A verdade e a falsificação da História…
AS DUAS INTERVENÇÕES… (5ªParte)

Proferidas a 15 e 18 de Julho de 1975, já com mais de 120 mil hectares na posse dos trabalhadores, como informa António Gervásio, e com a legislação sobre a Reforma Agrária a aguardar promulgação desde 27 de Junho de 1975, (como confirmam os telegramas trocados a 24.7.1975 entre o Conselho Regional da Reforma Agrária de Beja e o Ministério da Agricultura de Fernando Oliveira Batista, ver páginas 211 e 212 de “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”) as intervenções proferidas por António Gervásio e Francisco Miguel, na Assembleia Constituinte, revestem-se de especial significado no contesto das “Notas e Reflexões” sobre a “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo.
Elas demonstram, por antecipação, algumas das teses e falsidades dos adversários e inimigos da REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo, que ainda hoje há quem queira fazer passar por verdades.
Justificando e clarificando o pensamento dos Comunistas em relação À Reforma Agrária, as intervenções proferidas traduzem o conhecimento profundo da realidade que se vivia nos campos, não só no Alentejo mas no todo Nacional, exprimindo, sem retóricas desnecessárias nem ardilosas e eloquentes oratórias, as propostas avançadas pelo PCP, no seu projecto Constitucional. Elas não deixam margem para dúvidas e muito menos espaço para as especulações e os alarmismos que vinham sendo fomentados e se viriam a intensificar, sobretudo, no Centro e Norte do País, contra a ameaça do “papão comunista” que tudo ameaçava, tudo queria ocupar e estatizar, como já estaria a acontecer no Alentejo e Sul do Ribatejo.
Como afirmou António Gervásio “A reforma agrária faz parte dos objectivos e da luta do, meu Partido ao longo dos anos da ditadura fascista. (…) consagrada no programa do meu Partido aprovado em 1965.” sublinhando, mais adiante,
o conteúdo, claro e de profundo significado, do inscrito no artigo 8.º, alínea b) do projecto de Constituição apresentado pelo PCP, onde se pode ler: «realizar reforma agrária pela expropriação do latifúndio e das grandes explorações capitalistas segundo o princípio a terra a quem a trabalha, respeitando a pequena e média propriedade da terra»
E noutro passo da sua intervenção: “Na zona da pequena e média propriedade a reforma não passa pela expropriação do pequeno e médio campesinato. Aí a reforma agrária não consiste em tirar a terra, mas, ao contrário, dar-se terra a quem tem pouca ou não tem nenhuma e dar ajuda financeira e técnica.A reforma agrária não tira a terra aos pequenos e aos médios camponeses, como a reacção propaga aos quatro vento”
O respeito pela pequena e média propriedade, a defesa dos interesses e a necessidade de apoio do Estado aos seus detentores é, aliás, uma proposta bem sublinhada e repetida nas duas intervenções.
Não é o facto de se poder ter verificado um ou outro caso isolado, como resulta claro do trabalho da Comissão de Análise, criada pelo Ministro Lopes Cardoso, para avaliar as tão badaladas “ocupações selvagens” de pequenas e médias explorações, que não teriam cabimento face à legislação em vigor, situações que tanto o PCP, como os Sindicatos Agrícolas não só contrariaram, como manifestaram sempre total disponibilidade para intervir no sentido de proceder à sua correcção, que pode ser invocado, pelos seus inimigos e detractores, para justificar o crime do assassínio da REFORMA AGRÁRIA e o desenvolvimento da “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo e Sul do Ribatejo.
As intervenções proferidas não deixaram dúvidas sobre o significado nefasto da economia latifundiária, ainda prevalecente na sociedade portuguesa em 1974, o seu peso e a sua responsabilidade no atraso e subdesenvolvimento da agricultura nacional, nas condições de exploração e negação de direitos fundamentais a quem a terra trabalhava mas dela dificilmente tirava o sustento.
Como foi afirmado:
“Somos um Portugal atrasado, porque sempre no nosso país predominou a grande propriedade. Isto aconteceu no nosso país, acontece e tem acontecido em todos os países. Não há nenhum país onde a grande propriedade agrária latifundiária predominou que fosse desenvolvido. Era atrasada a Rússia dos czares, eram atrasados os países balcânicos, antes da revolução socialista. Era atrasada a Polónia, são atrasados os países do Próximo Oriente onde predomina a grande propriedade agrária, de raiz, feudal, é atrasado o Sul da Itália, a Espanha, Portugal, o Brasil; todos os países onde predomina a grande propriedade agrária latifundiária.
“ao sul, temos o grande latifúndio com muitas centenas e milhares de hectares de terra de um só senhor ou de uma só família. Ao norte, temos a pequena e muito pequena propriedade (…)
“3 % do total das explorações agrícolas, ou seja, 2600, têm mais terra do que 780 000 explorações,mais terra do que 97% do total dessas explorações agrícolas!No Sul de Portugal estão situadas as maiores herdades da Europa capitalista, como, por exemplo, as herdades de Palma (16 000 ha), Comporta (29 000 ha), Rio Frio (17 000 ha), Machados (6000 ha), Companhia das Lezírias (mais de 30 000 ha), Casa Cadaval (15 000 ha), etc., e muitas outras, na sua maioria incultas ou mal aproveitadas. Na opinião do PCP não haverá em Portugal uma só reforma agrária, mas, digamos, duas reformas agrárias.Na zona da grande propriedade a reforma agrária passa pela expropriação dos latifundiários e das grandes explorações agrícolas capitalistas.”
No concelho de Cuba, segundo o estudo invocado por Francisco Miguel, que Henrique de Barros assumiria como participante no mesmo, em “700 proprietários, 11 tinham mais de metade da terra da freguesia e, entre eles, três eram predominantes – entre estes 11. Uma propriedade, nesta freguesia, com 2 ha, pagava então 75$ de imposto por hectare. E, na mesma freguesia, uma propriedade com 800 ha, terras da mesma qualidade e porventura mais produtivas, pagava 8S por hectare.”o que, para além da concentração da terra nas mãos de meia dúzia de famílias, põe em evidência o protecionismo do regime fascistas em relação à grande propriedade latifundiária em termos de política tributária.
Por outro lado, como o demonstram as transcrições que se seguem, ele põe em evidência a natureza parasitária do modelo de economia latifundiária e a necessidade de lhe pôr cobro:
“o absentismo significa que uma grande parte do valor criado pelos camponeses com o seu trabalho vai, em forma de renda, para um sector puramente parasita, que até do ponto de vista capitalista não interessaria”
“há uma contradição profunda entre os interesses do grande latifundiário absentista e o próprio empresário agricultor, que cultiva a terra, mesmo que ele seja capitalista.”
“ o empresário capitalista que não fazia investimentos porque a terra não era sua” “se fizesse investimentos, se melhorasse a terra e a tornasse mais produtiva,” “a renda era aumentada. Resultado: o dono da terra, latifundiário, cujos direitos através da história têm, sido conhecidos, não faz investimentos; o empresário, ou porque é pequeno ou porque é capitalista não dono da terra, não os faz também. O atraso da nossa agricultura tem esta raiz – um atraso técnico e geral.”
“temos de reconhecer que o predomínio da propriedade latifundiária tem sido um grande factor do nosso atraso geral, porque, efectivamente, empobrecendo a massa camponesa que trabalha nos campos, não lhe dando poder de compra, é uma cadeia que não se move. E, por isso, a reforma agrária será o primeiro elo da cadeia do nosso desenvolvimento geral”
“Se no nosso país, em 1834, na altura dos liberais, se tivesse feito uma reforma agrária, na altura em que se terminou com as propriedades de mão morta pelas leis desse ministro, progressivo no seu tempo, Mouzinho da Silveira, ou se, mesmo em 5 de Outubro, a revolução que implantou a República tivesse feito a reforma agrária, muito diferente seria hoje o nosso país. Seríamos muito mais desenvolvidos. Mais ainda, em 5 de Outubro o rei perdeu a coroa, mas não perdeu um palmo das suas vastas propriedades! A reforma agrária, de que o País já precisava, não foi feita”
Por terra caiem, igualmente, as teses que as propostas de Reforma Agrária do PCP não passavam de propostas de expropriação e nacionalização da terra. Também aqui as intervenções proferidas não deixam margem para dúvidas quanto à grosseira falsidade de tais afirmações. Como foi afirmado:
“a reforma agrária não consiste apenas na expropriação dos grandes latifundiários e entregar a terra a quem a trabalha. A reforma agrária consiste igualmente na ajuda do Estado às novas cooperativas e explorações agrícolas, aos pequenos e médios camponeses, concedendo créditos em condições favoráveis, fornecendo máquinas agrícolas, sementes, gados, adubos, pesticidas; acabando com formas feudais de exploração, como foros, parcerias e outros; perdoar as dívidas usurárias dos camponeses pobres; alargar as isenções de impostos ao campesinato pobre, estabelecendo um sistema progressivo de contribuição predial rústica segundo o princípio «paga mais quem mais tiver». A reforma agrária consiste também no fomento de parques de tractores e máquinas agrícolas, construção de silos, adegas, lagares, barragens, electrificação rural, construção de estradas, construção de escolas e institutos e formação de milhares de especialistas agrícolas. Consiste na formação de cooperativas de comercialização que assegurem em condições eficazes a compra dos produtos agrícolas por preços compensadores e o fornecimento à agricultura dos produtos necessários.”
Igualmente importante é a clarificação e precisão da posição do PCP acerca da política de indemnizações avançada no seu projecto de Constituição no
“Artigo 22º, n.º 2
(…) a lei poderá determinar que a expropriação dos latifúndios e dos grandes proprietários, empresários e accionistas não dê lugar a qualquer indemnização.” que diferencia o seu projecto de todos os outros.
Ambas as intervenções defendem explicitamente que “as expropriações dos latifúndios e das grandes explorações agrícolas capitalistas sejam levadas a cabo sem indemnização”.
Como esclareceria Francisco Miguel “uns, em consideração aos direitos da propriedade, entendem que os latifundiários devem ser indemnizados. Nós, por exemplo, entendemos que não devem ser indemnizados. Talvez fosse mais justo pôr até o problema: se durante muitos anos, ilegitimamente, exploraram a massa camponesa do nosso país, seria justo e razoável que ainda tivessem que pagar alguma coisa além de perderem as terras.” “e se, no conjunto, esta Assembleia não quiser ir tão longe que tenha, pelo menos, a decisão de dizer que a propriedade latifundiária vai desaparecer e as terras vão ser para o nosso país, para o nosso povo que trabalha a terra – a terra a quem a trabalha, efectivamente -, os que até agora beneficiaram dessa injustiça para com os camponeses deixem de receber rendas e lucros a que realmente não têm direito”.
Os Decretos emanados do IV Governo Provisório, ao admitirem o direito à indemnização pelas expropriações de acordo com a lei, que nenhum governo após o 25 de Novembro fez questão de cumprir, porque destruir a Reforma Agrária é que era o seu objectivo estratégico, deixam clara a falsidade dos que, escamoteando as suas responsabilidades nos governos provisórios, onde até eram maioria, procuram fazer crer que nada tiveram a ver com os Decretos referidos e considerados como “as leis da Reforma Agrária”.
Uma última mas muito pertinente observação, porque associada às falsidades sobre a posição do PCP em matéria do modelo defendido para a exploração das terras expropriadas, é a ausência de referência às Unidades Colectivas de Produção Agrícola – UCP.s.
Desde logo chamar a atenção que, à data das intervenções, não se podia falar em UCP pois, estas não correspondiam a qualquer dos modelos conhecidos no mundo, viriam a ser uma das especificidades da Reforma Agrária Portuguesa, e a primeira, a Vanguarda do Alentejo, só viria a ser constituída a 17 de Outubro de 1975, razão pela qual também não podiam constar no projecto de Constituição apresentado pelo PCP.
O que poderia ter sido introduzido num dos discursos, quando muito, era o conceito de “Herdade Colectiva”, na medida em que já fora introduzido no memorando, entregue por uma delegação constituída por António Gervásio, Diniz Miranda, Américo Leal e Joaquim Velez, a 12 de Junho de 1975, ao Ministro da Agricultura, Fernando Oliveira Batista, como um “de 3 tiposprincipais de unidades de produção a instalar nas terras expropriadas do Sul” sendo os outros dois as “Herdades do Estado” e as “Cooperativas de produção”. (Questão tratada de forma desenvolvida em
“REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” no capítulo XI, páginas 235 a 258.)
Optou na altura o PCP , em minha opinião bem, por reservar esta questão, pois vivia-se um processo cuja dinâmica exigia prudência e qualquer solução, que os trabalhadores pudessem vir a consolidar, estaria salvaguardada pela questão de princípio que sempre orientou a posição do PCP e que, essa sim, foi reafirmada nas intervenções em análise, que é a do respeito pela vontade dos próprios como consta desde sempre nos seus programas.
Não há por isso qualquer contradição ou falta à verdade quando se afirma:
“Defende que as terras expropriadas sejam entregues aos assalariados agrícolas e aos camponeses pobres, sem terra ou com pouca terra, para serem exploradas em forma de cooperativas, e noutros casos entregues ao Estado para serem exploradas em grandes herdades estatais.”
“O PCP defende que a reforma agrária se faça com a participação activa dos assalariados agrícolas e dos pequenos e médios camponeses e de acordo com a sua vontade.”
Como foi sublinhado
“o Partido Comunista Português sempre esteve firmemente ao lado daqueles que regam a terra com o seu suor, na luta constante contra o desemprego, por melhores jornas e condições de trabalho”
Foi assim no passado. Assim é no presente. Assim deve continuar a ser no futuro!


