HOJE É DIA DE PÃO PORTUGUÊS… DE REVOLUÇÃO DE ABRIL…

HOJE É DIA DE PÃO PORTUGUÊS… DE REVOLUÇÃO DE ABRIL… DE HOMENAGEAR CAMARADAS E AMIG@S, de “O TEU, O MEU, O NOSSO, DOS TRABALHADORES, DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA” NO ALENTEJO E RIBATEJO.

9.2.1975-9.2.2022. Há 47 anos, perante uma multidão de mais de 30 mil trabalhadores, no comício de encerramento da 1ª Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, proclamaria ao País Álvaro Cunhal, Secretário Geral do PCP:

Vivemos um momento histórico nos campos do Sul. Pelas mãos dos trabalhadores, a Reforma Agrária deu os primeiros passos.”

A proclamação, feita após a apresentação, por esse camarada extraordinário, de nome Diniz Miranda, das conclusões que consagravam e apontavam como caminho a inovadora forma de luta da ocupação do latifúndio iniciada no Distrito de Beja, “os primeiros passos” (ler capítulos IV, V e VI de “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” aqui https://wp.me/Pdfece-3D ), , foi o rebentar do dique. Estava lançada a imparável, determinante e vertiginosa marcha pela Reforma Agrária em toda a zona do latifúndio, momento Histórico de afirmação de uma, senão da mais bela de todas as conquistas da Revolução de Abril, “a menina dos olhos da Revolução”.

Bem se pode afirmar, com toda a justiça, que a Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, promovida pelo PCP, a 9.2.1975, foi a CONFERÊNCIA ZERO DA REFORMA AGRÁRIA à qual se seguiram as restantes 12, cujos balanços comprovaram a justeza das orientações então aprovadas.

É tendo presente a simbologia da data que reservei para a mesma esta publicação que titulei de HOJE É DIA DE PÃO PORTUGUÊS… DE REVOLUÇÃO DE ABRIL… DE HOMENAGEAR CAMARADAS E AMIG@S, de “O TEU, O MEU, O NOSSO, DOS TRABALHADORES, DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA” NO ALENTEJO E RIBATEJO.

Porque a Revolução Agrária, realizada no Alentejo e Ribatejo, significou isso mesmo: PÃO PORTUGUÊS. Pão com mais abundância à mesa de quem a terra trabalhava e o pão produzia. Pão que a ditadura fascista, ao serviço de monopólios e latifundiários, negava a milhares de famílias que na miséria viviam, espoliadas dos mais elementares direitos e condições de vida. Famílias que trabalhando de sol a sol, quando trabalho havia, porque muitos eram os meses do ano em que tal não acontecia, não recebiam mais do que o mínimo necessário para reproduzir a sua força de trabalho, que nas “praças de jorna” vendiam, porque sindicatos, esses, mesmo os fascistas, vedados lhes estavam, só Casas do Povo havia e, mesmos estas, quantas vezes inacessíveis.

Pão Português, nascido dos cravos vermelhos do Povo que, associando-se à acção vitoriosa do MFA-Movimento das Forças Armadas, culminar da longa luta de 48 anos contra a ditadura, o golpe vitorioso transformou em Revolução de Abril, abrindo portas abriu à Liberdade plena e, com ela às Conquistas de Abril. Portas que, nos campos mártires do Alentejo e Ribatejo, inconformados e reacionários latifundiários até então dominantes, tentaram fechar, em sucessivas e fracassadas tentativas e manobras associadas ao criminoso e contra revolucionário general Spínola. Criminosa destruição de produção, venda e abate indiscriminada de efetivos pecuários, falsas sementeiras, desmantelamento e venda de máquinas, ameaças e juras de vingança, violação dos acordos assinados com os jovens mas já poderosos sindicatos agrícolas em construção, por iniciativa de comunistas e apoio do PCP e CGTP-Intersindical. Apostaram forte num vale tudo. Perderam. Era tempo de Revolução de Abril e como revolucionários intervieram então então os militares do MFA e o PCP.

Aos jovens Sindicatos coube importante papel na barragem às manobras e sabotagens de latifundiários contra a jovem democracia em construção, que como Democracia Avançada, a caminho do Socialismo, na Constituição da República consagrada seria, mas por cujo respeito e cumprimento, dos grandes Partidos que a votaram, (PS, PSD, CDS e PCP) só o PCP por isso lutaria.

Jovens Sindicatos cujos dirigentes, há 47 anos, na Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, promovida pelo PCP, estariam aprendendo e afirmando e avançando caminhos novos a seguir. Em Liberdade todos agora estavam, mas pelas prisões fascistas muitos haviam passado, pelo crime maior de pão reclamar e a terra querer trabalhar.

Neste dia, e no quadro das comemorações do Centenário em curso, a Tod@s @s que em tão Histórica Conferência participaram, para a História do PCP contribuindo, a minha sincera homenagem.

Homenagem igualmente a Tod@s @s que a “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” apoiaram, defenderam e assumiram como sua, porque sua era, porque para servir o Povo foi feita, Povo eram e o Povo defendiam.

Faço-o hoje através da invocação de dois destacados militantes comunistas, camaradas inesquecíveis, íntegros e leais, que sentiram, viveram e defenderam a Revolução no Alentejo, uma Mulher e um Homem, Júlio Martins e Zillah Branco. Nestas duas figuras presto Homenagem aos milhares de anónimos que sem desfalecimentos trabalharam e contribuíram solidariamente, pelas mais diversas formas, para o avanço e defesa daquela que seria durante muitos anos a “Pedra de Toque” das políticas dos sucessivos governos constitucionais que procurei retratar em “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Ribatejo” acessível através da ligação https://wp.me/Pdfece-rl .

Como Homenagem ao camarada Júlio Martins recorro à partilha integral da sua biografia em boa hora disponibilizada na página “ANTIFASCISTAS DA RESISTÊNCIA” reforçando apenas um facto da maior relevância porque insuficientemente divulgado. Tem a ver com a sua intervenção, que considero crucial em todo o processo da Revolução Agrária, sendo minha convicção, para não dizer certeza, que sem a mesma, pelas ligações diretas que tinha à Direcção Central do Partido, em particular ao camarada Álvaro Cunhal, alguns dos “primeiros passos” dificilmente teriam tido lugar, como lugar não teriam tido as Unidades Colectivas de Produção Agrícola, modelo “sui géneris” da Revolução Agrária Portuguesa, distinto de todos os modelos conhecidos, que Júlio Martins abraçou desde a primeira hora e defendeu junto do camarada Álvaro que, atento à realidade e acompanhando todo o processo desde a primeira hora, defendeu todas as soluções criadas no terreno (UCP.s, Cooperativas, Herdades do Estado ou mesmo partilha de terras se essa fosse a vontade maioritária de quem a terra trabalhava, o que, lembre-se e sublinhe-se, sempre esteve inscrito nos princípios do PCP. A vida comprovou a justeza da defesa dos princípios socialistas consagrados pelas primeiras UCP.s que acabariam por ser adoptados em toda a ZIRA.

A contra-revolução levou à sua criminosa destruição e tudo tem feito e continua a fazer para a apagar da nossa memória colectiva. Que no quadro das comemorações dos 50 anos da Revolução de Abril que se aproximam tenhamos todos isso presente, pois é, a altura oportuna para consagrar na História Homens e Mulheres como Júlio Martins, Zillah Branco e tantos outros e ter presente que os crimes políticos não prescrevem e lembrando ao Povo que é sempre tempo de os julgar.

Em sua Homenagem junto a primeira publicação da CRARA, publicada em Novembro de 1975.

Como Homenagem à camarada Zillah Branco, que desempenhou um importantíssimo papel na CGTP-IN, dinamizando o seu importante Departamento Agrícola, optei pela publicação de alguns documentos por si elaborados para a Comissão Executiva da CGTP-IN cujo extraordinário papel em defesa da Reforma Agrária nem sempre mereceu a merecida atenção.

É ela quem prepara, acompanha e participa mesmo em múltiplas iniciativas internacionais como a Conferência Mundial sobre Reforma Agrária, promovida pela FAO em Roma em Julho de 1979, sendo então portadora de uma exposição da CGTP-IN que seria entregue em mão ao Papa e às delegações de todo o mundo presentes na mesma.

Como ela própria me descreveu: “Levei ao Papa em 1979 um relato, editado pela CGTP, que cobri com uma capa azul celestial, e entreguei em mãos recebendo a benção papal “para os trabalhadores da reforma agrária em Portugal”.  Aquela oferta foi colocada em uma bandeja de prata carregada por um cardeal que o seguia no longo percurso no recinto do Vaticano onde duas mil pessoas, representantes de todos os países que participaram da Conferência Mundial sobre a RA promovida pela FAO em Roma.”.

Conferência em que, contra a maré e pondo de lado os condicionantes protocolos, acabou por proferir a intervenção que disponibilizo como anexo desta publicação.

Tomei conhecimento da documentação que agora publico porque o camarada, e grande amigo de sempre, António Quintas, destacado dirigente dos metalúrgicos e da CGTP-IN, cujas intervenções em defesa da Reforma Agrária dariam só por si para muitas publicações, ao tomar conhecimento que eu havia recomeçado a escrever sobre a “Reforma Agrária-A Revolução no Alentejo, fez-me chegar a documentação que tinha em seu poder sobre a mesma. Documentação muito importante que já digitalizei na sua totalidade e que irei disponibilizar na sua totalidade, através de novas “notas e reflexões” como as que venho publicando no quadro das comemorações do Centésimo aniversário de “O TEU, O MEU, O NOSSO, DOS TRABALHADORES, DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA”.

São também da autoria de Zillah Branco, alguns importantes trabalhos editados pela CRARA- Comissão Revolucionária de Apoio à Reforma Agrária, criada por iniciativa do PCP (Júlio Martins?) que hoje publico. O primeiro valeu-lhe uma pesada retaliação razão pela qual o segundo foi publicado sob pseudónimo.

Zillah Branco, frontal, leal, autêntica como o devem ser todos os comunistas, amigos desde os primórdios da Revolução, foi também a autora, entre muitos outros trabalhos, “ REPORTAGENS SOCIOLÓGICAS NO INTERIOR DA REFORMA AGRÁRIA – uma época de participação transformada em utopia”, obra para a qual me solicitou uma introdução que também hoje publico.

Haverá em todas as publicações pequenos e insignificantes pormenores e precisões, que em nada alterando o que então escrito foi, como escrito foi deve ser divulgado.

FOTO INCLUSA NA PÁGINA ANTIFASCISTAS DA RESISTÊNCIA QUE HOJE TOMO A LIBERDADE DE PARTILHAR

Antifascistas da Resistência

25 de junho de 2016  · 

JÚLIO MARTINS (1926 – 1978)

Engenheiro agrónomo, Júlio Martins dedicou grande parte da sua vida à luta antifascista, passando, entre 1950 e 1969, quando foi libertado pela última vez, mais de doze anos nas prisões fascistas. Sofreu os horrores das torturas da polícia política.

Homem íntegro, militante comunista, sereno na comunicação e corajoso na acção, entregou-se inteiramente à luta pela dignificação da vida dos mais pobres e explorados. Até morrer, aos 52 anos, acreditou sempre numa «sociedade humanizada, em que todos pudessem ser felizes». Depois do 25 de Abril de 1974 empenhou-se, com todo o seu saber técnico e científico, no apoio às estruturas da Reforma Agrária. O Curso de Agronomia fez dele um técnico de excelente qualidade nesse apoio, e a sua capacidade de diálogo enraizou-o no coração dos trabalhadores alentejanos.

«Júlio Martins é daqueles homens que nunca partem. Pela força do legado e do exemplo caminha ao nosso lado» – escreveu-se nos jornais diários do dia do seu enterro. Quisemos com esta biografia recordar um cidadão afinal praticamente esquecido 38 anos depois da sua morte.

1. Filho de Maria Josefina da Conceição Rocha e Silva e de José Martins Pacheco, grande proprietário rural, Júlio da Conceição Silva Martins nasceu em Figueiredo, freguesia de Pinheiro de Bemposta, concelho de Oliveira de Azeméis, em 31 de Julho de 1926. Provavelmente, por influência do irmão José Augusto da Silva Martins, importante quadro do Partido Comunista em finais da década de 30 e anos 40, das irmãs, nomeadamente Armanda Forjaz Lacerda (cuja biografia se encontra aqui) e cunhado, aderiu àquele com apenas 13 anos, quando ainda era estudante liceal.

Até 1945, envolveu-se em actividades no Norte do país e depois, até 1949, enquanto aluno do Instituto Superior de Agronomia, integrou o MUD Juvenil, participou na campanha presidencial de Norton de Matos e envolveu-se no Movimento Nacional Democrático (MND).

A primeira prisão aconteceu aos 23 anos, no dia 24 de Junho de 1950, quando se preparava para distribuir propaganda do MND ( em que se pedia eleições livres, abolição da PIDE, abolição da censura, Paz, ampla amnistia, direito ao trabalho e extinção do Tarrafal), tendo Júlio Martins considerado aquela agremiação justa e legal, seguindo as orientações publicamente defendidas pelo general Norton de Matos. Enviado para o Aljube, onde lhe foi recusada a visita de duas irmãs, e transferido para Caxias em 29 de Agosto, foi libertado ao fim de dois meses e meio, em 4 de Setembro.

Frequentou o Instituto Superior de Agronomia, onde foi colega de Amílcar Cabral, e formou-se com a classificação de 19 valores. Integrado na tropa depois da prisão, concluiu, em 1951, o serviço militar obrigatório na 1.ª Companhia Disciplinar, em Penamacor e, com pouco mais de 20 anos, foi um dos dirigentes do Movimento Nacional Democrático, tendo integrado a sua Comissão Central desde meados de 1954 (João Madeira). Foi o responsável “pelo aparelho de agitação” e “pelo controlo das Distritais de Lisboa, Beja e Algarve” (João Madeira).

Foi já como funcionário clandestino do Partido Comunista que, em 8 de Novembro de 1955, foi novamente detido e enviado para o Aljube ou para Caxias, consoante as circunstâncias, já que era naquele que cumpria os castigos em cela disciplinar aplicados pelo Director do Forte de Caxias. Julgado em 26 de Julho de 1956 e condenado a 2 anos e 15 dias de prisão maior, entrou no Forte de Peniche em 16 de Março do ano seguinte, de onde só sairia em liberdade condicional em 17 de Dezembro de 1959, depois de ter iniciado em 6 de Julho de 1958 o cumprimento de medidas de segurança. Nesse período, interveio na organização partidária prisional e, liberto, regressou à militância clandestina.

Em Fevereiro de 1961 foi-lhe revogada a liberdade condicional e passados mandados de captura, sendo detido pela terceira vez em 15 de Dezembro, juntamente com Natália Henriques Soares David Campos, sua companheira, na casa clandestina que ocupavam em Linda-a-Velha. O casal tinha, então, substituído José Dias Coelho e Margarida Tengarrinha no aparelho técnico de falsificações. Nessa mesma data, foram presos Américo Guerreiro de Sousa, Joaquim Pires Jorge e Octávio Pato.

Júlio da Silva Martins foi barbaramente torturado, tendo sido sujeito a onze dias e a onze noites da tortura do sono e espancado durante três dias consecutivos (Irene Pimentel). Mais uma vez, passou pelo Aljube, por Caxias e por Peniche, tendo sido julgado pelo Tribunal Plenário em 24 de Novembro de 1962 e condenado a cinco anos e meio de prisão maior e, em cúmulo jurídico, a oito anos. Saiu em liberdade condicional em 25 de Setembro de 1969 e a definitiva foi-lhe concedida em 14 de Dezembro de 1973. Natália David Campos, também torturada, foi libertada ao fim de seis anos, em 21 de Novembro de 1967.

2. Após o 25 de Abril de 1974, foi um dos convidados de honra do primeiro grande comício do Partido Comunista, realizado no Campo Pequeno em 28 de Junho e, em 1975, integrou a lista de deputados pelo círculo de Lisboa à Assembleia Constituinte.

Foi delegado do Ministério do Trabalho nas primeiras convenções de trabalho no Alentejo, Director da Estação de Cultura Mecânica, da Secretaria de Estado da Agricultura, Director de Serviços da Direcção Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola (DGHEA) fez parte da Comissão Revolucionária de Apoio à Reforma Agrária (CRARA) e disseminou junto dos trabalhadores e técnicos, através da participação em reuniões, encontros, conferências e sessões de esclarecimento, o trabalho a desenvolver: ampliação da maquinaria, criação de parques de máquinas e construção de oficinas, aumento e melhoria da produção agrícola e dos efectivos da pecuária, introdução de novas culturas, produção forrageira, formação de quadros operadores de máquinas, cursos para contabilistas, construção de pequenas barragens, apoio à criação das Ligas de Pequenos e Médios Agricultores.

Os latifundiários odiavam-no e Spínola ameaçou-o de que o prenderia pessoalmente, se necessário. (Jornal “O Diário”, 30/10/78).

Dinamizador e co-organizador de várias Conferências da Reforma Agrária, coordenou, em termos técnicos, as ofertas dos países socialistas a nível de maquinaria agrícola, sementes e sémen para gado.

Publicou diversos estudos sobre a sociedade rural e a economia agrária em Portugal, nomeadamente “Estruturas Agrárias em Portugal”, 2 volumes editados pela Prelo em 1973-74, onde demonstra como uma minoria de famílias de latifundiários detinha a maior área do Portugal agrícola. Assinou, em Setembro de 1976, uma rigorosa introdução à segunda edição do livro de Álvaro Cunhal “Contribuição para o Estudo da Questão Agrária” (Edições Avante!, 1976).

Faleceu repentinamente em 25 de Outubro de 1978. Poucos dias antes, um jornal fascista injuriara-o.

No velório e funeral para o Cemitério de Benfica participaram milhares de pessoas, segundo relato do “Diário de Lisboa” (27/10/1978), sendo muitos deles trabalhadores alentejanos e ribatejanos que prometeram que “Faremos brotar o pão que nos ajudaste a produzir”. Américo Leal, em nome do Comité Central do Partido Comunista, evocou o contributo de Júlio Martins para a Reforma Agrária, tendo estado presentes muitos resistentes antifascistas e dirigentes comunistas.

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Biografia da autoria de João Esteves com colaboração de Helena Pato.

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Fontes:

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Avante!, 26/10/1978 e 02/11/1978.

Diário de Lisboa, 27/10/1978.

Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Círculo de Leitores – Temas e Debates, 2007.

João Madeira, O Partido Comunista Português e a “Guerra Fria”: “sectarismo”, “desvio de direita”, “Rumo à Vitória” (1949-1965), FCSH – UNL, 2011.

Informações prestadas por: Victor Louro, António José Madeira Lopes, Irene Pimentel, Luísa Tiago de Oliveira, Vasco Paiva.

“ Pela noite dentro, a 9 de Dezembro de 1974, na Casa do Povo de Santa Vitória, concelho de Beja, um punhado de trabalhadores rurais, homens vividos e sofridos, conscientes da sua condição de explorados e oprimidos, decidiam, com o apoio do seu Sindicato, pôr fim à arrogância, à prepotência, à provocação e à sabotagem, económica e política, que o latifundiário José gomes Palma vinha conduzindo, de forma ostensiva, contra a jovem democracia portuguesa. Na manhã seguinte, como resposta ao não pagamento de salários durante 5 meses consecutivos a dois trabalhadores, ao despedimento dos 12 trabalhadores efectivos que tinha ao seu serviço, o mais recente dos quais aí trabalhava há 2 anos e alguns há mais de 20 anos, às ameaças de deixar as terras por cultivar, a herdade do Monte do Outeiro, com um total de 775 hectares, era ocupada pelos trabalhadores.

Conquistando a sua cidadania, senhores dos seus destinos, avançando decididamente para as liquidação dos caducos latifúndios os trabalhadores agrícolas davam corpo à utopia. Uma terra sem amos nascia nos campos do Alentejo e do Ribatejo. Uma terra, como afirmou um dirigente sindical de então , “onde quem trabalha presta contas a quem manda mas, sobretudo, onde quem manda presta contas a quem trabalha”.

Lado a lado com os militares de Abril e partidos progressistas,  unidos e organizados nos seus sindicatos, no seio da CGTP, os trabalhadores agrícolas do sul intervieram decisivamente, com imaginação e criatividade, nos destinos do País, moldando com a sua acção corajosa, firme e determinada, uma das mais belas conquistas de Abril, a Reforma Agrária, importante pilar do regime democrático, de liberdade e progresso, e como tal consagrada na Constituição da República em 2 de Abril de 1976 com os votos favoráveis do PCP, do PS e do PSD.

Reportagens Sociológicas no Interior da Reforma Agrária constitui um importante e muito oportuno testemunho dessa positiva e extraordinária revolução vivida nos campos do Alentejo e Ribatejo. Dessa vivência de liberdade autentica, de democracia verdadeiramente participada e, por isso, prenhe de conteúdo genuinamente humanista.

Zillah Branco dá-nos testemunhos vivos da profunda e imensa solidariedade gerada em torno da Reforma Agrária. Solidariedade revolucionária, concreta, partilhada e vivida com intensidade e emoção. Do entusiasmo  e alegria que tão profunda transformação despertou nos mais diversos sectores da vida nacional e mesmo no estrangeiro. Coloca-nos perante a profunda revolução das mentalidades resultante desse contacto e vivência fraterna entre homens e mulheres de formação e origens distintas, diferentes experiências e modos de vida, todos eles irmanados nessa “oportunidade rara de se viver a utopia que reside no coração da humanidade” de um  mundo melhor, liberto de injustiças e desigualdades, sem marginalizações ou exclusões, um mundo de amizade, paz e cooperação.

Reportagens Sociológicas no Interior da Reforma Agrária revela-nos de forma muito viva e fundamentada, as profundas e positivas transformações operadas na zona de latifúndio não apenas no plano político mas também nos planos económico, social e cultural. Dá-nos conta de toda a vitalidade e energia transformadora dessa grande conquista que foi a Reforma Agrária não apenas através dos números e exemplos concretos que nos fornece mas igualmente pelo registo que nos deixa de depoimentos directos de quem viveu esses momentos extraordinários.

Frontal e intransigente para com todas as manifestações de oportunismo, implacável no combate ao cinismo, Zillah Branco não poupa aqueles que, votando a Reforma Agrária na lei e na Constituição, utilizaram depois o poder alcançado para conseguir a sua destruição, pondo a nu toda a sua hipócrisia, falta de ética e desonestidade política e intelectual. 
Reportagens Sociológicas no Interior da Reforma Agrária põem em evidência a dimensão criminosa que representa a destruição de uma experiência inédita de Reforma Agrária, portadora de um modelo de desenvolvimento que,conciliando as vertentes económica e social, permitiu travar as tendências de envelhecimento e desertificação que se vinham acentuando desde meados dos anos 50 na zona do latifúndio.

Zillah Branco lega-nos um importante instrumento de reflexão e estudo para todos aqueles que com seriedade quiserem fazer uma abordagem sem preconceitos sobre o que foi a Reforma Agrária, sobre o seu profundo significado não só para a melhoria substancial das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores agrícolas mas, igualmente, pelas suas repercussões positivas em toda a comunidade envolvente no plano político, económico, social e cultural. Deixa-nos um importante instrumento de combate a todos os detractores da Reforma Agrária que tudo fazem para denegrir a acção patriótica dos trabalhadores agrícolas ao apresentar a Reforma Agrária como um fracasso e não uma das mais importantes realidades do 25 de Abril que só o recurso à mais bárbara violência conseguiu destruir.

Reportagens Sociológicas no Interior da Reforma Agrária  deixa-nos o registo do  grito de alerta oportunamente lançado , que governantes preconceituosos, desumanizados, enfeudados nos interesses do grande capital não quiseram ouvir, e que a vida veio comprovar. A destruição da Reforma Agrária  não trouxe a modernidade , o progresso e o bem estar em nome dos quais foi destruída. A destruição da Reforma Agrária e a reconstituição do latifúndio trouxe o desemprego em massa, a migração e emigração, a estagnação económica e social, o envelhecimento e a desertificação do Alentejo.

Reportagens Sociológicas no Interior da Reforma Agrária tratando das questões do passado não é um livro virado para o passado. A questão da posse e uso da terra está de novo no centro do debate político. Uma nova Reforma Agrária é necessária no Alentejo.
A utopia não morreu com a destruição da Reforma Agrária. A brasa deixada nas consciências aguarda apenas o sopro de um vento favorável para atear de novo as chamas da revolução.
1995 (José Soeiro)




REFORMA AGRÁRIA – A REVOLUÇÃO NO ALENTEJO”

10.12.1974 – A PRIMEIRA OCUPAÇÃO

10 de Dezembro de 1974 é a data Histórica em que tem início uma das belas e importantes conquistas da Revolução de Abril, a “menina dos olhos da Revolução”, a “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”.

É A DATA DA PRIMEIRA OCUPAÇÃO DE TERRAS NO ALENTEJO APÓS O 25 DE ABRIL DE 1974. A resposta necessária que iria aplicar-se em toda a Zona do Latifúndio para travar as manobras contra a jovem democracia de Abril, que grandes agrários tentaram repetidamente pôr em causa.

O primeiro dos passos, porque outros se lhe seguiram, invocados por Álvaro Cunhal, no comício de encerramento da Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, promovido pelo PCP, que teve lugar em Évora, a 9 de Fevereiro de 1975, quando afirma: “Vivemos um momento histórico nos campos do Sul. Pelas mãos dos trabalhadores, a Reforma Agrária deu os primeiros passos.”

A decisão de avançar para a ocupação da Herdade do Monte do Outeiro, freguesia de Santa Vitória, concelho de Beja, aprovada por unanimidade pela dezena de militantes do PCP, reunidos na noite de 9 de Dezembro de 1974, na Casa do Povo de Santa Vitória, foi determinante para, na manhã do dia seguinte, 10 de Dezembro de 1974, no Plenário com todos os Trabalhadores da Herdade, se avançar com a audaciosa e revolucionária proposta da Direcção do Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Distrito de Beja, no sentido de se avançar para a ocupação e dar início aos trabalhos necessários à salvaguarda do processo produtivo.

Histórica decisão, porque sem a aprovação por unanimidade dos militantes do Partido, tal proposta não teria sido levada ao Plenário do dia seguinte onde mais uma vez se verificou a unanimidade. Assim havia ficado acordado na reunião realizada dois dias antes, 7 entre os membros do Partido da Direcção do Sindicato (José Soeiro, Manuel Godinho e Francisco Batista) e os camaradas Edgar Correia e João Honrado, responsáveis pelo trabalho de Direcção do Partido no Distrito de Beja.

Pela primeira vez na sua já longa história militantes do PCP decidiam levar à prática a sua velha consigna: A TERRA A QUEM A TRABALHA!

Deste primeiro passo trata em pormenor e de forma documentada o Capítulo IV de “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”, para acesso ao qual basta clicar na imagem desta publicação.

“CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição E Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo

A verdade e a falsificação da História

Mais três provas documentais…

Perigosos e secretos os classificaria de imediato o comandante supremo do “exército de ocupação e opressão do Alentejo e Sul do Ribatejo”, General Passos Esmeriz se os tivesse que analisar e classificar. Ou não fossem eles emitidos pelo perigoso adversário/inimigo que ameaçava a liberdade e a democracia, logo, que se impunha combater sem tréguas. Neles não deixaria ele, decerto, de encontrar, nas imaginárias entre linhas, mensagens codificadas a incentivar tenebrosas táticas de enfrentamento das suas tropas permanente atacadas e vítimas do hábil e perigoso adversário aquando das suas pacificadoras intervenções como relata no seu “DOCUMENTO INTERNO…”

Pobre general que partiu sem compreender que a única tática do seu tenebroso adversário era a verdade e a transparência na sua intervenção estritamente política, pacífica e pacificadora. Intervenção orientada para o apoio aos Homens e Mulheres que, corajosamente, de mãos nuas, enfrentavam a repressão por si determinada em obediência a políticos sem escrúpulos nem vergonha, com prejuízo da sua única ambição que era trabalhar em paz a terra de que pacificamente haviam tomado posse e, através das suas UCP.s queriam ao serviço de toda a comunidade, garantindo o emprego e o pão a quem dele carecia.

Pobre general que nunca compreendeu ou quis admitir na sua tortuosa mente que muitas teriam sido as baixas que teria que contar entre os seus subordinados se, em vez de trabalhadores desarmados como Casquinha e Caravela, barbara e criminosamente assassinados pelo seu “exército de ocupação e opressão”, a 29 de Setembro de 1979, em Vale Nobre, no concelho de Montemor, tivessem que enfrentar de verdade homens armados e com a mesma disposição de matar, na guerra que afirmava existir e de que tanto se vangloriou, como vencedor.

Já para a famigerada parelha António Barreto/Carlos Portas e primeiros ministros como Mário Soares ou Pinto Balsemão, que traíram Abril, os Pactos assinados com o MFA e a Constituição da República, os documentos presentes não passariam de manobras subversivas para manipular a opinião pública e esconder os maquiavélicos planos de assalto ao poder e liquidação da Liberdade-Democracia-Socialismo que hipocritamente haviam inscrito na Constituição.

Esmoriz, Barreto, Portas, Soares, Balsemão e Cia não têm culpa que quem leia os documentos, que a seguir se publicam, não saibam interpretar as mensagens ocultas e subversivas que as mesmas contêm.

Não saibam ver neles os apelos à resistência pela força das armas as invasões das UCP.s; as instruções para melhor vender e delapidar tudo o que apanharem à mão, designadamente vender gados, máquinas e alfaias…e meter o dinheiro ao bolso; não saibam ver os apelos à ocupação indiscriminada de grandes, médias e pequenas propriedades e expulsão dos seus legítimos proprietários que tão bem trabalhavam a terra e garantiam os bens alimentares de que o País carecia; os apelos à transformação das UCP.s em herdades do Estado; as orientações para reprimir e despedir os que não se submetessem à ditadura comunista que já imperava no Sul do País e pretendiam estender ao Centro e ao Norte; não percebam a inserção de tantas notas e orientações como parte do plano maquiavélico e mais vasto de assalto ao poder central para acabar com a LIBERDADE-DEMOCRACIA-SOCIALISMO que eles sim, defendiam se necessário com uma guerra civil.

Mas nada como ler tão preciosos documentos cuja origem não deixa margem para dúvidas e que, pelo seu conteúdo dão respostas aos que, ardilosamente, procuram, por todos os meios, esconder a verdade, insistindo na falsificação da História.

CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo

A verdade e a falsificação da História…

CRARA – UM CONTRIBUTO IMPORTANTE PARA A VERDADE E A HISTÓRIA DO LATIFÚNDIO E DA REFORMA AGRÁRIA (Parte 1)

A Comissão Revolucionária de Apoio à Reforma Agrária – CRARA, mais tarde Associação de Apoio à Reforma Agrária – CRARA, não podia ficar ausente de “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo.

A CRARA desempenhou um importante papel em defesa da “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” e Sul do Ribatejo, mobilizando a opinião pública e dinamizando a criação de estruturas em sua defesa e apoio, em articulação, sobretudo, com o sector sindical/CGTP Intersindical e Comissões de Trabalhadores de todos os sectores de actividade, promovendo iniciativas de esclarecimento por todo o País, apoiando tecnicamente as Unidades Colectivas de Produção – UCP.s e desenvolvendo importantes iniciativas em áreas tão distintas como a comercialização, onde contribuiu para a criação da Cooperativa Reforma Agrária – CRA, importante iniciativa para combater o claro boicote de sucessivos governos nesta área estratégica, ou apoiando a criação de Comissões de Base de Saúde cuja actividade envolveu milhares de pessoas por todo o Alentejo, merecendo particular referência o médico Rui Branco, militante comunista, e um importante núcleo de quadros da saúde de diferentes especialidades que incansávelmente se deslocavam aos 4 cantos da Zona de intervenção da Reforma Agrária.

Entre as publicações da CRARA permito-me publicar hoje “QUEREMOS A REFORMA AGRÁRIA”, editada a 13.11.1975 e “UMA LEGALIDADE REVOLUCIONÁRIA – OCUPAÇÕES E EXPROPRIAÇÕES”, editada em 22.6.1976.

São publicações que retratam bem o latifúndio, a economia latifundiária, as preocupações dos seus detentores e a exploração desenfreada a que eram submetidos os que a Terra trabalhavam mas a terra não possuiam.

Nelas são apresentados alguns importantes indicadores sobre a realidade da agricultura portuguesa, as linhas essenciais dos programas dos partidos políticos – PS e PCP – relativos à Reforma Agrária.

São publicações que reforçam a justeza das intervenções e propostas apresentadas e coerentemente defendidas pelo PCP, nas instituições e fora delas. Elas constituem mais uma demonstração de quem sempre falou com verdade e de quem, traindo o seu próprio programa, pactos e Constituição da República, tudo tem feito para falsificar a História.

Nota: a 1ª ocupação foi a do Montedo Outeiro, freguesia de Santa Vitória, concelho e distritode Beja e ocorreu a 10.12.1974 contra a sabotagem do latifundiário fascista José Gomes Palma
Nota: o Decreto-Lei 660/74, de 25.11.1974 não se detinava à agricultura. É por iniciativa do Secretário de Estado do Trabalho, Dr. Carlos Carvalhas e anuência do Secretário de Estado da Agricultura, Dr. Esteves Belo, que tal acontece. Ver páginas 121 a 126 de “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”.
Nota: O Decreto-Lei é o Decreto- Lei 407-A/75 de 30 de Julho e não 497-A/75 como por gralha refere o texto.
Nota: desta realidade nunca os inimigos da REFORMA AGRÁRIA falaram

“CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo

A verdade e a falsificação da História…

A REFORMA AGRÁRIA NA CONSTITUIÇÃO

Os projectos de Constituição apresentados pelos principais partidos na Assembleia Constituinte, eleita a 25 de Abril de 1975, provam que, ao contrário do que por vezes se procura fazer crer, a REFORMA AGRÁRIA não resultou de qualquer manobra ou imposição do PCP, muito menos de qualquer plano maquiavélico e secreto de assalto ao poder. Eles provam que a Reforma Agrária resulta do reconhecimento da sua necessidade e da necessidade da liquidação dos latifúndios e da sua retrógrada economia, causa da atrasada agricultura nacional e travão ao seu desenvolvimento. Eles reconhecem a justeza da acção patriótica dos trabalhadores ao abrigo da Legalidade Revolucionária. Eles têm presente os Pactos dos Partidos com o MFA. Eles permitem ver que o resultado plasmado na versão final da Constituição da República, votada a 2 de Abril de 1976, não corresponde totalmente a nenhum dos projectos apresentados, traduzindo, isso sim, as propostas consensualizadas, ou votadas por maioria. Maioria que não era do PCP. O PCP contava apenas com a força da sua razão. Lendo todos os projectos e o que foi consagrado na Constituição não é difícil perceber que esta teve por base os projectos de Constituição que todos apresentaram. Livre e democraticamente defenderam. Livre e democraticamente discutiram e votaram. Na generalidade, na especialidade e na votação final global a 2 de Abril de 1976. Tudo o resto é pura falsidade.

Pela sua importância , porque sempre estiveram e continuam a estar presentes em larga e qualificada maioria na Assembleia da República,

em nome da Verdade e contra a falsificação da História,

penso ser importante, lembrar as propostas então apresentadas relativas à REFORMA AGRÁRIA. Pela sua leitura se compreenderá melhora dimensão do crime político, económico, social, cultural e ambiental que foi o assassínio da”REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” e Sul do Ribatejo, sobre quem o cometeu e, até ao presente, não respondeu, nem pagou politicamente, por tão bárbaro crime de lesa Pátria.

A sua leitura não deixa margem para dúvidas sobre quem sempre falou VERDADE e respeitou os Acordos e Pactos assinados, e sobre quem os traiu e os violou, apostando na FALSIFICAÇÃO DA HISTÓRIA para justificar a “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo.

Leiam-se os projectos.

Partido Socialista – PS

No preâmbulo do seu projecto pode ler-se: “Coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, o Movimento das Forças Armadas, a 25 de Abril de 1974, derrubou o regime fascista. (…) 3 – A construção, por via pluralista e no respeito pela vontade popular, do socialismo, entendido este como poder democrático dos trabalhadores, no quadro da colectivização progressiva dos meios de produção e de um regime de democracia política, com vista à instauração de uma sociedade sem classes; (…)Para prosseguir estes objectivos, a experiência histórica entretanto decorrida mostra ser indispensável a aliança entre o Movimento das Forças Armadas e o povo português, representado pelos seus partidos políticos. Assim, no respeito pelo pacto firmado entre o Movimento das Forças Armadas e os partidos políticos mais representativos da vontade popular…”

Artigo 1.º “Portugal é uma República soberana, em transição, por via pluralista e no respeito pela vontade popular, para o socialismo, entendido este como o poder democrático dos trabalhadores, com vista à instauração de uma sociedade sem classes.”

ARTIGO 30.º ponto 1. “(…)competindo ao Estado assegurar: a) O pleno emprego;

ARTIGO 37.º “Nas empresas nacionalizadas deverá proceder-se à sua socialização através de uma progressiva participação e intervenção na gestão por órgãos eleitos em plenário de trabalhadores.”

ARTIGO 42.º “A organização económico-social da República Portuguesa assenta no desenvolvimento das relações de – produção socialistas, mediante a progressiva apropriação pela colectividade dos meios de produção e o exercício do .poder democrático dos trabalhadores.

ARTIGO 44.º “1. Todas as nacionalizações levadas a cabe depois do 25 de Abril de 1974 nos sectores básicos da economia e dos serviços colectivos constituem conquistas irreversíveis do povo português. 2. As empresas e outras entidades de natureza privada é vedada a actividade nos sectores básicos da economia, cuja definição compete à Assembleia Legislativa Popular.”

ARTIGO 45.º “Na fase de transição para o socialismo haverá três sectores da propriedade: I – Sector da propriedade estatal. 2 – Sector da propriedade social que engloba as unidades de produção colectivamente geridas pelos trabalhadores, nomeadamente empresas em regime de autogestão e cooperativas.”

ARTIGO 46.º “O Estado deverá fomentar a criação de cooperativas e assegurar os meios necessários ao seu desenvolvimento.”

ARTIGO 55.º

A reforma agrária será um dos instrumentos fundamentais do plano com vista à construção da sociedade socialista e terá como objectivos: a) Promover a melhoria da situação social e económica dos trabalhadores rurais e pequenos agricultores pela transformação das estruturas da propriedade e transferência da posse útil da terra para aqueles que nela trabalham como primeiro passo para a criação de novas relações de produção na agricultura; b) Dotar a agricultura de meios técnicos, humanos e financeiros por forma que possa desempenhar o papel que lhe cabe no desenvolvimento económico e social do País; c) Criar as condições necessárias para que a agricultura não seja um mero suporte do desenvolvimento dos outros sectores de economia, tornando-se num sector dependente e dominado através de um sistema de trocas intersectoriais desiguais, que se traduzirá numa mais baixa remuneração do trabalho agrícola.

ARTIGO 56.º

A transferência da posse útil da terra para aqueles que a trabalham será obtida através da expropriação dos grandes proprietários agrícolas e da entrega da exploração das respectivas propriedades a pequenos agricultores ou a cooperativas de trabalhadores rurais.

ARTIGO 57.º

A organização cooperativa dos pequenos agricultores constituirá o instrumento privilegiado da reforma agrária em relação às pequenas explorações.

ARTIGO 58.º

A lei deverá assegurar a participação dos trabalhadores rurais e pequenos agricultores, através das suas organizações próprias, na definição e execução da reforma agrária.

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Partido Popular Democrático – PPD/PSD

O PSD ignora as palavras fascismo e fascista mas, no preâmbulo do seu projecto, podem-se encontrar plasmados princípios que, se fossem sinceros e respeitados, nunca o PSD teria tido nos Governos em que participou, uma prática contra a Constituição da República que votaram.

Nele se “Afirma a vontade do povo português de construir uma sociedade mais justa, mais livre, mais fraterna, da qual sejam abolidas todas as formas de opressão, de exploração e de privilégio, correspondente aos idearas do socialismo personalista” e “Declara irreversíveis as legítimas conquistas alcançadas, peta vitória do Movimento das Forças Armadas e pelo esforço dos trabalhadores e do povo em geral.”

No ponto 1 do seu Artigo 1.º afirma-se que “Portugal é uma República independente e democrática, que se baseia na dignidade da pessoa humana, na solidariedade e no trabalho para construir uma sociedade socialista.

No seu Artigo 2.º pode ler-se: “Incumbe primordialmente ao Estado: 1.º Orientar a evolução da sociedade portuguesa, mediante permanente respeito pelos princípios da democracia. política, para uma democracia social e económica aberta aos idearas da igualdade e da fraternidade de todos os homens; 2.º Promover a socialização da riqueza e dos meios de produção, sem prejuízo da iniciativa privada inerente à realização pessoal dos cidadãos e ao desenvolvimento da sociedade”

ARTIGO 52.º “2. Incumbe ao Estado, em especial: (…)c) Definir e praticar políticas de pleno emprego.

Artigo 53º ponto 4. “As experiências viáveis de autogestão serão estimuladas e apoiadas pelo Estado.”

Artigo 55º ponto 2. “A nacionalização, a expropriação ou requisição por utilidade pública serão previstas por lei e conferem o direito a justa indemnização.”

Artigo 64.º “1.A organização sócio-económica da República Portuguesa visa a construção do socialismo, com eliminação da exploração do homem pelo homem e com abolição das classes privilegiadas, mediante a livre associação do trabalho com os meios de produção estaduais, sociais ou privados.”

Artigo 67.º “1.Para a prossecução destes fins, o Estado e outras entidades públicas, na fase de transição para o socialismo, devem controlar gradualmente as instituições financeiras, os solos e outros recursos naturais, as indústrias fundamentais para a defesa nacional, ás actividades de carácter monopolista e as sectores básicos da economia nacional, designadamente através da nacionalização ou apropriação pública das unidades produtivas. (…) 5. Consideram-se irreversíveis as expropriações das instituições financeiras e de .empresas integradas nos sectores básicos da economia, efectuadas após o 25 de Abril de 1974.”

Artigo 68.º “1. No sector da propriedade social será incentivada a criação e a actividade de cooperativas de produção, de crédito ou de consumo, designadamente as cooperativas agrícolas e de habitação”

ARTIGO 70. °

1. A reforma agrária será um meio fundamental da instauração da sociedade socialista, enquanto deve assegurar condições de igualdade efectiva no meio rural e pôr a terra e a produção agrícola ao serviço do povo português. 2. A reforma agrária promoverá o acesso dos trabalhadores rurais à propriedade da terra e efectuar-se-á com total respeito pela propriedade das terras dos pequenos e médios agricultores, como instrumento e resultado do seu trabalho. 3. A realização dos objectivos da reforma agrária implica a constituição, com o apoio do Estado, de cooperativas de trabalhadores rurais, a formação de cooperativas de comercialização e produção dos pequenos e médios agricultores e a entrega da exploração dos latifúndios socialmente mal aproveitados ou nocivos a pequenos agricultores ou trabalhadores rurais. 4. Na gestão das unidades de produção e suas organizações complementares, bem como na elaboração e execução da reforma agrária, assegurar-se-á permanente participação dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores. 5. Lei especial definirá os critérios e a orgânica de elaboração e execução da reforma agrária.

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Partido Comunista Português – PCP

No preâmbulo do seu projecto pode ler-se “1. O 25 de Abril de 1974, dia em que o Movimento das Forças Armadas derrubou a odiada ditadura fascista, pertence já à História de Portugal e da Humanidade. (…) desde o primeiro dia a iniciativa criadora dos trabalhadores e das forças revolucionárias soube dar forma â aliança do povo com as forças armadas, expressão original da unidade popular na luta contra a dominação e a exploração dos monopólios e grandes agrários.

(…)a expropriação dos latifúndios no caminho de uma reforma agrária que dê a terra a quem a trabalha e as históricas nacionalizações da banca e dos sectores industriais de base, fizeram a Revolução entrar irreversivelmente na fase da liquidação do poder económica dos monopólios e latifúndios, no período de transição para o socialismo. 4. Esta é a Constituição do período de transição fixado na Plataforma de Acordo Constitucional entre o MFA e partidos políticos, cujo cumprimento integral garante.”

(…) Esta é a Constituição que garante as liberdades e as conquistas revolucionárias alcançadas, aponta as profundas transformações económicas è sociais que urge realizar . na transição para o socialismo…”

ARTIGO 1.º “O Estado Português é um Estado democrático revolucionário que tem por objectivo, num curto prazo histórico, eliminar o poder dos monopólios e latifundiários e abrir caminho à transição para o socialismo.”

ARTIGO 5.º 1. “Todo o poder pertence ao povo, que o exerce a nível local, regional e nacional, (…)2. É declarado ilegítimo e abolido o poder dos monopólios e dos latifundiários

ARTIGO 6.° “1. Constituem a base económica do regime de transição: b) O sector cooperativo, particularmente as cooperativas agrícolas de produção e as cooperativas de pescadores;”

ARTIGO 7.º “São funções políticas internas e tarefas do Estado democrático revolucionário: (…) c) Instaurar a ordem democrática e fazer cumprir a legalidade revolucionária, quebrar a resistência dos monopólios e dos latifundiários, defender o novo regime das tentativas de contra-revolução…”

ARTIGO 8.º “São funções e tarefas de organização económica e social do Estado: (…) b) Realizar a reforma agrária pela expropriação do latifúndio e das grandes explorações capitalistas, segundo o princípio: a terra a quem a trabalha, respeitando a pequena e média propriedade privada da terra;”

ARTIGO 16. º (Reforma agrária)

1. A fim de realizar a reforma agrária, aumentar a produção e diminuir a importação de produtos agrícolas, e melhorar as condições de vida da população dos campos, serão expropriados os latifúndios, nacionalizadas as grandes explorações capitalistas, entregando-se a terra a quem a trabalha. 2. As terras expropriadas serão exploradas pelo Estado ou entregues a cooperativas de agricultores e assalariados agrícolas, ou distribuídas para exploração familiar, de acordo com os interesses da economia nacional e com a vontade das massas camponesas e das suas organizações. 3. A lei determinará o limite máximo de solo arável ou florestável que pode ser objecto de propriedade de um indivíduo, de uma família, ou de uma sociedade privada, tendo em conta a natureza dos terrenos, os tipos de cultura, o valor do produto e o peso relativo das várias camadas do campesinato em cada região. 4. É garantida a propriedade da terra dos pequenos e médios agricultores.Os pequenos e médios agricultores têm direito, individualmente ou agrupados emcooperativas, ao auxílio do Estado, nomeadamente através do crédito, assistência técnica e garantia de comercialização. 5. São abolidos os foros, revertendo as terras, a título de propriedade plena, para os actuais foreiros, bem como a parceria e a colónia, que serão substituídas pelo arrendamento. O regime de arrendamento deve salvaguardar a segurança e os justos direitos dos rendeiros.”

“ARTIGO 22. º (Indemnizações)

1. A lei determinará a forma e o montante da indemnização pela nacionalização de empresas tendo em conta:

a) A situação económica da empresa; b) Os interesses dos pequenos accionistas; c) A grandeza dos benefícios obtidos pelos grandes proprietários, empresários e accionistas; d) O montante dos subsídios, créditos e outras vantagens económicas propiciadas peio Estado ou outras pessoas colectivas públicas até ao momento da nacionalização.

2. Tendo em conta o disposto no número anterior, a lei poderá determinar que a expropriação dos latifúndios e dos grandes proprietários, empresários e accionistas não dê lugar a qualquer indemnização.”

“ARTIGO 45.º (Propriedade e herança)

1. É garantido a todos os cidadãos o direito de propriedade sobre os bens legitimamente adquiridos, bem como o direito de os transmitir ou receber por herança. 2. Fora os casos previstos nesta Constituição, a expropriação por motivos de utilidade pública só pode ser efectuada mediante o pagamento de justa indemnização.”

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Centro Democrático Social – CDS

ARTIGO 36.° Portugal adopta como sistema económico o da economia social de mercado, baseado na liberdade de iniciativa, no acesso dos trabalhadores à propriedade privada e na socialização dos meios de produção que nos termos da Constituição e da lei devam ser submetidos ao regime de propriedade colectiva ou de gestão pública.

ARTIGO 39.° (Socialização de meios de produção)

g) Propriedades rurais por explorar ou inconvenientemente exploradas;

ARTIGO 40.° (Regime de socialização)

2. A socialização de empresas ou actividades determinadas pressupõe a prévia definição por lei das situações genéricas em que aquelas se integram e implica o pagamento de justa indemnização aos legítimos proprietários.”

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Notas e reflexões:

No projecto de Constituição do CDS, o mais simples de comentar, a ditadura fascista não existe. Como não existe latifúndio ou limites para a exploração capitalista da terra. Reforma Agrária está ausente do seu projecto e qualquer socialização de empresas ou actividades implica sempre o pagamento de indemnização, ou seja, para o CDS não há penalização do crime de sabotagem e nem mesmo referência ao papel social que a empresa, mesmo que privada, tem a obrigação de garantir, como defendem os sectores da igreja católica, menos ortodoxa, de que se pretende representante.

É a sua visão do “socialismo português” que invoca no seu projecto… que o mesmo é dizer a continuidade “democrática” do domínio dos monopólios e dos LATIFÚNDIOS, suporte da ditadura fascista.

Quanto ao PSD, defensor do “socialismo personalista” invocando grandes princípios e valores, acaba, a par de outras contradições, por defender que apenas devem ser expropriados os latifúndios socialmente mal aproveitados ou nocivos, como se houvessem latifúndios bem explorados, sendo omisso no que respeita às grandes explorações de agrários capitalistas, já então, comprovadamente, empenhados na sabotagem ao 25 de Abril. Para o PSD o direito às indemnizações deve ser assegurado em todas as circunstâncias.

No projecto do PS, na altura fortemente empenhado em afirmar-se como socialista, o famoso “socialismo em liberdade”, que Mário Soares e a maioria dos dirigentes do PS iriam meter na gaveta, até ao presente, não refere ou utiliza o conceito de latifúndio. Não. Na altura o PS defendia uma Reforma Agrária, não apenas anti-latifundista, mas anti-capitalista, como consta no no ARTIGO 56.º do seu projecto em que defende “A transferência da posse útil da terra para aqueles que a trabalham será obtida através da expropriação dos grandes proprietários agrícolas e da entrega da exploração das respectivas propriedades a pequenos agricultores ou a cooperativas de trabalhadores rurais.

Nada diz também sobre indemnizações mas talvez valha a pena recordar a intervenção de José Luís Nunes (Deputado do PS da 1ª linha) que, invocando o “conceito marxista de exploração(…) os capitalistas já estão <<justamente>> indemnizados pelos lucros que obtiveram ao fim de anos e anos de exploração dos trabalhadores”. In Diário da Assembleia Constituinte de 17.7.1975.

Razão, razão, tinha o Francisco Miguel na sua intervenção porque, em relação aos trabalhadores agrícolas da zona do latifúndio, não era de “anos e anos de exploração” que se tratava, mas sim de séculos e séculos de exploração e opressão do latifúndio sobre as comunidades rurais!

Finalmente, não posso, em jeito de “Nota” final, deixar de chamar a atenção para o significativo facto das intervenções de António Gervásio e Francisco Miguel, proferidas em defesa da Reforma Agrária, não só não terem merecido qualquer oposição crítica, como a de Francisco Miguel ter merecido mesmo o aplauso de toda a Assembleia, como se pode constatar no Diário da Assembleia Constituinte.

Mas vejamos o que consagraram os Partidos, com assento na Assembleia Constituinte, na versão final da Constituição da República, aprovada a 2 de Abril de 1976

É importante esclarecer que o Pacto Partidos MFA, subscrito em vésperas da aprovação da Constituição da República, pelos Partidos com assento no Governo, também contou com a assinatura do CDS que, tendo votado contra a Constituição, também subscreveu o Pacto, ou seja, o compromisso de respeitar, cumprir e não pôr em causa a Constituição da República que iria ser aprovada durante o período transitório, ou seja, o mínimo dos 5 anos.

Lembrar ainda que a primeira Revisão da Constituição de Abril de 1976 só viria a ser concretizada em 1982 nada alterando em relação aos princípios relativo à Reforma Agrária. A 3.ª Revisão teve lugar em 1989. A “Lei Barreto”/Mário Soares/PS foi aprovada em 1977 e a “Lei do latifúndio”/Cavaco Silva/PSD, em 1988…

Mas, nada de surpreendente, pois, como afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, na conferência que proferiu no Instituto de Defesa Nacional, Lisboa, 20 de Março de 1980, não estava nada preocupado pois “AS CONSTITUIÇÕES TÊM SIDO SEMPRE SUBVERTIDAS, AO LONGO DA SUA EXISTÊNCIA, POR LEIS INCONSTITUCIONAIS” E acrescentava, com mal disfarçado triunfalismo, que o mesmo estava já a acontecer com a Constituição então em vigor.” (in Pezarat Correia, Questionar Abril, Editorial Caminho, 1984, página 162)

A verdade é que para os inimigos da Reforma Agrária e responsáveis pela “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo… a Constituição da República Portuguesa nunca existiu… eles participaram na sua elaboração, votaram a favor, mas agiram sempre à sua revelia, como “foras-da-lei”… ao serviço do capital sem rosto, seu mandante!

CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo

A verdade e a falsificação da História…

AS DUAS INTERVENÇÕES… (5ªParte)

Proferidas a 15 e 18 de Julho de 1975, já com mais de 120 mil hectares na posse dos trabalhadores, como informa António Gervásio, e com a legislação sobre a Reforma Agrária a aguardar promulgação desde 27 de Junho de 1975, (como confirmam os telegramas trocados a 24.7.1975 entre o Conselho Regional da Reforma Agrária de Beja e o Ministério da Agricultura de Fernando Oliveira Batista, ver páginas 211 e 212 de “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”) as intervenções proferidas por António Gervásio e Francisco Miguel, na Assembleia Constituinte, revestem-se de especial significado no contesto das “Notas e Reflexões” sobre a “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo.

Elas demonstram, por antecipação, algumas das teses e falsidades dos adversários e inimigos da REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo, que ainda hoje há quem queira fazer passar por verdades.

Justificando e clarificando o pensamento dos Comunistas em relação À Reforma Agrária, as intervenções proferidas traduzem o conhecimento profundo da realidade que se vivia nos campos, não só no Alentejo mas no todo Nacional, exprimindo, sem retóricas desnecessárias nem ardilosas e eloquentes oratórias, as propostas avançadas pelo PCP, no seu projecto Constitucional. Elas não deixam margem para dúvidas e muito menos espaço para as especulações e os alarmismos que vinham sendo fomentados e se viriam a intensificar, sobretudo, no Centro e Norte do País, contra a ameaça do “papão comunista” que tudo ameaçava, tudo queria ocupar e estatizar, como já estaria a acontecer no Alentejo e Sul do Ribatejo.

Como afirmou António Gervásio “A reforma agrária faz parte dos objectivos e da luta do, meu Partido ao longo dos anos da ditadura fascista. (…) consagrada no programa do meu Partido aprovado em 1965.” sublinhando, mais adiante,

o conteúdo, claro e de profundo significado, do inscrito no artigo 8.º, alínea b) do projecto de Constituição apresentado pelo PCP, onde se pode ler: «realizar reforma agrária pela expropriação do latifúndio e das grandes explorações capitalistas segundo o princípio a terra a quem a trabalha, respeitando a pequena e média propriedade da terra»

E noutro passo da sua intervenção: “Na zona da pequena e média propriedade a reforma não passa pela expropriação do pequeno e médio campesinato. Aí a reforma agrária não consiste em tirar a terra, mas, ao contrário, dar-se terra a quem tem pouca ou não tem nenhuma e dar ajuda financeira e técnica.A reforma agrária não tira a terra aos pequenos e aos médios camponeses, como a reacção propaga aos quatro vento

O respeito pela pequena e média propriedade, a defesa dos interesses e a necessidade de apoio do Estado aos seus detentores é, aliás, uma proposta bem sublinhada e repetida nas duas intervenções.

Não é o facto de se poder ter verificado um ou outro caso isolado, como resulta claro do trabalho da Comissão de Análise, criada pelo Ministro Lopes Cardoso, para avaliar as tão badaladas “ocupações selvagens” de pequenas e médias explorações, que não teriam cabimento face à legislação em vigor, situações que tanto o PCP, como os Sindicatos Agrícolas não só contrariaram, como manifestaram sempre total disponibilidade para intervir no sentido de proceder à sua correcção, que pode ser invocado, pelos seus inimigos e detractores, para justificar o crime do assassínio da REFORMA AGRÁRIA e o desenvolvimento da “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo e Sul do Ribatejo.

As intervenções proferidas não deixaram dúvidas sobre o significado nefasto da economia latifundiária, ainda prevalecente na sociedade portuguesa em 1974, o seu peso e a sua responsabilidade no atraso e subdesenvolvimento da agricultura nacional, nas condições de exploração e negação de direitos fundamentais a quem a terra trabalhava mas dela dificilmente tirava o sustento.

Como foi afirmado:

Somos um Portugal atrasado, porque sempre no nosso país predominou a grande propriedade. Isto aconteceu no nosso país, acontece e tem acontecido em todos os países. Não há nenhum país onde a grande propriedade agrária latifundiária predominou que fosse desenvolvido. Era atrasada a Rússia dos czares, eram atrasados os países balcânicos, antes da revolução socialista. Era atrasada a Polónia, são atrasados os países do Próximo Oriente onde predomina a grande propriedade agrária, de raiz, feudal, é atrasado o Sul da Itália, a Espanha, Portugal, o Brasil; todos os países onde predomina a grande propriedade agrária latifundiária.

ao sul, temos o grande latifúndio com muitas centenas e milhares de hectares de terra de um só senhor ou de uma só família. Ao norte, temos a pequena e muito pequena propriedade (…)

3 % do total das explorações agrícolas, ou seja, 2600, têm mais terra do que 780 000 explorações,mais terra do que 97% do total dessas explorações agrícolas!No Sul de Portugal estão situadas as maiores herdades da Europa capitalista, como, por exemplo, as herdades de Palma (16 000 ha), Comporta (29 000 ha), Rio Frio (17 000 ha), Machados (6000 ha), Companhia das Lezírias (mais de 30 000 ha), Casa Cadaval (15 000 ha), etc., e muitas outras, na sua maioria incultas ou mal aproveitadas. Na opinião do PCP não haverá em Portugal uma só reforma agrária, mas, digamos, duas reformas agrárias.Na zona da grande propriedade a reforma agrária passa pela expropriação dos latifundiários e das grandes explorações agrícolas capitalistas.”

No concelho de Cuba, segundo o estudo invocado por Francisco Miguel, que Henrique de Barros assumiria como participante no mesmo, em “700 proprietários, 11 tinham mais de metade da terra da freguesia e, entre eles, três eram predominantes – entre estes 11. Uma propriedade, nesta freguesia, com 2 ha, pagava então 75$ de imposto por hectare. E, na mesma freguesia, uma propriedade com 800 ha, terras da mesma qualidade e porventura mais produtivas, pagava 8S por hectare.”o que, para além da concentração da terra nas mãos de meia dúzia de famílias, põe em evidência o protecionismo do regime fascistas em relação à grande propriedade latifundiária em termos de política tributária.

Por outro lado, como o demonstram as transcrições que se seguem, ele põe em evidência a natureza parasitária do modelo de economia latifundiária e a necessidade de lhe pôr cobro:

o absentismo significa que uma grande parte do valor criado pelos camponeses com o seu trabalho vai, em forma de renda, para um sector puramente parasita, que até do ponto de vista capitalista não interessaria”

há uma contradição profunda entre os interesses do grande latifundiário absentista e o próprio empresário agricultor, que cultiva a terra, mesmo que ele seja capitalista.”

o empresário capitalista que não fazia investimentos porque a terra não era sua” “se fizesse investimentos, se melhorasse a terra e a tornasse mais produtiva,” “a renda era aumentada. Resultado: o dono da terra, latifundiário, cujos direitos através da história têm, sido conhecidos, não faz investimentos; o empresário, ou porque é pequeno ou porque é capitalista não dono da terra, não os faz também. O atraso da nossa agricultura tem esta raiz – um atraso técnico e geral.”

temos de reconhecer que o predomínio da propriedade latifundiária tem sido um grande factor do nosso atraso geral, porque, efectivamente, empobrecendo a massa camponesa que trabalha nos campos, não lhe dando poder de compra, é uma cadeia que não se move. E, por isso, a reforma agrária será o primeiro elo da cadeia do nosso desenvolvimento geral”

Se no nosso país, em 1834, na altura dos liberais, se tivesse feito uma reforma agrária, na altura em que se terminou com as propriedades de mão morta pelas leis desse ministro, progressivo no seu tempo, Mouzinho da Silveira, ou se, mesmo em 5 de Outubro, a revolução que implantou a República tivesse feito a reforma agrária, muito diferente seria hoje o nosso país. Seríamos muito mais desenvolvidos. Mais ainda, em 5 de Outubro o rei perdeu a coroa, mas não perdeu um palmo das suas vastas propriedades! A reforma agrária, de que o País já precisava, não foi feita”

Por terra caiem, igualmente, as teses que as propostas de Reforma Agrária do PCP não passavam de propostas de expropriação e nacionalização da terra. Também aqui as intervenções proferidas não deixam margem para dúvidas quanto à grosseira falsidade de tais afirmações. Como foi afirmado:

a reforma agrária não consiste apenas na expropriação dos grandes latifundiários e entregar a terra a quem a trabalha. A reforma agrária consiste igualmente na ajuda do Estado às novas cooperativas e explorações agrícolas, aos pequenos e médios camponeses, concedendo créditos em condições favoráveis, fornecendo máquinas agrícolas, sementes, gados, adubos, pesticidas; acabando com formas feudais de exploração, como foros, parcerias e outros; perdoar as dívidas usurárias dos camponeses pobres; alargar as isenções de impostos ao campesinato pobre, estabelecendo um sistema progressivo de contribuição predial rústica segundo o princípio «paga mais quem mais tiver». A reforma agrária consiste também no fomento de parques de tractores e máquinas agrícolas, construção de silos, adegas, lagares, barragens, electrificação rural, construção de estradas, construção de escolas e institutos e formação de milhares de especialistas agrícolas. Consiste na formação de cooperativas de comercialização que assegurem em condições eficazes a compra dos produtos agrícolas por preços compensadores e o fornecimento à agricultura dos produtos necessários.”

Igualmente importante é a clarificação e precisão da posição do PCP acerca da política de indemnizações avançada no seu projecto de Constituição no

Artigo 22º, n.º 2

(…) a lei poderá determinar que a expropriação dos latifúndios e dos grandes proprietários, empresários e accionistas não dê lugar a qualquer indemnização.” que diferencia o seu projecto de todos os outros.

Ambas as intervenções defendem explicitamente que as expropriações dos latifúndios e das grandes explorações agrícolas capitalistas sejam levadas a cabo sem indemnização”.

Como esclareceria Francisco Miguel “uns, em consideração aos direitos da propriedade, entendem que os latifundiários devem ser indemnizados. Nós, por exemplo, entendemos que não devem ser indemnizados. Talvez fosse mais justo pôr até o problema: se durante muitos anos, ilegitimamente, exploraram a massa camponesa do nosso país, seria justo e razoável que ainda tivessem que pagar alguma coisa além de perderem as terras.” “e se, no conjunto, esta Assembleia não quiser ir tão longe que tenha, pelo menos, a decisão de dizer que a propriedade latifundiária vai desaparecer e as terras vão ser para o nosso país, para o nosso povo que trabalha a terra – a terra a quem a trabalha, efectivamente -, os que até agora beneficiaram dessa injustiça para com os camponeses deixem de receber rendas e lucros a que realmente não têm direito”.

Os Decretos emanados do IV Governo Provisório, ao admitirem o direito à indemnização pelas expropriações de acordo com a lei, que nenhum governo após o 25 de Novembro fez questão de cumprir, porque destruir a Reforma Agrária é que era o seu objectivo estratégico, deixam clara a falsidade dos que, escamoteando as suas responsabilidades nos governos provisórios, onde até eram maioria, procuram fazer crer que nada tiveram a ver com os Decretos referidos e considerados como “as leis da Reforma Agrária”.

Uma última mas muito pertinente observação, porque associada às falsidades sobre a posição do PCP em matéria do modelo defendido para a exploração das terras expropriadas, é a ausência de referência às Unidades Colectivas de Produção Agrícola – UCP.s.

Desde logo chamar a atenção que, à data das intervenções, não se podia falar em UCP pois, estas não correspondiam a qualquer dos modelos conhecidos no mundo, viriam a ser uma das especificidades da Reforma Agrária Portuguesa, e a primeira, a Vanguarda do Alentejo, só viria a ser constituída a 17 de Outubro de 1975, razão pela qual também não podiam constar no projecto de Constituição apresentado pelo PCP.

O que poderia ter sido introduzido num dos discursos, quando muito, era o conceito de “Herdade Colectiva”, na medida em que já fora introduzido no memorando, entregue por uma delegação constituída por António Gervásio, Diniz Miranda, Américo Leal e Joaquim Velez, a 12 de Junho de 1975, ao Ministro da Agricultura, Fernando Oliveira Batista, como um “de 3 tiposprincipais de unidades de produção a instalar nas terras expropriadas do Sul” sendo os outros dois as “Herdades do Estado” e as “Cooperativas de produção”. (Questão tratada de forma desenvolvida em

“REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” no capítulo XI, páginas 235 a 258.)

Optou na altura o PCP , em minha opinião bem, por reservar esta questão, pois vivia-se um processo cuja dinâmica exigia prudência e qualquer solução, que os trabalhadores pudessem vir a consolidar, estaria salvaguardada pela questão de princípio que sempre orientou a posição do PCP e que, essa sim, foi reafirmada nas intervenções em análise, que é a do respeito pela vontade dos próprios como consta desde sempre nos seus programas.

Não há por isso qualquer contradição ou falta à verdade quando se afirma:

Defende que as terras expropriadas sejam entregues aos assalariados agrícolas e aos camponeses pobres, sem terra ou com pouca terra, para serem exploradas em forma de cooperativas, e noutros casos entregues ao Estado para serem exploradas em grandes herdades estatais.”

O PCP defende que a reforma agrária se faça com a participação activa dos assalariados agrícolas e dos pequenos e médios camponeses e de acordo com a sua vontade.”

Como foi sublinhado

o Partido Comunista Português sempre esteve firmemente ao lado daqueles que regam a terra com o seu suor, na luta constante contra o desemprego, por melhores jornas e condições de trabalho”

Foi assim no passado. Assim é no presente. Assim deve continuar a ser no futuro!

“CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo

A verdade e a falsificação da História…

FRANCISCO MIGUEL (4ª Parte)

“o Deputado Sr. Francisco Miguel. Não deseja ir à tribuna, Sr. Deputado?

O Sr. Francisco Miguel (PCP): – Com certeza, Sr. Presidente.

Pausa.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: É meu convencimento de que esta Assembleia Constituinte deverá elaborar uma Constituição, que será tanto mais ajustada aos interesses e ás esperanças do povo português, quanto melhor e mais profundamente debater os problemas do nosso país. É naturalmente para conhecer e para ajudar a conhecer estes problemas que vim a esta tribuna. Não pretendo, naturalmente, abordar e analisar todos os problemas, todos os conflitos que a nossa sociedade apresente à nossa vida, social do País. Por exemplo, não vou analisar detalhadamente o conflito real entre a liberdade concreta de não se ser explorado, que só existe nos países onde existe o socialismo, e a liberdade concreta. também de explorar, sob qualquer forma, que é existente nos países capitalistas. Existe e existirá, enquanto predominar esse sistema. Não me ocuparei também da contradição entre um Estado nas mãos da burguesia e ao seu serviço e o Estado nas mãos do povo para realizar os seus objectivos. Não me ocuparei tampouco ainda da contradição teórica e prática de uma liberdade para frequentar as Universidades, direito ao ensino e a impossibilidade material de os filhos dos trabalhadores frequentarem as Universidades. Enquanto os trabalhadores não tiverem condições materiais para frequentar as Universidades, as portas das escolas não estão abertas para o nosso povo. A própria escola primária não é hoje frequentada por todas as crianças na idade própria. Quero analisar, apenas, um problema importante que tem moldado toda a vida do nosso país através da nossa história: é o problema da reforma agrária. Somos o País mais atrasado da Europa do ponto de vista material, e só depois do 25 de Abril fomos, na Europa Ocidental, o mais adiantado do ponto de vista político nalguns pontos. Somos um Portugal atrasado, porque sempre no nosso país predominou a grande propriedade. Isto aconteceu no nosso país, acontece e tem acontecido em todos os países. Não há nenhum país onde a grande propriedade agrária latifundiária predominou que fosse desenvolvido. Era atrasada a Rússia dos czares, eram atrasados os países balcânicos, antes da revolução socialista. Era atrasada a Polónia, são atrasados os países do Próximo Oriente onde predomina a grande propriedade agrária, de raiz, feudal, é atrasado o Sul da Itália, a Espanha, Portugal, o Brasil; todos os países onde predomina a grande propriedade agrária latifundiária. A grande propriedade agrária latifundiária significa implicitamente a exploração intensa das massas camponesas, significa a existência do absentismo com as suas contradições profundas. E, logicamente e inevitavelmente, uma situação destas não permite o desenvolvimento de um país. Quando, por virtude do domínio ou predomínio da grande propriedade agrária, metade da população do nosso país, quase metade em 1934, tinha e tem um nível baixíssimo de vida, um poder de compra reduzidíssimo, este povo sem poder de compra não pode ser» desenvolvido e não é um mercado que estimule o desenvolvimento económico geral. Estou a recordar um inquérito feito à freguesia de Cuba, em 1934, sob a direcção do professor Lima Bastos, inquérito bem feito, onde se vê as muitas contradições e a essência da grande propriedade. Aí se diz, por exemplo, se não me falha a memória, que de 700 proprietários, 11 tinham mais de metade da terra de freguesia e, entre eles, três eram predominantes – entre estes 11. Uma propriedade, nesta freguesia, com 2 ha, pagava então 75$ de imposto por hectare. E, na mesma freguesia, uma propriedade com 800 ha, terras da mesma qualidade e porventura mais produtivas, pagava 8S por hectare. A existência do latifúndio entrava o desenvolvimento e atira para cima dos pequenos e médios produtores e pequenos proprietários. a carga tributária e todas as desvantagens que, para favorecer os interesses dos latifundiários, assim é determinado pelos governos. O nosso país, concretamente, sempre orientou a sua política, em relação à agricultura, de acordo com os interesses dos grandes latifundiários e com desvantagem e em prejuízo dos pequenos e médios produtores. Por isso, a reforma agrária é fundamental nas regiões do nosso país onde predomina a grande propriedade, e é também a libertação dos pequenos e médios proprietários; onde quer que eles estejam no território português.

A grande propriedade agrária dá lugar ao absentismo. O absentismo é as pessoas viverem das rendas das terras que muitas vezes nem pisam e estão afastadas da produção. A existência do absentismo significa que uma grande parte do valor criado pelos camponeses com o seu trabalho vai, em forma de renda, para um sector puramente parasita, que até do ponto de vista capitalista não interessaria. Porque leva essa grande massa de valor em forma de renda para os absentistas e grandes proprietários, fica a agricultura sem os recursos para se desenvolver, para investimentos, fica empobrecida. Mais ainda, é que há uma contradição profunda entre os interesses do grande latifundiário absentista e o próprio empresário agricultor, que cultiva a terra, mesmo que ele seja capitalista. Conheço directamente essas situações, em que o dono da terra não fazia investimentos porque só se interessava pela renda. Houve um empresário capitalista que não fazia investimentos porque a terra não era sua; se fizesse os investimentos não teria tempo para tirar deles todo o proveito, e o que lhe aconteceria, dito por pessoas que eu vi, se fizesse investimentos, se melhorasse a terra e a tornasse mais produtiva, o resultado seria que terminado este contrato, que tinha por dez anos, e que estava quase a terminar, a renda era aumentada. Resultado: o dono da terra, latifundiário, cujos direitos através da história têm, sido conhecidos, não faz investimentos; o empresário, ou porque é pequeno ou porque é capitalista não dono da terra, não os faz também. O atraso da nossa agricultura tem esta raiz – um atraso técnico e geral. Somos o País com a mais baixa produtividade na agricultura. Suponho que não estou errado ao dizer que a média da produção de trigo, no nosso país, anda por 10 q por hectare e suponho, também, que em França a média é de 24 q por hectare. Vejamos o que resulta daqui através de dezenas e centenas de anos com estas diferenças. Como é que o nosso país podia ser desenvolvido com estas relações de propriedade? Nestas condições, temos de reconhecer que o predomínio da propriedade latifundiária tem sido um grande factor do nosso atraso geral, porque, efectivamente, empobrecendo a massa camponesa que trabalha nos campos, não lhe dando poder de compra, é uma cadeia que não se move. E, por isso, a reforma agrária será o primeiro elo da cadeia do nosso desenvolvimento geral. Se não tivermos coragem para fazer uma reforma agrária profunda, não servimos o progresso do nosso país. É esta a realidade, é assim que nós devemos ver estes problemas, e é por isso que julgo que é pertinente, nesta Assembleia, quando vamos elaborar uma Constituição, pôr este problema assim, porque a Constituição deve dizer o que é necessário que se diga a respeito deste problema, e não ser de modo a travar a reforma agrária, mas abrir-lhe as possibilidades para que ela vá até às suas últimas consequências. Se no nosso país, em 1834, na altura dos liberais, se tivesse feito uma reforma agrária, na altura em que se terminou com as propriedades de mão morta pelas leis desse ministro, progressivo no seu tempo, Mouzinho da Silveira, ou se, mesmo em 5 de Outubro, a revolução que implantou a República tivesse feito a reforma agrária, muito diferente seria hoje o nosso país. Seríamos muito mais desenvolvidos. Mais ainda, em 5 de Outubro o rei perdeu a coroa, mas não perdeu um palmo das suas vastas propriedades! Isto é, o latifúndio não foi atacado. E porquê? Porque a reacção de então ainda foi mais forte que as forças progressistas! A reforma agrária, de que o País já precisava, não foi feita. Por isso, não sendo a terra tirada aos latifundiários, não se criou a força dinâmica, economicamente progressista, para desenvolver a nossa economia, a nossa riqueza, e não se criou o estrato social que politicamente havia de ter defendido a República. Ficou tudo como dantes, e ficou a predominar a reacção agrária. E, por isso, a reacção depois teve o seu papel na ditadura fascista que conhecemos.

Srs. Deputados: eu penso que, para desembaraçar o nosso país destas dificuldades, é necessário realizar, sem hesitações, uma reforma agrária que liberte o nosso país destas dificuldades, E os partidos aqui representados -nenhum dos quais quer ser o menos combativo pelo socialismo! – devem estar dispostos a dar a sua contribuição para que se faça realmente a reforma agrária de que precisamos.

Que interesses vão ser tocados? Talvez de mil e oitocentos grandes agrários. Em contrapartida, toda a massa camponesa do nosso país, todo o nosso povo, será beneficiado por esta reforma agrária! Põe-se agora o problema, por exemplo: se fazemos a reforma agrária, teremos de dar indemnizações aos grandes agrários que vão ficar sem a terra que a lei lhes vai tirar? Há vários critérios: uns, em consideração aos direitos da propriedade, entendem que os latifundiários devem ser indemnizados. Nós, por exemplo, entendemos que não devem ser indemnizados. Talvez fosse mais justo pôr até o problema: se durante muitos anos, ilegitimamente, exploraram a massa camponesa do nosso país, seria justo e razoável que ainda tivessem que pagar alguma coisa além de perderem as terras.

Uma voz: – Muito bem!

O Orador: – É um critério revolucionário que nós defendemos e que é de votar; e se, no conjunto, esta Assembleia não quiser ir tão longe que tenha, pelo menos, a decisão de dizer que a propriedade latifundiária vai desaparecer e as terras vão ser para o nosso país, para o nosso povo que trabalha a terra – a terra a quem a trabalha, efectivamente -, os que até agora beneficiaram dessa injustiça para coro os camponeses deixem de receber rendas e lucros a que realmente não têm direito. Pois a reforma agrária vai-se fazer; a reforma agrária não é, obrigatoriamente, uma reforma para acabar com os pequenos e médios agricultores; é pelo contrário urna. reforma bem própria de um regime democrático, até porque a propriedade agrária latifundiária está em contradição com o próprio sistema. Quando um lavrador que conheci se via obrigado, porque cultivava terras que não eram suas, a dar uma parte da massa do valor que extraía aos trabalhadores ao senhorio da terra, que não fazia nada, esse lavrador; muito gostaria de não ter que pagar essa renda absoluta, muito gostaria de realmente ficar com ela para investir, para criar condições de maior desenvolvimento para a agricultura. Se um tal sistema existisse entre nós, não seríamos o País agrícola – porque não somos industrial -, e agrícola bastante atrasado que somos. Creio, pois, Srs. Deputados, que o plano de reforma agrária não é uma coisa simples, que não tenha implicações profundas em toda a vida do nosso pais. Se queremos, por exemplo, definir o que é uma política nacional, uma política que defenda os interesses da nossa pátria, que traduza aquilo que nós chamamos patriotismo, amor à nossa terra, será derrubando os latifúndios que traduzimos tais sentimentos. Não é defendendo a persistência deste regime de predomínio da grande propriedade agrária que se defende os interesses do País, que se promove o seu progresso. Sempre foi, realmente, a reacção que defendeu esses interesses. Hoje, forças políticas, pessoas ou partidos, que se oponham. à reforma agrária serão, quer queiram ou não, os continuadores desta reacção, em defesa de interesses que nós consideramos ilegítimos. De forma que temos de ver a reforma agrária não apenas como um acto de justiça para com os camponeses (que o é também), mas como um factor decisivo para o desenvolvimento de toda a nossa vida, e mesmo da cultura. Srs. Deputados: Quando, em 1934, num inquérito bastante bem feito, de que ainda me lembro, uma família camponesa, um casal e dois filhos em idade escolar, tinha como receita total média diária 4$40, -1$10 por pessoa -, e a receita era inferior à despesa, o autor do inquérito interrogava-se: – «Onde vão buscar a diferença?» Emprestado? Pois bem, até este caso não traduzia a situação geral dos camponeses, porque esse camponês, citado no inquérito, tinha uma casa de lavradores, que em atenção ao facto de seu pai ter aí trabalhado sempre, desde criança até velho, e que morreu, lhe diziam: – « Quando não tiveres trabalho noutro lado, vem cá, que se arranja alguma coisa.» Eu, por consequência, não estava ainda na situação geral dos camponeses do Alentejo, que não trabalham mais de metade do ano. Porque os camponeses do Alentejo, 80 %, e noutros casos mais, em alguns concelhos, não têm um palmo de terra, porque a terra está toda na mão de meia dúzia de grandes agrários, e por isso não têm trabalho grande parte do dia.

O Sr. Presidente: – O Sr. Deputado desculpe que o interrompa, mas é só para lhe dizer que faltam 2 minutos para o seu tempo. Aliás, estou a ouvi-lo com muito interesse.

O Orador: – Muito obrigado, Sr. Presidente. De forma que, com esta situação, evidentemente, o nosso camponês tem de emigrar. A reforma agrária, Srs. Deputados, terá imediatamente estas incidências: melhorar o nível de vida da massa camponesa, produzir mais para que nós importemos menos e para que tenhamos mais também, terminar com o desemprego crónico no Alentejo e onde o latifúndio predomina. Ajudar a situação dos pequenos e médios produtores e proprietários agrários dentro do País, reduzir e até eliminar a necessidade da emigração. A reforma agrária, Srs. Deputados, é uma necessidade para o nosso país ‘e se, nesta Constituinte, houver hesitações em deixar na Constituição o necessário para que ela se desenvolva até às últimas consequências, em meu entender, não cumpriremos o nosso dever patriótico. O que nós, Partido Comunista, apresentamos no nosso projecto de constituição a este respeito é conhecido por todos os Srs. Deputados. A diferença entre o que nós pensamos, o que nós dizemos e pomos no nosso projecto e aquilo que cada partido que apresentou também o seu projecto possa dizer. Cabe aos Srs. Deputados analisar. Não vale a pena estar aqui a fazer a análise ao que se diz ou não diz em cada projecto sobre a Reforma agrária. Todos nós conhecemos mutuamente o nosso respectivo projecto. O nosso diz o que nós, Partido Comunista, pensamos acerca da reforma agrária.

Aplausos vibrantes de toda a Assembleia.”

CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo

A verdade e a falsificação da História… ANTÓNIO GERVÁSIO (3ª parte)

Afinal que planos maquiavélicos e de assalto ao poder estavam em curso e o que escondia o PCP em matéria de Reforma Agrária?

Os discursos de António Gervásio e Francisco Miguel, destacados militantes do PCP, combatentes exemplares da luta contra a ditadura fascista, pela LIBERDADE-DEMOCRACIA-SOCIALISMO, proferidos em 15 e 18 de Julho de 1975, na Assembleia Constituinte, na sua qualidade de Deputados Democraticamente eleitos pelos círculos eleitorais de Évora e Beja, respectivamente, sobre o que defendia o PCP em matéria de REFORMA AGRÁRIA, não podem ser mais límpidos e transparentes. São intervenções que, por si só, deitam por terra as sórdidas acusações e vís campanhas anti-comunistas, desenvolvidas contra o PCP , tudo porque, coerente com o seu passado de luta, assumiu, desde a primeira hora, uma clara e coerente posição de apoio à acção revolucionária dos Homens e Mulheres sem terra, que a Terra amavam e queriam trabalhar.

Porque ao abandono ou mal tratada estava a Terra de que pacificamente tomaram posse e puseram a produzir, mais e melhor, em prol do desenvolvimento e bem estar das comunidades a que pertenciam, ao serviço do Povo, da Soberania e da Independência Nacionais.

Delas sublinharei, uma vez publicadas as duas, o que considero mais relevante para o esclarecimento de

A verdade e a falsificação da História”.

Mas nada melhor que ler o que então foi dito e que, qualquer um, pode confirmar, consultando os Diários da Assembleia Constituinte.

O Sr. Presidente: – Tem a palavra o Sr, Deputado António Gervásio.

O Sr. António Gervásio (PCP): – Srs. Deputados: No projecto de Constituição do PCP é dado grande relevo ao problema da reforma agrária, directamente abordado em várias disposições, quer do título II «Organização económica», quer do título I«Princípios fundamentais». Nesta minha intervenção vou responder-vos a essa parte do nosso projecto, que reputamos de maior importância para a construção de um Portugal democrático e socialista. 1. A realização da reforma agrária, que entregue a terra dos latifúndios e das grandes explorações agrícolas capitalistas àqueles que a trabalham, constitui uma das aspirações mais profundas dos assalariados agrícolas e dos pequenos camponeses de Portugal. A consigna reforma agrária não é uma consigna colocada pelo Partido Comunista Português depois do 25 de Abril. A reforma agrária faz parte dos objectivos e da luta do, meu Partido ao longo dos anos da ditadura fascista. Encontramo-la consagrada na imprensa clandestina desses longos anos, consagrada no programa do meu Partido aprovado em 1965. 2. A existência dos latifúndios tem sido uma das bases económicas e sociais importantes do fascismo e da reacção em Portugal. A realização da reforma agrária é condição indispensável para a liquidação total do poder dos grandes senhores da terra e para a transformação democrática da sociedade portuguesa; é condição indispensável para a vitória total da nossa revolução a caminho do socialismo. Sem a realização da reforma agrária não é possível arrancar do atraso e da miséria as populações camponesas; não é possível transformar a nossa agricultura atrasada e arruinada numa agricultura avançada e próspera, base indispensável ao desenvolvimento de uma economia nacional independente e ao bem-estar crescente do povo português. 3. Ao longo da noite fascista o Partido Comunista Português sempre esteve firmemente ao lado daqueles que regam a terra com o seu suor, na luta constante contra o desemprego, por melhores jornas e condições de trabalho, na luta pelo conquista das oito horas de trabalho; sempre esteve ao lado dos pequenos e médios camponeses na luta contra os grandes senhores da terra, contra os grémios, juntas e federações; contra a falta de crédito e de ajuda técnica; na luta contra o roubo dos «baldios» e pela entrega dessas terras aos seus legítimos donos. Ao longo do reinado fascista, não há grandes lutas do proletariado agrícola do nosso país e dos camponeses pobres onde a influência e o papel de organização do PCP não estejam estreitamente vinculados. 4. A Revolução do 25 de Abril trouxe aos que trabalham a terra a certeza de verem realizado nos nossos dias o seu grande sonho: a realização imediata da reforma agrária. Portugal está dividido em duas grandes zonas: ao sul, temos o grande latifúndio com muitas centenas e milhares de hectares de terra de um só senhor ou de uma só família. Ao norte, temos a pequena e muito pequena propriedade. No que se refere à concentração da terra, o que caracteriza Portugal não é a pequena propriedade, mas sim o grande latifúndio. Por exemplo: 3 % do total das explorações agrícolas, ou seja, 2600, têm mais terra do que 780000 explorações, mais terra do que 97% do total dessas explorações agrícolas! No Sul de Portugal estão situadas as maiores herdades da Europa capitalista, como, por exemplo, as herdades de Palma (16 000 ha), Comporta (29 000 ha), Rio Frio (17 000 ha), Machados (6000 ha), Companhia das Lezírias (mais de 30 000 ha), Casa Cadaval (15 000 ha), etc., e muitas outras, na sua maioria incultas ou mal aproveitadas. Na opinião do PCP não haverá em Portugal uma só reforma agrária, mas, digamos, duas reformas agrárias. Na zona da grande propriedade a reforma agrária passa pela expropriação dos latifundiários e das grandes explorações agrícolas capitalistas. Os limites da expropriação são determinados por lei, de acordo com a natureza dos terrenos, dos tipos de cultura e outros. O PCP defende que as expropriações dos latifúndios e das grandes explorações agrícolas capitalistas sejam levadas a cabo sem indemnização. Defende que as terras expropriadas sejam entregues aos assalariados agrícolas e aos camponeses pobres, sem terra ou com pouca terra, para serem exploradas em forma de cooperativas, e noutros casos entregues ao Estado para serem exploradas em grandes herdades estatais. Na zona da pequena e média propriedade a reforma não passa pela expropriação do pequeno e médio campesinato. Aí a reforma agrária não consiste em tirar a terra, mas, ao contrário, dar-se terra a quem tem pouca ou não tem nenhuma e dar ajuda financeira e técnica.A reforma agrária não tira a terra aos pequenos e aos médios camponeses, como a reacção propaga aos quatro ventos. O PCP defende que a reforma agrária se faça com a participação activa dos assalariados agrícolas e dos pequenos e médios camponeses e de acordo com a sua vontade. Defendemos o respeito da propriedade dos pequenos e médios camponeses. 5. Porém, a reforma agrária não consiste apenas na expropriação dos grandes latifundiários e entregar a terra a quem a trabalha. A reforma agrária consiste igualmente na ajuda do Estado às novas cooperativas e explorações agrícolas, aos pequenos e médios camponeses, concedendo créditos em condições favoráveis, fornecendo máquinas agrícolas, sementes, gados, adubos, pesticidas; acabando com formas feudais de exploração, como foros, parcerias e outros; perdoar as dívidas usurárias dos camponeses pobres; alargar as isenções de impostos ao campesinato pobre, estabelecendo um sistema progressivo de contribuição predial rústica segundo o princípio «paga mais quem mais tiver». A reforma agrária consiste também no fomento de parques de tractores e máquinas agrícolas, construção de silos, adegas, lagares, barragens, electrificação rural, construção de estradas, construção de escolas e institutos e formação de milhares de especialistas agrícolas. Consiste na formação de cooperativas de comercialização que assegurem em condições eficazes a compra dos produtos agrícolas por preços compensadores e o fornecimento à agricultura dos produtos necessários. 6. O proletariado agrícola do Sul foi um dos baluartes de vanguarda da luta contra o fascismo. Por isso, pagou caro, com milhares de prisões e espancamentos, vários assassinatos, como Catarina Eufemia, Germano Vidigal, José Adelino dos Santos, José António Patuleia, Alfredo Lima e outros; pagou caro, com salários de fome e condições de trabalho desumanas impostas pelos grandes agrários e pelo fascismo. O proletariado agrícola do Sul conta hoje com uma elevada consciência política, …

O Sr. Amândio de Azevedo: – E o do Norte também!

O Orador: – … com um elevado sentimento de patriotismo e com uma rica experiência de organização que lhe permite poder participar, com eficiência, numa das mais históricas tarefas da nossa Revolução – a realização da reforma agrária. Os assalariados agrícolas do Sul, aliados com os pequenos camponeses, estão nas primeiras linhas da luta pela reforma agrária no nosso país. Após o 25 de Abril, os trabalhadores agrícolas e pequenos camponeses, em contacto com organismos oficiais como o IRA e com as forças armadas, têm lutado para que as grandes herdades abandonadas pelos agrários, ou mal aproveitadas, sejam cultivadas. Neste momento, mais de 120 000 ha de terra de grandes herdades do Sul estão sob o contrôle dos trabalhadores e pequenos camponeses. Com mil sacrifícios eles têm procurado cultivar essas terras incultas, semeando milho, arroz, feijão, girassol, plantando tomate, criando gado, etc. 0 proletariado agrícola do Sul está dando provas de elevado amadurecimento político. Apesar das suas condições de vida não serem nada boas, não o vemos a fazer reivindicações empolados, irrealistas, a fazer greves ou manifestações de rua hostis ao processo revolucionário em curso. Não! Vêmo-lo voltado para a batalha da produção, para a construção de um Portugal democrático e socialista, trabalhando semanas e semanas sem os agrários pagarem um tostão, ou passando meses no desemprego, ou trabalhando nas herdades controladas sem salários ou com subsídios baixos. Se não fosse a luta firme dos assalariados agrícolas, o povo português teria este ano menos trigo, menos cevada, menos milho, as terras estariam mais incultas, a reforma agrária estaria mais atrasada, a sabotagem económica dos agrários seria bem maior. 0 projecto de Constituição do PCP consagra as bases fundamentais de uma reforma agrária de acordo com os princípios atrás referidos. Assim: Logo no artigo 8.º, alínea b), do nosso projecto de Constituição se indica entre as funções e tarefas de organização económica e social do Estado a de «realizar reforma agrária pela expropriação do latifúndio e das grandes explorações capitalistas segundo o princípio a terra a quem a trabalha, respeitando a pequena e média propriedade da terra». Por outro lado, no título sobre organização económica vêm suficientemente desenvolvidos os princípios fundamentais da reforma agrária, tais como: expropriação dos latifúndios, nacionalização das grandes explorações capitalistas, formas de exploração das terras expropriadas (ou pelo Estado, ou por cooperativas de agricultores e assalariados agrícolas, ou por exploração familiar, de acordo com os interesses da economia nacional e com a vontade das massas camponesas e das suas organizações), etc. Finalmente, o nosso projecto não deixa de prever que a expropriação dos Latifúndios e dos grandes proprietários não dê lugar a qualquer indemnização. Pensamos que entre a reforma agrária preconizada pelo PCP e a referida nos projectos de Constituição de outros partidos existem assinaláveis diferenças, em diversos pontos fundamentais, tais como o problema das herdades estatais, as indemnizações, o princípio da expropriação obrigatória dos latifúndios, o respeito pela vontade das massas camponesas. A proposta da reforma agrária contida no nosso projecto de Constituição reflecte os interesses dos assalariados agrícolas e dos pequenos e médios camponeses e é garantia de que, uma vez consagrada, teremos efectivamente uma verdadeira reforma agrária que entregue a terra a quem a trabalha.”

CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo

A verdade e a falsificação da História(2ª parte)

O PCP, ao contrário de auto-intitulados pais da democracia, nunca escondeu o que defendia para a sociedade portuguesa, nem antes, nem depois do 25 de Abril de 1974. Defendeu sempre, sem ambiguidades neocolonialistas, o direito à auto-determinação e independência dos povos colonizados; a liquidação dos monopólios e a nacionalização dos sectores básicos e estratégicos da economia; a liquidação dos latifúndios e a expropriação dos grandes agrários capitalistas, através de uma Reforma Agrária que entregasse a terra a quem a trabalhava, (os camponeses, conceito abrangente que considerava: os trabalhadores agrícolas assalariados e os pequenos agricultores com pouca ou nenhuma terra como sucedia com os seareiros e ao alugadores de máquinas por conta própria) de acordo com a vontade que estes viessem livremente a exprimir. Tudo isto, a par do desmantelamento do Estado fascista, e sua substituição por instituições representativas do Estado, democraticamente eleitas pelo Povo Português, por sufrágio directo e universal.

A posição do PCP foi sempre uma posição clara e transparente como se poderá verificar pela leitura dos seus sucessivos programas, aperfeiçoados ao longo dos anos; pelas Resoluções Políticas dos seus Congressos e Conferências; pelos documentos do seu Comité Central; pelos discursos dos seus principais dirigentes e pela sua prática centenária.

O PCP, ao contrário do que fizeram o PS e o PSD, a quem se atrelaria o CDS, nunca violou, muito menos traiu, os pactos firmados entre o MFA e os partidos com assento nos Governos Provisórios. Como não violou ou traiu a Constituição da República Portuguesa, aprovada a 2 de Abril de 1976, com os votos favoráveis de todos os Partidos com assento nos Governos Provisórios PS, PSD, PCP e MDP contra a qual só votou o CDS.

A relação do PCP com os militares de Abril, organizados no MFA, foi sempre de apoio e respeito pelas decisões das suas estruturas representativas, empenhando-se sempre no sentido de preservar a sua unidade, colocando-lhes sempre com verdade, lealdade e frontalidade as suas opiniões.

Na Assembleia Constituinte, o PCP teve sempre uma intervenção clara e coerente com o expresso no seu programa e com as declarações públicas dos seus principais dirigentes, propondo, defendendo e votando favoravelmente todas as propostas que melhor garantissem as mais amplas liberdades e direitos fundamentais de todos os cidadãos, dando particular atenção aos direitos dos trabalhadores, como o testemunham as actas dos debates disponíveis nos Arquivos Históricos da Assembleia da República relativos à Assembleia Constituinte. Dessas posições, sobre a REFORMA AGRÁRIA, darei nota na 3ª parte deste capítulo.

Dos Partidos com maior representação na Assembleia Constituinte, que subscreveram em 1976, o pacto com os representantes do MFA, no sentido de garantir o respeito e cumprimento da Constituição da República, que iria ser votada pouco tempo depois, pacto que para além do PS, PSD, PCP, MDP, também o CDS subscreveu, apenas o PCP pode afirmar e comprovar, de forma irrefutável, com justificado orgulho, ter sido sempre fiel aos compromissos então assumidos, pautando sempre a sua intervenção no sentido do cabal cumprimento da Constituição e no respeito pelas instituições representativas do Estado de Direito Democrático nela inscritas e eleitas por sufrágio directo e universal pelo Povo Português.

Só quem por ter a consciência pesada pelas traições cometidas, por má-fé e/ou anti-comunismo primário, ainda prevalecente em sectores menos esclarecidos e desinformados da sociedade, pode afirmar o contrário, mas sempre sem nada que o possa demonstrar.

Não será por acaso que, para atacar o PCP, raramente se invocam factos ou situações relacionadas com a realidade portuguesa. Sobre esta recorre-se à mentira e à falsificação da verdade, optando os anti-comunistas de todos os matizes e quadrantes por invocar situações doutros países, ou factos históricos, cuja realidade os portugueses em geral desconhecem e cuja justificação ou explicação exigiria longos e aprofundados debates que os “média” ao serviço do capital nunca irão promover.

Quem luta pela liberdade, contra a exploração e opressão capitalista, facilmente é apodado de “terrorista”, “perigoso agitador”, ou, na sua forma mais simpática de malvado comunista que não respeita a nossa “liberdade” e a nossa “democracia” e só sonha em impor a sua ditadura, logo tem que ser combatido, sempre que necessário, pela democrática repressão das baionetas ou pelas não menos democráticas e inteligentes bombas que só causam pequenos danos colaterais de milhares de mortos. Quem serve o capital, mesmo que recorrendo à mais violenta e terrorista repressão sobre o seu próprio Povo, é amigo, “combatente da liberdade” e “defensor da democracia”, como tal apelidado e agraciado.

Para levar a água ao seu moinho não faltam analistas e comentadores encartados que pululam nas televisões, rádios e imprensa escrita, onde, diariamente despejam as suas verdades e impõem as suas agendas, quantas vezes, para não dizer em geral, escamoteando o contraditório e silenciando ou manipulando descaradamente as posições de quem se lhes opõe.

Assim tem sido com a verdade e a falsificação da História da “REFORMA AGRÁRIA-a Revolução no Alentejo” e Sul do Ribatejo e da “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo.

Falsificações sobre falsificações, mentiras sobre mentiras, que é preciso continuar a combater, combater, combater sempre, com a VERDADE.

Admitir que tudo o que foi ocorrendo após o 25 de Abril de 1974 fazia parte de um plano maquiavélico de assalto ao poder pelos comunistas não só é totalmente falso, como é absolutamente ridículo para quem se queira dar ao trabalho de refletir sobre tamanha e abstrusa e e não fundamentada barbaridade. Seria admitir que a comprovada sabotagem, praticada pelos grandes agrários capitalistas e latifundiários, tinha sido desenvolvida por orientação dos comunistas, por forma a justificar as ocupações, que se tornaram inevitáveis para salvaguardar e garantir o processo produtivo, o direito ao trabalho e o cumprimento das Convenções de Trabalho, para defender a própria Liberdade e democracia. Que a criminosa e comprovada fuga de capitais e valores para o estrangeiro, feita através e com a cumplicidade, sobretudo, dos banqueiros do regime fascista, tinha sido organizada por decisão do PCP, para justificar a nacionalização da Banca. Seria admitir que o abandono e actos de sabotagem constatados em inúmeras empresas de Norte a Sul do País, eram acções dos patrões organizadas a mando do PCP, para justificar a sua ocupação pelos trabalhadores, e por aí adiante.

Lamentável é que haja quem, afirmando-se historiador/historiadora, investigador/investigadora, jornalista ou comentador, na sua pequenez preconceituosa e anti-comunista, passe o tempo a procurar e/ou invocar um ou outro depoimento isolado de um ou outro trabalhador descontente, mesmo que sem razão para tal descontentamento, para validar as suas teses pré-concebidas, historiando a árvore que querem ver, repetindo-se em mútuas citações, ignorando factos essenciais e milhares de depoimentos contrários que possam pôr em causa o que erradamente afirmam ou já afirmaram, fechando os olhos à floresta que não querem ver, servindo objectivamente, quando não também subjectivamente, quem tem a pretensão de escrever a história, falsificando-a, de acordo com o discurso dos mandantes de cada momento.

A Verdade é que, tal como o PCP previu e preveniu desde a primeira hora, os beneficiários do fascismo e seu suporte, grupos monopolistas, latifundiários e grandes capitalistas, não se conformaram com a perda do seu Estado fascista, que protegia e garantia a defesa dos seus escandalosos, inaceitáveis, quando não criminosos privilégios, pelo que reagiram, tudo fazendo para impedir que o 25 de Abril de 1974 fosse para além de um golpe militar de apoio ao projecto neoliberal e neocolonialista preconizado pelo General Spínola. Nisso apostou, aliás, Marcelo Caetano, quando lhe entregou o poder, que já não tinha, porque vitoriosos já eram os capitães de Abril, para evitar que o mesmo caísse à rua, ou seja, nas mãos do Povo.

O PCP o que fez, usando a Liberdade conquistada, no respeito pelo Programa do MFA e dos pactos que com este subscreveu, foi alertar para as manobras que se foram desenvolvendo contra o 25 de Abril, divulgando as suas propostas e o seu programa político, contribuindo, com a sua longa experiência e a dos seus quadros, saídos da clandestinidade, a que novos quadros se juntaram, para a organização e mobilização dos trabalhadores em defesa dos seus direitos elementares e contra as manobras de que estes se iam apercebendo e denunciando, inscrevendo nos seus discursos a necessidade de lhes dar combate.

O PCP, enquanto Partido responsável e fiel aos compromissos assumidos, não fomentou as primeiras ocupações. Estas não resultaram de qualquer plano maquiavélico pré-concebido e muito menos constituíram parte de qualquer plano de assalto ao poder como procuraram, e ainda hoje procuram fazer crer, alguns os seus adversários e inimigos.

A REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” e Sul do Ribatejo não teve início em obediência a qualquer orientação da Direcção do PCP. Isso sim, seria uma manifesta violação dos compromissos e da palavra dada pelo PCP ao MFA.

As ocupações, repito-o mais uma vez, começaram por iniciativa dos trabalhadores, a 10 de Dezembro de 1974, por proposta do Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Distrito de Beja. As ocupações foram a resposta natural, necessária e revolucionária que a Legalidade Revolucionária, instituída com o vitorioso 25 de Abril de 1974 ,exigia para defender a Liberdade e a jovem Democracia em construção, que a sabotagem de latifundiários e grandes agrários capitalistas ameaçava.

Aos responsáveis do PCP em Beja, Edgar Correia e João Honrado, foi dado conhecimento da situação extrema que se vivia no Monte do Outeiro, da política de terra queimada que o fascista José Gomes Palma pretendia implementar com a venda do pouco que ainda existia na herdade e da resposta que a Direcção do Sindicato, cujos principais responsáveis eram militantes do PCP, considerava necessária para fazer face à mesma. Estes chamaram a atenção para o risco que tal acção poderia desencadear e condicionaram a decisão da Direcção do Sindicato à aceitação da proposta, primeiro por todos os militantes do Partido de Santa Vitória e, havendo unanimidade nestes (o que se veio a verificar na reunião realizada na Casa do Povo de Santa Vitória, a 9.12.1974, em que participei como dirigente sindical e membro do Partido que era) ser a mesma apresentada a todos os trabalhadores que estavam na exploração da Herdade só devendo avançar-se para a ocupação, e dar início aos trabalhos necessários à salvaguarda do processo produtivo, se a proposta fosse aprovada por todos os trabalhadores, os efectivos que já lá trabalhavam e os que lá haviam sido colocados ao abrigo da Convenção Distrital, que José Gomes Palma não queria aceitar.

Na manhã de 10 de Dezembro de 1974, em Plenário com todos os trabalhadores, coube ao Francisco Batista, da Direcção do Sindicato, apresentar a proposta que, uma vez discutida, foi votada favoravelmente por todos os trabalhadores presentes. De fora ficou o feitor. Estava dado o primeiro passo dessa épica arrancada da que, mais do que uma Reforma, foi uma Revolução. (ver Capítulo IV de “Reforma Agrária – A Revolução no Alentejo” páginas 105 e seguintes).

Talvez seja oportuno deixar claro, de uma vez por todas, que as ocupações também não obedeceram a qualquer fantasiosa orientação do COPCON, de que era comandante Otelo Saraiva de Carvalho, militar de Abril respeitado e conceituado entre os trabalhadores agrícolas alentejanos, como o foram sempre todos os militares de Abril, a quem o Sindicato, a exemplo do que fazia com todas as instituições, sempre fez chegar os seus comunicados com as denúncias das malfeitorias que iam verificando e as decisões que foram sendo tomadas pelo Sindicato, mas de quem nunca recebeu qualquer garantia de não intervenção da GNR no processo das ocupações e muito menos orientações no sentido de avançar para as mesmas.

A VERDADE é que, quando se avançou para as primeiras ocupações, por decisão dos trabalhadores, por proposta do seu Sindicato, não havia sequer qualquer garantia de apoio às mesmas por parte do MFA.

Muito menos foram iniciadas pelo PRP-BR como terá afirmado Carlos Antunes, seu dirigente, ao jornal o Público, a 18 de Novembro de 2000, em entrevista a Isabel Braga, em que, a dado passo afirma:Sim. A primeira ocupação de terras no Alentejo, em 1974, fomos nós, PRP, que a fizemos e pedimos apoio a um militar de Abril, o capitão Calvinho. Ele apareceu lá, à paisana, é dito aos camponeses que ele era um militar de Abril, e o PCP mandou-o prender como falso capitão. o que não passa da mais descarada falsidade.

Por outro lado, não reconhecer a “Legalidade Revolucionária” resultante do 25 de Abril de 1974, questionar a legitimidade das conquistas alcançadas pelo Povo Português ao abrigo da mesma, classificando a acção patriótica dos trabalhadores contra a sabotagem de “ocupações selvagens” e “ilegais” porque feitas à margem de qualquer lei, escamoteando a razão pelas quais as mesmas se tornaram uma necessidade, e invocar o facto dos sindicatos agrícolas ainda não estarem legalmente formalizados de acordo com a Lei (só se fosse a fascista que os não reconhecia, já que outra ainda não existia) ou o facto da ALA poder não representar todos os agricultores, para questionar e concluir pela ilegitimidade das convenções de trabalho livremente assinadas e questionar o reconhecimento e papel dos jovens sindicatos agrícolas junto e nas instituições e fora delas, como faz António Barreto, é sem dúvida uma excelente anedota para contar aos nossos netos.

Já só nos falta ouvir António Barreto invocar a ilegalidade da acção libertadora dos Heróicos Capitães de Abril que, contra o determinado na Lei, sem dispor de mandato do governo, nem autorização das hierarquias militares superiores, a famosa “Brigada do Reumático” que dias antes prestara vassalagem a Marcelo Caetano, ousaram sair à rua e derrubar “ilegalmente” o “estado de direito fascista” que a Constituição Salazarista de 1933 consagrava.

CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo, testemunho de quem viveu os tempos de Liberdade e de Legalidade Revolucionária, resultantes do 25 de Abril de 1974, insere-se nesse combate constante que é preciso prosseguir contra a manipulação e falsificação da História e o ocultamento da verdade a que o Povo Português tem direito.

Como diz o Povo “a verdade é como o azeite e como o azeite ao cimo virá” e, com A VERDADE,esperemos que venha a justa Homenagem aos que “levantados do chão”, no exercício da Liberdade, resultante da acção corajosados militares de Abril, e no quadro da Legalidade Revolucionária por estes instituída, assumiram de pleno direito a sua cidadania, tomando em suas mãos, de forma ordeira e pacífica, a posse e uso da terra que amavam e que sempre quiseram trabalhar, colocando-a, de forma altruísta eexemplar, ao serviço de toda a comunidade, da soberania e independência nacionais.