“…CAMARADA!” a magia de uma só palavra…

QUE FAZER?

…CAMARADA!” A magia de uma só palavra…

Os factos de que hoje dou conhecimento, ocorreram precisamente há 47 anos, a 1 de Fevereiro de 1975. São factos que, para evitar leituras perversas, não incluí deliberadamente em “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”…

Faço-o hoje em “O TEU, O MEU, O NOSSO, DOS TRABALHADORES, DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA” porque ele encerra algumas lições políticas que poderão ser úteis para quem sobre eles quiser fazer alguma reflexão.

Faço-o hoje porque, como então, estamos numa situação complexa, difícil, em que, para muit@s, certezas de ontem podem ser incertezas de hoje, em que mesmo os melhores de entre nós podem errar nos seus juízos e avaliações, logo, numa situação que exige muita serenidade e, sobretudo, muita confiança entre TOD@S @S camaradas, pois, estou disso convicto, todas as decisões tomadas, pela Direcção do Partido, certas ou erradas, são sempre tomadas na convicção de que são as decisões melhores para servir o que a todos une, a luta permanente, pelos ideais da LIBERDADE- DEMOCRACIA-SOCIALISMO.

Errar não é crime e até os melhores podem errar…

Como dizia o Camarada Álvaro, mais do que auto-críticas e flagelos na praça pública, o importante é aprender nos erros e não voltar a comete-los.

Por essa razão, mais do que entrar em acusações e disputas entre Camaradas sobre o acerto ou desacerto das decisões tomadas, mais do que as estapafúrdias divisões entre bons e maus comunistas, entre reformistas ou revolucionários, o que se impõe fazer é perceber o profundo significado que a palavra “Camarada!” deve ter para quem se afirma Comunista e, naturalmente, chamar todo o Partido à reflexão necessária, que se impõe fazer sem dramatismos, sem exaltações e muito menos com desesperos que sempre foram maus conselheiros.

Até lá é preciso acabar com todas as actividades fraccionárias e projectos cisionistas…

À Direcção do Partido de tomar em mão a organização da reflexão necessária e urgente que a situação reclama…

O Povo deixou um sinal claro que quer ser governado à esquerda porque como de esquerda lhe foi apresentada a solução da geringonça… as diferentes manipulações mediáticas e institucionais da crise desnecessária, criada por Marcelo e António Costa, penalizou a esquerda consequente e facilitou a maioria absoluta do PS. A nós agora a arte e o engenho para, COM CONFIANÇA, gerir, na nova situação criada, este facto objectivo, para afirmar e alargar o apoio ao projecto/programa alternativo de que dispomos para a sociedade portuguesa.

Há quem subestime as eleições… e a intervenção do Partido nas instituições… Marx e Lenine, e no nosso País o PCP e o Camarada Álvaro Cunhal, que eu saiba não o faziam… mas isto é conversa para outro momento…

Por agora fiquemo-nos pela lealdade, frontalidade e confiança que deve estar sempre presente na relação entre Camaradas. Assim o exige a justa luta que travamos há um século contra a exploração e opressão do nosso Povo, pela LIBERDADE- DEMOCRACIA-SOCIALISMO.

Que a magia da palavra de FRANCISCO MIGUEL a tod@s motive…

força “…CAMARADA!”

Ao Francisco Miguel Duarte. O Camarada “Chico Miguel”. Esse extraordinário Camarada, que, sob o seu corpo franzino e de baixa estatura, albergava o Homem Grande, Revolucionário exemplar, que, por amor à Liberdade, à Democracia, ao nobre ideal comunista de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária, ideal que desde muito jovem abraçou e pelo qual lutou toda a sua vida, sacrificou constantemente a sua própria liberdade, legando-nos um testemunho ímpar de coragem, determinação, coerência e confiança na luta.

Dotado de uma vontade férrea, testada no muro de silêncio com que respondeu às brutais torturas que lhe foram infligidas nas prisões fascistas, tentativa vã de o levar a denunciar os seus camaradas e as actividades do Partido, o “Chico Miguel” foi, continua a ser, para mim, no fundamental, um exemplo do que é um Comunista. Humanista, modesto, de uma lealdade a toda a prova. Revolucionário, sempre.

“Eu não estou velho, o que tenho é muitos anos de experiência”. Resposta pronta e firme à camarada que na Soeiro Pereira Gomes fez o comentário “Ai o camarada Chico está tão velhote”.

Tinha então ultrapassado os 80 anos. Um Revolucionário não envelhece, acumula anos de experiência e de conhecimento. Um Revolucionário como o “Chico” nunca se esquece. A história que se segue foi o princípio de uma longa, profícua e sã camaradagem que duraria até ao último dia da sua vida.

“…CAMARADA!” a magia de uma só palavra…

Quando o “António” (pseudónimo da clandestinidade, do por nós batizado “o Bigodes”, de nome real Edgar Correia, então responsável pela organização do Partido em Beja, me convocou para ir ao Centro de Trabalho reunir com um dirigente do Partido, longe de mim estava a ideia de que quem desejava falar comigo era, nada mais, nada menos, que Francisco Miguel. Um histórico membro do Comité Central. Um mito vivo da resistência, da luta pela liberdade e pela democracia. 22 anos passados nas cadeias fascistas. Quase tantos quantos eu tinha então de vida. Testemunho vivo da coragem e da capacidade de um ser humano resistir às mais bárbaras torturas físicas a que recorriam os mais refinados torcionários da tenebrosa polícia política de Salazar, a famigerada e de triste memória PIDE/DGS.

Em vésperas da manifestação distrital que ia ter lugar no dia seguinte, 2 de Fevereiro de 1975, frente às piscinas, em Beja, promovida pelo Sindicato a que então presidia, manifestação aprovada na célebre Assembleia Distrital de Delegados Sindicais de 26 de Janeiro, a oito dias do 1º Encontro dos Trabalhadores Agrícolas do Sul que iria ter lugar em Évora, por iniciativa do Partido, depressa a surpresa deu lugar a uma secreta e enorme satisfação.

A presença do “Chico Miguel” e a sua disponibilidade e vontade de comigo falar não podia significar outra coisa que não fosse o seu apoio à nossa luta. Decerto que iríamos falar sobre a manifestação, a intervenção e a declaração construída no Partido, que nela pensávamos aprovar, bem como sobre a histórica decisão de “Dar início à Reforma Agrária”, entusiasticamente aprovada seis dias antes na Sociedade Capricho Bejense e aclamada sob a velha consigna do PCP “A TERRA A QUEM A TRABALHA”.

Feitos os cumprimentos da praxe, instalados frente a frente na pequena sala de trabalho do “António” e com a presença deste, depressa compreendi que era de Reforma Agrária que íamos falar.

Aliás, a primeira questão, não podia ser colocada de forma mais directa e precisa, nem deixar qualquer margem para dúvidas.

“Camarada. Tu sabes o que é a Reforma Agrária?” Foi desta forma incisiva e num tom particularmente sério que o Chico iniciou a conversa. Surpreso pela forma e pelo tom, mas tranquilo, lá respondi, com alguma timidez, que “sim”. Que era um dos pontos mais importantes do Programa do Partido, um pilar da revolução democrática e nacional e que consistia na liquidação do latifúndio e na entrega da terra a quem a trabalha.

Palavras não eram ditas e já a segunda pergunta me era colocada, no mesmo tom sério e incisivo. “E tu sabes, camarada, como se faz a Reforma Agrária?” Mais uma vez, mas com crescente surpresa, lá respondi que sim. Que era através de uma lei que expropriaria os latifúndios e que determinaria as condições da entrega das terras expropriadas aos trabalhadores e aos pequenos agricultores.

“E tu sabes, camarada, quem faz e aplica essa lei?” Foi a pergunta que se seguiu no imediato. Atónito, perante o silêncio do “António”, sem compreender muito bem onde o “Chico” queria chegar, lá dei a minha resposta, ou seja, “quem faz e aplica a lei é o governo”.

Ainda a palavra governo ecoava no ar e já o “Chico” me bombardeava com nova pergunta. Nada mais, nada menos, que: “E tu achas, camarada, que vocês são governo para decidir dar início à reforma agrária e fazer o que andam a fazer?”

Olhei de forma interrogativa para o “António” mas o seu mutismo depressa me fez compreender que era a mim que cabia responder. A crítica, essa, não podia ser mais evidente. Não compreendi a razão de tal crítica. Muito menos a aceitei. Senti que crescia em mim a revolta. Afinal, todas as acções que vínhamos desenvolvendo, desde a 1ª ocupação do Monte do Outeiro com 775 hectares, a 10 de Dezembro de 1974, às ocupações que se lhe seguiram, Corte Condença- 1520 hectares em Quintos, Herdade da Caiada-1600 hectares em Srª da Graça dos Padrões, Insuínha-900 hectares em Pedrógão, Medinas-293 hectares, Vale Gonçalinho-250 hectares em Entradas, Assentos e anexas-hectares em Cuba, Donas Marias-1375 hectares em Santo Aleixo da Restauração, Quintinhas e anexas-1630 hectares em Odivelas, até à histórica decisão de “Dar início à Reforma Agrária”, tomada com indescritível entusiasmo na Assembleia Distrital de Delegados do Sindicato, a 26 de Janeiro de 1975, tudo, mas tudo, havia sido colocado e minuciosamente discutido e considerado com os principais responsáveis pela direcção política do Partido em Beja.

Primeiro entre nós, os comunistas que integrávamos a direcção do Sindicato e de quem, efectivamente, partiu sempre a iniciativa. Depois com os responsáveis pelo acompanhamento do trabalho do Partido no distrito, o Edgar Correia e o João Honrado a quem cabia, naturalmente, a função de informar e ouvir os organismos superiores sobre as propostas e decisões que íamos tomando. Podia não haver unanimidade de pensamento em relação ao caminho que vínhamos trilhando, sentimo-lo bem em diferentes momentos nas hesitações do camarada da direcção do sindicato que era membro da Direcção da Organização Regional do Alentejo do Partido, de que era responsável o camarada António Gervásio, membro da Comissão Política do Comité Central, mas a verdade é que em momento algum veio da Direcção do Partido qualquer orientação em sentido contrário. O que fazíamos estava estampado e valorizado nas páginas do jornal “O Camponês”. Páginas que eram redigidas pelos camaradas mais responsáveis no distrito, o “António” e o João Honrado, e cujo Diretor era o próprio camarada António Gervásio.

Podia ter evocado tudo isso. Devia talvez ter começado por aí. Mas não foi com isto que confrontei o Chico. Confrontei-o, isso sim, com a acção reaccionária do latifundiário e assumido fascista José Gomes Palma. Com a arrogância e prepotência deste. Com o incumprimento dos contratos assinados, primeiro para o concelho de Beja e depois para o distrito. Com o não pagamento dos salários. Com o despedimento colectivo dos trabalhadores que tinha ao seu serviço. Com a sua assumida sabotagem à produção. Com o exemplo de todos os outros que teimavam em não aceitar Abril. Que sabotavam o processo produtivo. Que sonhavam com o regresso ao passado. Passado que ele, “Chico”, melhor que ninguém conhecia e com o qual em momento algum se conformara ou pactuara…

Lembrei-lhe as sucessivas exposições dirigidas pelo Sindicato ao governo a denunciar as situações graves que vivíamos no distrito e a falta de uma resposta pronta e firme para lhes fazer face. Fi-lo de forma emotiva e exaltada pois achei a sua critica injusta e desajustada.

Perguntei-lhe como reagiria ele, Francisco Miguel, dirigente do Partido, lutador incansável contra o fascismo, se fosse ele a ter que responder à situação. Baixava os braços e aguardava uma intervenção do governo que nunca mais vinha? Deixava as mãos livres a gente assumidamente fascista como o era José Gomes Palma? Ou assumia o risco, tal como nós o havíamos feito? Afinal, era a democracia e a própria Liberdade que estavam em jogo.

Atrapalhou-se o Chico. Ele sabia que nós tínhamos razão. Mas também sabia, tal como nós sabíamos, porque o havíamos considerado, que a decisão de “Dar início à Reforma Agrária” tinha sido uma decisão arriscada, uma decisão que poderia ter provocado uma onda repressiva e de instabilidade política quer no seio do governo quer entre os militares, num momento em que a orientação principal do Partido era a consolidação das liberdades fundamentais havia tão pouco tempo conquistadas. Era a defesa e consolidação de um regime democrático, no quadro do qual a realização de uma reforma agrária era condição.

Era igualmente o risco da nossa acção ser interpretada como uma violação da palavra dada pelo Partido, Partido de uma só palavra.

Seguiu-se um embaraçoso silêncio. Estático e impassível o “António”. Expectante eu. Sério, mas sobretudo surpreso, o “Chico”. Não esperava a minha explosiva reação e, claramente, estava sem saber o que me responder.

Ainda hoje vejo o Chico levantar-se lentamente, por detrás da secretária a que estava sentado. Olhos fixos nos meus. Braço direito erguido. Indicador bem próximo de mim. E a resposta inesquecível.

“Olha CAMARADA!… Sabes o que tu és?… Sabes?… O que tu és… é um grande MRPP”.

Vieram-me as lágrimas aos olhos. Tristeza e revolta misturadas. Levantei-me e saí. No bolso a intervenção que com entusiasmo havia escrito para a manifestação que iria ter lugar no dia seguinte e que se esperava grandiosa, como o foi. Deixar tudo. Sindicato e Partido. Regressar à terra que então trabalhava. Naquele momento era o meu único pensamento.

Foi mais forte, e sobrepôs-se a tudo o resto, aquele “Olha CAMARADA.” Afinal era como CAMARADA que era considerado por aquele que, para mim, então jovem e inexperiente Comunista, era há muito um mítico Herói da resistência anti-fascista, da luta pela Liberdade e a Democracia.

No dia seguinte, os milhares de trabalhadores em Beja. 40 mil, segundo a imprensa. A maior concentração de sempre. O grito uníssono: AVANTE COM A REFORMA AGRÁRIA – A TERRA A QUEM A TRABALHA.

No final, o abraço… forte, sincero, fraterno, solidário, amigo, daquele Homem franzino, mas de bem temperado e inquebrável aço. A alegria estampada no rosto e as palavras simples, que para sempre me marcaram, que tudo diziam e que selaram uma indestrutível e fraterna amizade: “Então, CAMARADA, no próximo Domingo lá nos encontramos em Évora”.

Lá nos encontrámos. Fui relator da experiência das ocupações no distrito de Beja. Ocupações que a Conferência consagrou como importante e inovadora forma de luta.

A Reforma Agrária estava na ordem do dia. Assim o afirmaria Álvaro Cunhal no seu discurso de encerramento da Conferência, lançando a marcha imparável para uma etapa superior, que iria conduzir à concretização da mesma, ao seu reconhecimento pela Lei e posterior consagração, sem votos contra, na Constituição da República Portuguesa.

A palavra a Álvaro Cunhal, Secretário Geral do PCP:

Camaradas:

(…)

A Reforma Agrária surge natural como a própria vida, aparece como resultado da necessidade objectiva de resolver o problema do emprego e da produção, como solução indispensável e única.

Os latifúndios têm sido e são a miséria, o atraso e a morte. A entrega da terra a quem a trabalha significa a própria vida, vida para os trabalhadores desempregados e seus filhos, vida para a agricultura abandonada, sabotada pelos grandes agrários e pelos grandes capitalistas.

VIVEMOS UM MOMENTO HISTÓRICO NOS CAMPOS DO SUL. PELAS MÃOS DOS TRABALHADORES, A REFORMA AGRÁRIA DEU OS PRIMEIROS PASSOS.

(…)

Na sua luta abnegada e heróica, os trabalhadores agrícolas do Sul, como todos os trabalhadores portugueses, poderão contar sempre, nas horas boas e nas horas más, com o Partido Comunista Português.”

Assim foi…nas horas boas do avanço tumultuoso, criativo e exaltante da Revolução de Abril e nas horas más da “Contra Reforma Agrária – terror, destruição e morte no Alentejo”, que conduziu ao criminoso assassínio da mais bela das Conquistas de Abril…

O PCP tem razões de sobra para se orgulhar do seu papel na luta pela “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” mas não deverá ter menor orgulho pelo seu papel insubstituível e determinante na resistência e luta em sua defesa…PELA LIBERDADE – DEMOCRACIA – SOCIALISMO.

Assim foi com a profunda e fraterna amizade que me ligou para sempre ao Camarada Francisco Miguel, até ao momento da sua partida…

CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo

A verdade e a falsificação da História…

AS DUAS INTERVENÇÕES… (5ªParte)

Proferidas a 15 e 18 de Julho de 1975, já com mais de 120 mil hectares na posse dos trabalhadores, como informa António Gervásio, e com a legislação sobre a Reforma Agrária a aguardar promulgação desde 27 de Junho de 1975, (como confirmam os telegramas trocados a 24.7.1975 entre o Conselho Regional da Reforma Agrária de Beja e o Ministério da Agricultura de Fernando Oliveira Batista, ver páginas 211 e 212 de “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”) as intervenções proferidas por António Gervásio e Francisco Miguel, na Assembleia Constituinte, revestem-se de especial significado no contesto das “Notas e Reflexões” sobre a “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo.

Elas demonstram, por antecipação, algumas das teses e falsidades dos adversários e inimigos da REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo, que ainda hoje há quem queira fazer passar por verdades.

Justificando e clarificando o pensamento dos Comunistas em relação À Reforma Agrária, as intervenções proferidas traduzem o conhecimento profundo da realidade que se vivia nos campos, não só no Alentejo mas no todo Nacional, exprimindo, sem retóricas desnecessárias nem ardilosas e eloquentes oratórias, as propostas avançadas pelo PCP, no seu projecto Constitucional. Elas não deixam margem para dúvidas e muito menos espaço para as especulações e os alarmismos que vinham sendo fomentados e se viriam a intensificar, sobretudo, no Centro e Norte do País, contra a ameaça do “papão comunista” que tudo ameaçava, tudo queria ocupar e estatizar, como já estaria a acontecer no Alentejo e Sul do Ribatejo.

Como afirmou António Gervásio “A reforma agrária faz parte dos objectivos e da luta do, meu Partido ao longo dos anos da ditadura fascista. (…) consagrada no programa do meu Partido aprovado em 1965.” sublinhando, mais adiante,

o conteúdo, claro e de profundo significado, do inscrito no artigo 8.º, alínea b) do projecto de Constituição apresentado pelo PCP, onde se pode ler: «realizar reforma agrária pela expropriação do latifúndio e das grandes explorações capitalistas segundo o princípio a terra a quem a trabalha, respeitando a pequena e média propriedade da terra»

E noutro passo da sua intervenção: “Na zona da pequena e média propriedade a reforma não passa pela expropriação do pequeno e médio campesinato. Aí a reforma agrária não consiste em tirar a terra, mas, ao contrário, dar-se terra a quem tem pouca ou não tem nenhuma e dar ajuda financeira e técnica.A reforma agrária não tira a terra aos pequenos e aos médios camponeses, como a reacção propaga aos quatro vento

O respeito pela pequena e média propriedade, a defesa dos interesses e a necessidade de apoio do Estado aos seus detentores é, aliás, uma proposta bem sublinhada e repetida nas duas intervenções.

Não é o facto de se poder ter verificado um ou outro caso isolado, como resulta claro do trabalho da Comissão de Análise, criada pelo Ministro Lopes Cardoso, para avaliar as tão badaladas “ocupações selvagens” de pequenas e médias explorações, que não teriam cabimento face à legislação em vigor, situações que tanto o PCP, como os Sindicatos Agrícolas não só contrariaram, como manifestaram sempre total disponibilidade para intervir no sentido de proceder à sua correcção, que pode ser invocado, pelos seus inimigos e detractores, para justificar o crime do assassínio da REFORMA AGRÁRIA e o desenvolvimento da “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo e Sul do Ribatejo.

As intervenções proferidas não deixaram dúvidas sobre o significado nefasto da economia latifundiária, ainda prevalecente na sociedade portuguesa em 1974, o seu peso e a sua responsabilidade no atraso e subdesenvolvimento da agricultura nacional, nas condições de exploração e negação de direitos fundamentais a quem a terra trabalhava mas dela dificilmente tirava o sustento.

Como foi afirmado:

Somos um Portugal atrasado, porque sempre no nosso país predominou a grande propriedade. Isto aconteceu no nosso país, acontece e tem acontecido em todos os países. Não há nenhum país onde a grande propriedade agrária latifundiária predominou que fosse desenvolvido. Era atrasada a Rússia dos czares, eram atrasados os países balcânicos, antes da revolução socialista. Era atrasada a Polónia, são atrasados os países do Próximo Oriente onde predomina a grande propriedade agrária, de raiz, feudal, é atrasado o Sul da Itália, a Espanha, Portugal, o Brasil; todos os países onde predomina a grande propriedade agrária latifundiária.

ao sul, temos o grande latifúndio com muitas centenas e milhares de hectares de terra de um só senhor ou de uma só família. Ao norte, temos a pequena e muito pequena propriedade (…)

3 % do total das explorações agrícolas, ou seja, 2600, têm mais terra do que 780 000 explorações,mais terra do que 97% do total dessas explorações agrícolas!No Sul de Portugal estão situadas as maiores herdades da Europa capitalista, como, por exemplo, as herdades de Palma (16 000 ha), Comporta (29 000 ha), Rio Frio (17 000 ha), Machados (6000 ha), Companhia das Lezírias (mais de 30 000 ha), Casa Cadaval (15 000 ha), etc., e muitas outras, na sua maioria incultas ou mal aproveitadas. Na opinião do PCP não haverá em Portugal uma só reforma agrária, mas, digamos, duas reformas agrárias.Na zona da grande propriedade a reforma agrária passa pela expropriação dos latifundiários e das grandes explorações agrícolas capitalistas.”

No concelho de Cuba, segundo o estudo invocado por Francisco Miguel, que Henrique de Barros assumiria como participante no mesmo, em “700 proprietários, 11 tinham mais de metade da terra da freguesia e, entre eles, três eram predominantes – entre estes 11. Uma propriedade, nesta freguesia, com 2 ha, pagava então 75$ de imposto por hectare. E, na mesma freguesia, uma propriedade com 800 ha, terras da mesma qualidade e porventura mais produtivas, pagava 8S por hectare.”o que, para além da concentração da terra nas mãos de meia dúzia de famílias, põe em evidência o protecionismo do regime fascistas em relação à grande propriedade latifundiária em termos de política tributária.

Por outro lado, como o demonstram as transcrições que se seguem, ele põe em evidência a natureza parasitária do modelo de economia latifundiária e a necessidade de lhe pôr cobro:

o absentismo significa que uma grande parte do valor criado pelos camponeses com o seu trabalho vai, em forma de renda, para um sector puramente parasita, que até do ponto de vista capitalista não interessaria”

há uma contradição profunda entre os interesses do grande latifundiário absentista e o próprio empresário agricultor, que cultiva a terra, mesmo que ele seja capitalista.”

o empresário capitalista que não fazia investimentos porque a terra não era sua” “se fizesse investimentos, se melhorasse a terra e a tornasse mais produtiva,” “a renda era aumentada. Resultado: o dono da terra, latifundiário, cujos direitos através da história têm, sido conhecidos, não faz investimentos; o empresário, ou porque é pequeno ou porque é capitalista não dono da terra, não os faz também. O atraso da nossa agricultura tem esta raiz – um atraso técnico e geral.”

temos de reconhecer que o predomínio da propriedade latifundiária tem sido um grande factor do nosso atraso geral, porque, efectivamente, empobrecendo a massa camponesa que trabalha nos campos, não lhe dando poder de compra, é uma cadeia que não se move. E, por isso, a reforma agrária será o primeiro elo da cadeia do nosso desenvolvimento geral”

Se no nosso país, em 1834, na altura dos liberais, se tivesse feito uma reforma agrária, na altura em que se terminou com as propriedades de mão morta pelas leis desse ministro, progressivo no seu tempo, Mouzinho da Silveira, ou se, mesmo em 5 de Outubro, a revolução que implantou a República tivesse feito a reforma agrária, muito diferente seria hoje o nosso país. Seríamos muito mais desenvolvidos. Mais ainda, em 5 de Outubro o rei perdeu a coroa, mas não perdeu um palmo das suas vastas propriedades! A reforma agrária, de que o País já precisava, não foi feita”

Por terra caiem, igualmente, as teses que as propostas de Reforma Agrária do PCP não passavam de propostas de expropriação e nacionalização da terra. Também aqui as intervenções proferidas não deixam margem para dúvidas quanto à grosseira falsidade de tais afirmações. Como foi afirmado:

a reforma agrária não consiste apenas na expropriação dos grandes latifundiários e entregar a terra a quem a trabalha. A reforma agrária consiste igualmente na ajuda do Estado às novas cooperativas e explorações agrícolas, aos pequenos e médios camponeses, concedendo créditos em condições favoráveis, fornecendo máquinas agrícolas, sementes, gados, adubos, pesticidas; acabando com formas feudais de exploração, como foros, parcerias e outros; perdoar as dívidas usurárias dos camponeses pobres; alargar as isenções de impostos ao campesinato pobre, estabelecendo um sistema progressivo de contribuição predial rústica segundo o princípio «paga mais quem mais tiver». A reforma agrária consiste também no fomento de parques de tractores e máquinas agrícolas, construção de silos, adegas, lagares, barragens, electrificação rural, construção de estradas, construção de escolas e institutos e formação de milhares de especialistas agrícolas. Consiste na formação de cooperativas de comercialização que assegurem em condições eficazes a compra dos produtos agrícolas por preços compensadores e o fornecimento à agricultura dos produtos necessários.”

Igualmente importante é a clarificação e precisão da posição do PCP acerca da política de indemnizações avançada no seu projecto de Constituição no

Artigo 22º, n.º 2

(…) a lei poderá determinar que a expropriação dos latifúndios e dos grandes proprietários, empresários e accionistas não dê lugar a qualquer indemnização.” que diferencia o seu projecto de todos os outros.

Ambas as intervenções defendem explicitamente que as expropriações dos latifúndios e das grandes explorações agrícolas capitalistas sejam levadas a cabo sem indemnização”.

Como esclareceria Francisco Miguel “uns, em consideração aos direitos da propriedade, entendem que os latifundiários devem ser indemnizados. Nós, por exemplo, entendemos que não devem ser indemnizados. Talvez fosse mais justo pôr até o problema: se durante muitos anos, ilegitimamente, exploraram a massa camponesa do nosso país, seria justo e razoável que ainda tivessem que pagar alguma coisa além de perderem as terras.” “e se, no conjunto, esta Assembleia não quiser ir tão longe que tenha, pelo menos, a decisão de dizer que a propriedade latifundiária vai desaparecer e as terras vão ser para o nosso país, para o nosso povo que trabalha a terra – a terra a quem a trabalha, efectivamente -, os que até agora beneficiaram dessa injustiça para com os camponeses deixem de receber rendas e lucros a que realmente não têm direito”.

Os Decretos emanados do IV Governo Provisório, ao admitirem o direito à indemnização pelas expropriações de acordo com a lei, que nenhum governo após o 25 de Novembro fez questão de cumprir, porque destruir a Reforma Agrária é que era o seu objectivo estratégico, deixam clara a falsidade dos que, escamoteando as suas responsabilidades nos governos provisórios, onde até eram maioria, procuram fazer crer que nada tiveram a ver com os Decretos referidos e considerados como “as leis da Reforma Agrária”.

Uma última mas muito pertinente observação, porque associada às falsidades sobre a posição do PCP em matéria do modelo defendido para a exploração das terras expropriadas, é a ausência de referência às Unidades Colectivas de Produção Agrícola – UCP.s.

Desde logo chamar a atenção que, à data das intervenções, não se podia falar em UCP pois, estas não correspondiam a qualquer dos modelos conhecidos no mundo, viriam a ser uma das especificidades da Reforma Agrária Portuguesa, e a primeira, a Vanguarda do Alentejo, só viria a ser constituída a 17 de Outubro de 1975, razão pela qual também não podiam constar no projecto de Constituição apresentado pelo PCP.

O que poderia ter sido introduzido num dos discursos, quando muito, era o conceito de “Herdade Colectiva”, na medida em que já fora introduzido no memorando, entregue por uma delegação constituída por António Gervásio, Diniz Miranda, Américo Leal e Joaquim Velez, a 12 de Junho de 1975, ao Ministro da Agricultura, Fernando Oliveira Batista, como um “de 3 tiposprincipais de unidades de produção a instalar nas terras expropriadas do Sul” sendo os outros dois as “Herdades do Estado” e as “Cooperativas de produção”. (Questão tratada de forma desenvolvida em

“REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” no capítulo XI, páginas 235 a 258.)

Optou na altura o PCP , em minha opinião bem, por reservar esta questão, pois vivia-se um processo cuja dinâmica exigia prudência e qualquer solução, que os trabalhadores pudessem vir a consolidar, estaria salvaguardada pela questão de princípio que sempre orientou a posição do PCP e que, essa sim, foi reafirmada nas intervenções em análise, que é a do respeito pela vontade dos próprios como consta desde sempre nos seus programas.

Não há por isso qualquer contradição ou falta à verdade quando se afirma:

Defende que as terras expropriadas sejam entregues aos assalariados agrícolas e aos camponeses pobres, sem terra ou com pouca terra, para serem exploradas em forma de cooperativas, e noutros casos entregues ao Estado para serem exploradas em grandes herdades estatais.”

O PCP defende que a reforma agrária se faça com a participação activa dos assalariados agrícolas e dos pequenos e médios camponeses e de acordo com a sua vontade.”

Como foi sublinhado

o Partido Comunista Português sempre esteve firmemente ao lado daqueles que regam a terra com o seu suor, na luta constante contra o desemprego, por melhores jornas e condições de trabalho”

Foi assim no passado. Assim é no presente. Assim deve continuar a ser no futuro!

“CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo

A verdade e a falsificação da História…

FRANCISCO MIGUEL (4ª Parte)

“o Deputado Sr. Francisco Miguel. Não deseja ir à tribuna, Sr. Deputado?

O Sr. Francisco Miguel (PCP): – Com certeza, Sr. Presidente.

Pausa.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: É meu convencimento de que esta Assembleia Constituinte deverá elaborar uma Constituição, que será tanto mais ajustada aos interesses e ás esperanças do povo português, quanto melhor e mais profundamente debater os problemas do nosso país. É naturalmente para conhecer e para ajudar a conhecer estes problemas que vim a esta tribuna. Não pretendo, naturalmente, abordar e analisar todos os problemas, todos os conflitos que a nossa sociedade apresente à nossa vida, social do País. Por exemplo, não vou analisar detalhadamente o conflito real entre a liberdade concreta de não se ser explorado, que só existe nos países onde existe o socialismo, e a liberdade concreta. também de explorar, sob qualquer forma, que é existente nos países capitalistas. Existe e existirá, enquanto predominar esse sistema. Não me ocuparei também da contradição entre um Estado nas mãos da burguesia e ao seu serviço e o Estado nas mãos do povo para realizar os seus objectivos. Não me ocuparei tampouco ainda da contradição teórica e prática de uma liberdade para frequentar as Universidades, direito ao ensino e a impossibilidade material de os filhos dos trabalhadores frequentarem as Universidades. Enquanto os trabalhadores não tiverem condições materiais para frequentar as Universidades, as portas das escolas não estão abertas para o nosso povo. A própria escola primária não é hoje frequentada por todas as crianças na idade própria. Quero analisar, apenas, um problema importante que tem moldado toda a vida do nosso país através da nossa história: é o problema da reforma agrária. Somos o País mais atrasado da Europa do ponto de vista material, e só depois do 25 de Abril fomos, na Europa Ocidental, o mais adiantado do ponto de vista político nalguns pontos. Somos um Portugal atrasado, porque sempre no nosso país predominou a grande propriedade. Isto aconteceu no nosso país, acontece e tem acontecido em todos os países. Não há nenhum país onde a grande propriedade agrária latifundiária predominou que fosse desenvolvido. Era atrasada a Rússia dos czares, eram atrasados os países balcânicos, antes da revolução socialista. Era atrasada a Polónia, são atrasados os países do Próximo Oriente onde predomina a grande propriedade agrária, de raiz, feudal, é atrasado o Sul da Itália, a Espanha, Portugal, o Brasil; todos os países onde predomina a grande propriedade agrária latifundiária. A grande propriedade agrária latifundiária significa implicitamente a exploração intensa das massas camponesas, significa a existência do absentismo com as suas contradições profundas. E, logicamente e inevitavelmente, uma situação destas não permite o desenvolvimento de um país. Quando, por virtude do domínio ou predomínio da grande propriedade agrária, metade da população do nosso país, quase metade em 1934, tinha e tem um nível baixíssimo de vida, um poder de compra reduzidíssimo, este povo sem poder de compra não pode ser» desenvolvido e não é um mercado que estimule o desenvolvimento económico geral. Estou a recordar um inquérito feito à freguesia de Cuba, em 1934, sob a direcção do professor Lima Bastos, inquérito bem feito, onde se vê as muitas contradições e a essência da grande propriedade. Aí se diz, por exemplo, se não me falha a memória, que de 700 proprietários, 11 tinham mais de metade da terra de freguesia e, entre eles, três eram predominantes – entre estes 11. Uma propriedade, nesta freguesia, com 2 ha, pagava então 75$ de imposto por hectare. E, na mesma freguesia, uma propriedade com 800 ha, terras da mesma qualidade e porventura mais produtivas, pagava 8S por hectare. A existência do latifúndio entrava o desenvolvimento e atira para cima dos pequenos e médios produtores e pequenos proprietários. a carga tributária e todas as desvantagens que, para favorecer os interesses dos latifundiários, assim é determinado pelos governos. O nosso país, concretamente, sempre orientou a sua política, em relação à agricultura, de acordo com os interesses dos grandes latifundiários e com desvantagem e em prejuízo dos pequenos e médios produtores. Por isso, a reforma agrária é fundamental nas regiões do nosso país onde predomina a grande propriedade, e é também a libertação dos pequenos e médios proprietários; onde quer que eles estejam no território português.

A grande propriedade agrária dá lugar ao absentismo. O absentismo é as pessoas viverem das rendas das terras que muitas vezes nem pisam e estão afastadas da produção. A existência do absentismo significa que uma grande parte do valor criado pelos camponeses com o seu trabalho vai, em forma de renda, para um sector puramente parasita, que até do ponto de vista capitalista não interessaria. Porque leva essa grande massa de valor em forma de renda para os absentistas e grandes proprietários, fica a agricultura sem os recursos para se desenvolver, para investimentos, fica empobrecida. Mais ainda, é que há uma contradição profunda entre os interesses do grande latifundiário absentista e o próprio empresário agricultor, que cultiva a terra, mesmo que ele seja capitalista. Conheço directamente essas situações, em que o dono da terra não fazia investimentos porque só se interessava pela renda. Houve um empresário capitalista que não fazia investimentos porque a terra não era sua; se fizesse os investimentos não teria tempo para tirar deles todo o proveito, e o que lhe aconteceria, dito por pessoas que eu vi, se fizesse investimentos, se melhorasse a terra e a tornasse mais produtiva, o resultado seria que terminado este contrato, que tinha por dez anos, e que estava quase a terminar, a renda era aumentada. Resultado: o dono da terra, latifundiário, cujos direitos através da história têm, sido conhecidos, não faz investimentos; o empresário, ou porque é pequeno ou porque é capitalista não dono da terra, não os faz também. O atraso da nossa agricultura tem esta raiz – um atraso técnico e geral. Somos o País com a mais baixa produtividade na agricultura. Suponho que não estou errado ao dizer que a média da produção de trigo, no nosso país, anda por 10 q por hectare e suponho, também, que em França a média é de 24 q por hectare. Vejamos o que resulta daqui através de dezenas e centenas de anos com estas diferenças. Como é que o nosso país podia ser desenvolvido com estas relações de propriedade? Nestas condições, temos de reconhecer que o predomínio da propriedade latifundiária tem sido um grande factor do nosso atraso geral, porque, efectivamente, empobrecendo a massa camponesa que trabalha nos campos, não lhe dando poder de compra, é uma cadeia que não se move. E, por isso, a reforma agrária será o primeiro elo da cadeia do nosso desenvolvimento geral. Se não tivermos coragem para fazer uma reforma agrária profunda, não servimos o progresso do nosso país. É esta a realidade, é assim que nós devemos ver estes problemas, e é por isso que julgo que é pertinente, nesta Assembleia, quando vamos elaborar uma Constituição, pôr este problema assim, porque a Constituição deve dizer o que é necessário que se diga a respeito deste problema, e não ser de modo a travar a reforma agrária, mas abrir-lhe as possibilidades para que ela vá até às suas últimas consequências. Se no nosso país, em 1834, na altura dos liberais, se tivesse feito uma reforma agrária, na altura em que se terminou com as propriedades de mão morta pelas leis desse ministro, progressivo no seu tempo, Mouzinho da Silveira, ou se, mesmo em 5 de Outubro, a revolução que implantou a República tivesse feito a reforma agrária, muito diferente seria hoje o nosso país. Seríamos muito mais desenvolvidos. Mais ainda, em 5 de Outubro o rei perdeu a coroa, mas não perdeu um palmo das suas vastas propriedades! Isto é, o latifúndio não foi atacado. E porquê? Porque a reacção de então ainda foi mais forte que as forças progressistas! A reforma agrária, de que o País já precisava, não foi feita. Por isso, não sendo a terra tirada aos latifundiários, não se criou a força dinâmica, economicamente progressista, para desenvolver a nossa economia, a nossa riqueza, e não se criou o estrato social que politicamente havia de ter defendido a República. Ficou tudo como dantes, e ficou a predominar a reacção agrária. E, por isso, a reacção depois teve o seu papel na ditadura fascista que conhecemos.

Srs. Deputados: eu penso que, para desembaraçar o nosso país destas dificuldades, é necessário realizar, sem hesitações, uma reforma agrária que liberte o nosso país destas dificuldades, E os partidos aqui representados -nenhum dos quais quer ser o menos combativo pelo socialismo! – devem estar dispostos a dar a sua contribuição para que se faça realmente a reforma agrária de que precisamos.

Que interesses vão ser tocados? Talvez de mil e oitocentos grandes agrários. Em contrapartida, toda a massa camponesa do nosso país, todo o nosso povo, será beneficiado por esta reforma agrária! Põe-se agora o problema, por exemplo: se fazemos a reforma agrária, teremos de dar indemnizações aos grandes agrários que vão ficar sem a terra que a lei lhes vai tirar? Há vários critérios: uns, em consideração aos direitos da propriedade, entendem que os latifundiários devem ser indemnizados. Nós, por exemplo, entendemos que não devem ser indemnizados. Talvez fosse mais justo pôr até o problema: se durante muitos anos, ilegitimamente, exploraram a massa camponesa do nosso país, seria justo e razoável que ainda tivessem que pagar alguma coisa além de perderem as terras.

Uma voz: – Muito bem!

O Orador: – É um critério revolucionário que nós defendemos e que é de votar; e se, no conjunto, esta Assembleia não quiser ir tão longe que tenha, pelo menos, a decisão de dizer que a propriedade latifundiária vai desaparecer e as terras vão ser para o nosso país, para o nosso povo que trabalha a terra – a terra a quem a trabalha, efectivamente -, os que até agora beneficiaram dessa injustiça para coro os camponeses deixem de receber rendas e lucros a que realmente não têm direito. Pois a reforma agrária vai-se fazer; a reforma agrária não é, obrigatoriamente, uma reforma para acabar com os pequenos e médios agricultores; é pelo contrário urna. reforma bem própria de um regime democrático, até porque a propriedade agrária latifundiária está em contradição com o próprio sistema. Quando um lavrador que conheci se via obrigado, porque cultivava terras que não eram suas, a dar uma parte da massa do valor que extraía aos trabalhadores ao senhorio da terra, que não fazia nada, esse lavrador; muito gostaria de não ter que pagar essa renda absoluta, muito gostaria de realmente ficar com ela para investir, para criar condições de maior desenvolvimento para a agricultura. Se um tal sistema existisse entre nós, não seríamos o País agrícola – porque não somos industrial -, e agrícola bastante atrasado que somos. Creio, pois, Srs. Deputados, que o plano de reforma agrária não é uma coisa simples, que não tenha implicações profundas em toda a vida do nosso pais. Se queremos, por exemplo, definir o que é uma política nacional, uma política que defenda os interesses da nossa pátria, que traduza aquilo que nós chamamos patriotismo, amor à nossa terra, será derrubando os latifúndios que traduzimos tais sentimentos. Não é defendendo a persistência deste regime de predomínio da grande propriedade agrária que se defende os interesses do País, que se promove o seu progresso. Sempre foi, realmente, a reacção que defendeu esses interesses. Hoje, forças políticas, pessoas ou partidos, que se oponham. à reforma agrária serão, quer queiram ou não, os continuadores desta reacção, em defesa de interesses que nós consideramos ilegítimos. De forma que temos de ver a reforma agrária não apenas como um acto de justiça para com os camponeses (que o é também), mas como um factor decisivo para o desenvolvimento de toda a nossa vida, e mesmo da cultura. Srs. Deputados: Quando, em 1934, num inquérito bastante bem feito, de que ainda me lembro, uma família camponesa, um casal e dois filhos em idade escolar, tinha como receita total média diária 4$40, -1$10 por pessoa -, e a receita era inferior à despesa, o autor do inquérito interrogava-se: – «Onde vão buscar a diferença?» Emprestado? Pois bem, até este caso não traduzia a situação geral dos camponeses, porque esse camponês, citado no inquérito, tinha uma casa de lavradores, que em atenção ao facto de seu pai ter aí trabalhado sempre, desde criança até velho, e que morreu, lhe diziam: – « Quando não tiveres trabalho noutro lado, vem cá, que se arranja alguma coisa.» Eu, por consequência, não estava ainda na situação geral dos camponeses do Alentejo, que não trabalham mais de metade do ano. Porque os camponeses do Alentejo, 80 %, e noutros casos mais, em alguns concelhos, não têm um palmo de terra, porque a terra está toda na mão de meia dúzia de grandes agrários, e por isso não têm trabalho grande parte do dia.

O Sr. Presidente: – O Sr. Deputado desculpe que o interrompa, mas é só para lhe dizer que faltam 2 minutos para o seu tempo. Aliás, estou a ouvi-lo com muito interesse.

O Orador: – Muito obrigado, Sr. Presidente. De forma que, com esta situação, evidentemente, o nosso camponês tem de emigrar. A reforma agrária, Srs. Deputados, terá imediatamente estas incidências: melhorar o nível de vida da massa camponesa, produzir mais para que nós importemos menos e para que tenhamos mais também, terminar com o desemprego crónico no Alentejo e onde o latifúndio predomina. Ajudar a situação dos pequenos e médios produtores e proprietários agrários dentro do País, reduzir e até eliminar a necessidade da emigração. A reforma agrária, Srs. Deputados, é uma necessidade para o nosso país ‘e se, nesta Constituinte, houver hesitações em deixar na Constituição o necessário para que ela se desenvolva até às últimas consequências, em meu entender, não cumpriremos o nosso dever patriótico. O que nós, Partido Comunista, apresentamos no nosso projecto de constituição a este respeito é conhecido por todos os Srs. Deputados. A diferença entre o que nós pensamos, o que nós dizemos e pomos no nosso projecto e aquilo que cada partido que apresentou também o seu projecto possa dizer. Cabe aos Srs. Deputados analisar. Não vale a pena estar aqui a fazer a análise ao que se diz ou não diz em cada projecto sobre a Reforma agrária. Todos nós conhecemos mutuamente o nosso respectivo projecto. O nosso diz o que nós, Partido Comunista, pensamos acerca da reforma agrária.

Aplausos vibrantes de toda a Assembleia.”