes do MFA, no sentido de garantir o respeito e cumprimento da Constituição da República, que iria ser votada pouco tempo depois, pacto que para além do PS, PSD, PCP, MDP, também o CDS subscreveu, apenas o PCP pode afirmar e comprovar, de forma irrefutável, com justificado orgulho, ter sido sempre fiel aos compromissos então assumidos, pautando sempre a sua intervenção no sentido do cabal cumprimento da Constituição e no respeito pelas instituições representativas do Estado de Direito Democrático nela inscritas e eleitas por sufrágio directo e universal pelo Povo Português.
Só quem por ter a consciência pesada pelas traições cometidas, por má-fé e/ou anti-comunismo primário, ainda prevalecente em sectores menos esclarecidos e desinformados da sociedade, pode afirmar o contrário, mas sempre sem nada que o possa demonstrar.
Não será por acaso que, para atacar o PCP, raramente se invocam factos ou situações relacionadas com a realidade portuguesa. Sobre esta recorre-se à mentira e à falsificação da verdade, optando os anti-comunistas de todos os matizes e quadrantes por invocar situações doutros países, ou factos históricos, cuja realidade os portugueses em geral desconhecem e cuja justificação ou explicação exigiria longos e aprofundados debates que os “média” ao serviço do capital nunca irão promover.
Quem luta pela liberdade, contra a exploração e opressão capitalista, facilmente é apodado de “terrorista”, “perigoso agitador”, ou, na sua forma mais simpática de malvado comunista que não respeita a nossa “liberdade” e a nossa “democracia” e só sonha em impor a sua ditadura, logo tem que ser combatido, sempre que necessário, pela democrática repressão das baionetas ou pelas não menos democráticas e inteligentes bombas que só causam pequenos danos colaterais de milhares de mortos. Quem serve o capital, mesmo que recorrendo à mais violenta e terrorista repressão sobre o seu próprio Povo, é amigo, “combatente da liberdade” e “defensor da democracia”, como tal apelidado e agraciado.
Para levar a água ao seu moinho não faltam analistas e comentadores encartados que pululam nas televisões, rádios e imprensa escrita, onde, diariamente despejam as suas verdades e impõem as suas agendas, quantas vezes, para não dizer em geral, escamoteando o contraditório e silenciando ou manipulando descaradamente as posições de quem se lhes opõe.
Assim tem sido com a verdade e a falsificação da História da “REFORMA AGRÁRIA-a Revolução no Alentejo” e Sul do Ribatejo e da “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo.
Falsificações sobre falsificações, mentiras sobre mentiras, que é preciso continuar a combater, combater, combater sempre, com a VERDADE.
Admitir que tudo o que foi ocorrendo após o 25 de Abril de 1974 fazia parte de um plano maquiavélico de assalto ao poder pelos comunistas não só é totalmente falso, como é absolutamente ridículo para quem se queira dar ao trabalho de refletir sobre tamanha e abstrusa e e não fundamentada barbaridade. Seria admitir que a comprovada sabotagem, praticada pelos grandes agrários capitalistas e latifundiários, tinha sido desenvolvida por orientação dos comunistas, por forma a justificar as ocupações, que se tornaram inevitáveis para salvaguardar e garantir o processo produtivo, o direito ao trabalho e o cumprimento das Convenções de Trabalho, para defender a própria Liberdade e democracia. Que a criminosa e comprovada fuga de capitais e valores para o estrangeiro, feita através e com a cumplicidade, sobretudo, dos banqueiros do regime fascista, tinha sido organizada por decisão do PCP, para justificar a nacionalização da Banca. Seria admitir que o abandono e actos de sabotagem constatados em inúmeras empresas de Norte a Sul do País, eram acções dos patrões organizadas a mando do PCP, para justificar a sua ocupação pelos trabalhadores, e por aí adiante.
Lamentável é que haja quem, afirmando-se historiador/historiadora, investigador/investigadora, jornalista ou comentador, na sua pequenez preconceituosa e anti-comunista, passe o tempo a procurar e/ou invocar um ou outro depoimento isolado de um ou outro trabalhador descontente, mesmo que sem razão para tal descontentamento, para validar as suas teses pré-concebidas, historiando a árvore que querem ver, repetindo-se em mútuas citações, ignorando factos essenciais e milhares de depoimentos contrários que possam pôr em causa o que erradamente afirmam ou já afirmaram, fechando os olhos à floresta que não querem ver, servindo objectivamente, quando não também subjectivamente, quem tem a pretensão de escrever a história, falsificando-a, de acordo com o discurso dos mandantes de cada momento.
A Verdade é que, tal como o PCP previu e preveniu desde a primeira hora, os beneficiários do fascismo e seu suporte, grupos monopolistas, latifundiários e grandes capitalistas, não se conformaram com a perda do seu Estado fascista, que protegia e garantia a defesa dos seus escandalosos, inaceitáveis, quando não criminosos privilégios, pelo que reagiram, tudo fazendo para impedir que o 25 de Abril de 1974 fosse para além de um golpe militar de apoio ao projecto neoliberal e neocolonialista preconizado pelo General Spínola. Nisso apostou, aliás, Marcelo Caetano, quando lhe entregou o poder, que já não tinha, porque vitoriosos já eram os capitães de Abril, para evitar que o mesmo caísse à rua, ou seja, nas mãos do Povo.
O PCP o que fez, usando a Liberdade conquistada, no respeito pelo Programa do MFA e dos pactos que com este subscreveu, foi alertar para as manobras que se foram desenvolvendo contra o 25 de Abril, divulgando as suas propostas e o seu programa político, contribuindo, com a sua longa experiência e a dos seus quadros, saídos da clandestinidade, a que novos quadros se juntaram, para a organização e mobilização dos trabalhadores em defesa dos seus direitos elementares e contra as manobras de que estes se iam apercebendo e denunciando, inscrevendo nos seus discursos a necessidade de lhes dar combate.
O PCP, enquanto Partido responsável e fiel aos compromissos assumidos, não fomentou as primeiras ocupações. Estas não resultaram de qualquer plano maquiavélico pré-concebido e muito menos constituíram parte de qualquer plano de assalto ao poder como procuraram, e ainda hoje procuram fazer crer, alguns os seus adversários e inimigos.
“A REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” e Sul do Ribatejo não teve início em obediência a qualquer orientação da Direcção do PCP. Isso sim, seria uma manifesta violação dos compromissos e da palavra dada pelo PCP ao MFA.
As ocupações, repito-o mais uma vez, começaram por iniciativa dos trabalhadores, a 10 de Dezembro de 1974, por proposta do Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Distrito de Beja. As ocupações foram a resposta natural, necessária e revolucionária que a Legalidade Revolucionária, instituída com o vitorioso 25 de Abril de 1974 ,exigia para defender a Liberdade e a jovem Democracia em construção, que a sabotagem de latifundiários e grandes agrários capitalistas ameaçava.
Aos responsáveis do PCP em Beja, Edgar Correia e João Honrado, foi dado conhecimento da situação extrema que se vivia no Monte do Outeiro, da política de terra queimada que o fascista José Gomes Palma pretendia implementar com a venda do pouco que ainda existia na herdade e da resposta que a Direcção do Sindicato, cujos principais responsáveis eram militantes do PCP, considerava necessária para fazer face à mesma. Estes chamaram a atenção para o risco que tal acção poderia desencadear e condicionaram a decisão da Direcção do Sindicato à aceitação da proposta, primeiro por todos os militantes do Partido de Santa Vitória e, havendo unanimidade nestes (o que se veio a verificar na reunião realizada na Casa do Povo de Santa Vitória, a 9.12.1974, em que participei como dirigente sindical e membro do Partido que era) ser a mesma apresentada a todos os trabalhadores que estavam na exploração da Herdade só devendo avançar-se para a ocupação, e dar início aos trabalhos necessários à salvaguarda do processo produtivo, se a proposta fosse aprovada por todos os trabalhadores, os efectivos que já lá trabalhavam e os que lá haviam sido colocados ao abrigo da Convenção Distrital, que José Gomes Palma não queria aceitar.
Na manhã de 10 de Dezembro de 1974, em Plenário com todos os trabalhadores, coube ao Francisco Batista, da Direcção do Sindicato, apresentar a proposta que, uma vez discutida, foi votada favoravelmente por todos os trabalhadores presentes. De fora ficou o feitor. Estava dado o primeiro passo dessa épica arrancada da que, mais do que uma Reforma, foi uma Revolução. (ver Capítulo IV de “Reforma Agrária – A Revolução no Alentejo” páginas 105 e seguintes).
Talvez seja oportuno deixar claro, de uma vez por todas, que as ocupações também não obedeceram a qualquer fantasiosa orientação do COPCON, de que era comandante Otelo Saraiva de Carvalho, militar de Abril respeitado e conceituado entre os trabalhadores agrícolas alentejanos, como o foram sempre todos os militares de Abril, a quem o Sindicato, a exemplo do que fazia com todas as instituições, sempre fez chegar os seus comunicados com as denúncias das malfeitorias que iam verificando e as decisões que foram sendo tomadas pelo Sindicato, mas de quem nunca recebeu qualquer garantia de não intervenção da GNR no processo das ocupações e muito menos orientações no sentido de avançar para as mesmas.
A VERDADE é que, quando se avançou para as primeiras ocupações, por decisão dos trabalhadores, por proposta do seu Sindicato, não havia sequer qualquer garantia de apoio às mesmas por parte do MFA.
Muito menos foram iniciadas pelo PRP-BR como terá afirmado Carlos Antunes, seu dirigente, ao jornal o Público, a 18 de Novembro de 2000, em entrevista a Isabel Braga, em que, a dado passo afirma: “Sim. A primeira ocupação de terras no Alentejo, em 1974, fomos nós, PRP, que a fizemos e pedimos apoio a um militar de Abril, o capitão Calvinho. Ele apareceu lá, à paisana, é dito aos camponeses que ele era um militar de Abril, e o PCP mandou-o prender como falso capitão.” o que não passa da mais descarada falsidade.
Por outro lado, não reconhecer a “Legalidade Revolucionária” resultante do 25 de Abril de 1974, questionar a legitimidade das conquistas alcançadas pelo Povo Português ao abrigo da mesma, classificando a acção patriótica dos trabalhadores contra a sabotagem de “ocupações selvagens” e “ilegais” porque feitas à margem de qualquer lei, escamoteando a razão pelas quais as mesmas se tornaram uma necessidade, e invocar o facto dos sindicatos agrícolas ainda não estarem legalmente formalizados de acordo com a Lei (só se fosse a fascista que os não reconhecia, já que outra ainda não existia) ou o facto da ALA poder não representar todos os agricultores, para questionar e concluir pela ilegitimidade das convenções de trabalho livremente assinadas e questionar o reconhecimento e papel dos jovens sindicatos agrícolas junto e nas instituições e fora delas, como faz António Barreto, é sem dúvida uma excelente anedota para contar aos nossos netos.
Já só nos falta ouvir António Barreto invocar a ilegalidade da acção libertadora dos Heróicos Capitães de Abril que, contra o determinado na Lei, sem dispor de mandato do governo, nem autorização das hierarquias militares superiores, a famosa “Brigada do Reumático” que dias antes prestara vassalagem a Marcelo Caetano, ousaram sair à rua e derrubar “ilegalmente” o “estado de direito fascista” que a Constituição Salazarista de 1933 consagrava.
“CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo, testemunho de quem viveu os tempos de Liberdade e de Legalidade Revolucionária, resultantes do 25 de Abril de 1974, insere-se nesse combate constante que é preciso prosseguir contra a manipulação e falsificação da História e o ocultamento da verdade a que o Povo Português tem direito.
Como diz o Povo “a verdade é como o azeite e como o azeite ao cimo virá” e, com A VERDADE,esperemos que venha a justa Homenagem aos que “levantados do chão”, no exercício da Liberdade, resultante da acção corajosados militares de Abril, e no quadro da Legalidade Revolucionária por estes instituída, assumiram de pleno direito a sua cidadania, tomando em suas mãos, de forma ordeira e pacífica, a posse e uso da terra que amavam e que sempre quiseram trabalhar, colocando-a, de forma altruísta eexemplar, ao serviço de toda a comunidade, da soberania e independência nacionais.
