“REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” e Sul do Ribatejo

Independentemente de algumas clarificações e chamadas de atenção oportunas que não deixarei de fazer, penso que será importante visualizar o trabalho sobre a “Reforma Agrária” de Margarida Metelo, realizado em 2016, cujo link se segue e que escolhi para abrir a página “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” e Sul do Ribatejo.

Página inserida no sítio

onde irei disponibilizar documentação e trechos de “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”, livro que escrevi após a minha saída da Assembleia da República, entre 2010 e 2013, que ofereci ao meu Partido e que foi publicado através da editora “página a página” em Novembro de 2013.

Trata-se de um trabalho importante pelos testemunhos disponibilizados sobre o que era a vida dos trabalhadores agrícolas até 25 de Abril de 1974, sobre o que foi o início do processo, as motivações e os objectivos Patrióticos que animavam os trabalhadores da terra (assalariados, seareiros, alugadores de máquinas e rendeiros) ao assumir a posse e uso da terra.

https://www.rtp.pt/play/p2888/e256577/reforma-agraria?fbclid=IwAR0WQngHUBqa5S-HbJa2Y97qpN2DiKGW-zdeOR8UNHdQgBeHUTgPJMKn430

10.12.1974 – A PRIMEIRA OCUPAÇÃO

10 de Dezembro de 1974 é a data Histórica em que tem início uma das belas e importantes conquistas da Revolução de Abril, a “menina dos olhos da Revolução”, a “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”.

É A DATA DA PRIMEIRA OCUPAÇÃO DE TERRAS NO ALENTEJO APÓS O 25 DE ABRIL DE 1974. A resposta necessária que iria aplicar-se em toda a Zona do Latifúndio para travar as manobras contra a jovem democracia de Abril, que grandes agrários tentaram repetidamente pôr em causa.

O primeiro dos passos, porque outros se lhe seguiram, invocados por Álvaro Cunhal, no comício de encerramento da Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, promovido pelo PCP, que teve lugar em Évora, a 9 de Fevereiro de 1975, quando afirma: “Vivemos um momento histórico nos campos do Sul. Pelas mãos dos trabalhadores, a Reforma Agrária deu os primeiros passos.”

A decisão de avançar para a ocupação da Herdade do Monte do Outeiro, freguesia de Santa Vitória, concelho de Beja, aprovada por unanimidade pela dezena de militantes do PCP, reunidos na noite de 9 de Dezembro de 1974, na Casa do Povo de Santa Vitória, foi determinante para, na manhã do dia seguinte, 10 de Dezembro de 1974, no Plenário com todos os Trabalhadores da Herdade, se avançar com a audaciosa e revolucionária proposta da Direcção do Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Distrito de Beja, no sentido de se avançar para a ocupação e dar início aos trabalhos necessários à salvaguarda do processo produtivo.

Histórica decisão, porque sem a aprovação por unanimidade dos militantes do Partido, tal proposta não teria sido levada ao Plenário do dia seguinte onde mais uma vez se verificou a unanimidade. Assim havia ficado acordado na reunião realizada dois dias antes, a 7.12.1974, entre os membros do Partido da Direcção do Sindicato (José Soeiro, Manuel Godinho e Francisco Batista) e os camaradas Edgar Correia e João Honrado, responsáveis pelo trabalho de Direcção do Partido no Distrito de Beja.

Pela primeira vez, na sua já longa história, militantes do PCP decidiam levar à prática a sua velha consigna: A TERRA A QUEM A TRABALHA!

Deste primeiro passo trata em pormenor e de forma documentada o Capítulo IV de “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”, para acesso ao qual basta clicar na imagem desta publicação.

26.1.1975 – A ASSEMBLEIA DISTRITAL DE DELEGADOS E DIRIGENTES DO SINDICATO DOS TRRABALHADORES AGRÍCOLAS DO DISTRITO DE BEJA E A SUA HISTÓRICA DECISÃO DE “DAR INÍCIO À REFORMA AGRÁRIA”

O V Capítulo de “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” que se segue, que constituiu o 2º grande passo na caminhada pela mais bela e acarinhada das “Conquistas da Revolução”, voltou a não merecer qualquer referência ou iniciativa especial que sublinhasse o relevante e determinante papel que o Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Distrito de Beja e os seus milhares de associados tiveram no processo da Revolução Agrária de Abril.

É para mim uma situação absurda e incompreensível. Como se deliberadamente se quisesse apagar esta realidade da História do movimento camponês e, em particular, do revolucionário proletariado agrícola do distrito de Beja. Situação tanto mais absurda e incompreensível quanto é sabido que são factos essenciais para a compreensão das motivações que levaram os trabalhadores à acção revolucionária das ocupações sem as quais graves prejuízos teriam resultado para a economia mas, sobretudo, para a consolidação da jovem democracia então em construção.

Sendo os factos do domínio público e inscritos nas páginas da comunicação, incluindo registados pela Televisão, não se compreende o que pode justificar tanta e, em minha opinião, tão grande desatenção.

Os 50 anos do 25 de Abril de 1974, Dia da Liberdade, aproximam-se, com eles os 50 anos da ocupação do Monte do Outeiro, na freguesia de Santa Vitória, concelho e Distrito de Beja, a 10.12.1974. Pouco mais de um mês depois, os 50 anos da Assembleia de Delegados Sindicais do Distrito de Beja que teve lugar na Sociedade Capricho Bejense, na cidade de Beja, no dia 26.1.1975… Espero que quem por cá andar nessas datas acompanhe a forma como as mesmas irão ser tratadas e não deixe de fazer alguma coisa para lhes dar a merecida visibilidade.

José Soeiro

1 de Fevereiro de 2022  · Conteúdo partilhado com: Público

QUE FAZER?

…CAMARADA!” A magia de uma só palavra…

Os factos de que hoje dou conhecimento, ocorreram precisamente há 47 anos, a 1 de Fevereiro de 1975. São factos que, para evitar leituras perversas, não incluí deliberadamente em “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”…

Faço-o hoje em “O TEU, O MEU, O NOSSO, DOS TRABALHADORES, DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA” porque ele encerra algumas lições políticas que poderão ser úteis para quem sobre eles quiser fazer alguma reflexão.

Faço-o hoje porque, como então, estamos numa situação complexa, difícil, em que, para muit@s, certezas de ontem podem ser incertezas de hoje, em que mesmo os melhores de entre nós podem errar nos seus juízos e avaliações, logo, numa situação que exige muita serenidade e, sobretudo, muita confiança entre TOD@S @S camaradas, pois, estou disso convicto, todas as decisões tomadas, pela Direcção do Partido, certas ou erradas, são sempre tomadas na convicção de que são as decisões melhores para servir o que a todos une, a luta permanente, pelos ideais da LIBERDADE- DEMOCRACIA-SOCIALISMO.

Errar não é crime e até os melhores podem errar…

Como dizia o Camarada Álvaro, mais do que auto-críticas e flagelos na praça pública, o importante é aprender nos erros e não voltar a comete-los.

Por essa razão, mais do que entrar em acusações e disputas entre Camaradas sobre o acerto ou desacerto das decisões tomadas, mais do que as estapafúrdias divisões entre bons e maus comunistas, entre reformistas ou revolucionários, o que se impõe fazer é perceber o profundo significado que a palavra “Camarada!” deve ter para quem se afirma Comunista e, naturalmente, chamar todo o Partido à reflexão necessária, que se impõe fazer sem dramatismos, sem exaltações e muito menos com desesperos que sempre foram maus conselheiros.

Até lá é preciso acabar com todas as actividades fraccionárias e projectos cisionistas…

À Direcção do Partido de tomar em mão a organização da reflexão necessária e urgente que a situação reclama…

O Povo deixou um sinal claro que quer ser governado à esquerda porque como de esquerda lhe foi apresentada a solução da geringonça… as diferentes manipulações mediáticas e institucionais da crise desnecessária, criada por Marcelo e António Costa, penalizou a esquerda consequente e facilitou a maioria absoluta do PS. A nós agora a arte e o engenho para, COM CONFIANÇA, gerir, na nova situação criada, este facto objectivo, para afirmar e alargar o apoio ao projecto/programa alternativo de que dispomos para a sociedade portuguesa.

Há quem subestime as eleições… e a intervenção do Partido nas instituições… Marx e Lenine, e no nosso País o PCP e o Camarada Álvaro Cunhal, que eu saiba não o faziam… mas isto é conversa para outro momento…

Por agora fiquemo-nos pela lealdade, frontalidade e confiança que deve estar sempre presente na relação entre Camaradas. Assim o exige a justa luta que travamos há um século contra a exploração e opressão do nosso Povo, pela LIBERDADE- DEMOCRACIA-SOCIALISMO.

Que a magia da palavra de FRANCISCO MIGUEL a tod@s motive…

força “…CAMARADA!”

Ao Francisco Miguel Duarte. O Camarada “Chico Miguel”. Esse extraordinário Camarada, que, sob o seu corpo franzino e de baixa estatura, albergava o Homem Grande, Revolucionário exemplar, que, por amor à Liberdade, à Democracia, ao nobre ideal comunista de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária, ideal que desde muito jovem abraçou e pelo qual lutou toda a sua vida, sacrificou constantemente a sua própria liberdade, legando-nos um testemunho ímpar de coragem, determinação, coerência e confiança na luta.

Dotado de uma vontade férrea, testada no muro de silêncio com que respondeu às brutais torturas que lhe foram infligidas nas prisões fascistas, tentativa vã de o levar a denunciar os seus camaradas e as actividades do Partido, o “Chico Miguel” foi, continua a ser, para mim, no fundamental, um exemplo do que é um Comunista. Humanista, modesto, de uma lealdade a toda a prova. Revolucionário, sempre.

“Eu não estou velho, o que tenho é muitos anos de experiência”. Resposta pronta e firme à camarada que na Soeiro Pereira Gomes fez o comentário “Ai o camarada Chico está tão velhote”.

Tinha então ultrapassado os 80 anos. Um Revolucionário não envelhece, acumula anos de experiência e de conhecimento. Um Revolucionário como o “Chico” nunca se esquece. A história que se segue foi o princípio de uma longa, profícua e sã camaradagem que duraria até ao último dia da sua vida.

“…CAMARADA!” a magia de uma só palavra…

Quando o “António” (pseudónimo da clandestinidade, do por nós batizado “o Bigodes”, de nome real Edgar Correia, então responsável pela organização do Partido em Beja, me convocou para ir ao Centro de Trabalho reunir com um dirigente do Partido, longe de mim estava a ideia de que quem desejava falar comigo era, nada mais, nada menos, que Francisco Miguel. Um histórico membro do Comité Central. Um mito vivo da resistência, da luta pela liberdade e pela democracia. 22 anos passados nas cadeias fascistas. Quase tantos quantos eu tinha então de vida. Testemunho vivo da coragem e da capacidade de um ser humano resistir às mais bárbaras torturas físicas a que recorriam os mais refinados torcionários da tenebrosa polícia política de Salazar, a famigerada e de triste memória PIDE/DGS.

Em vésperas da manifestação distrital que ia ter lugar no dia seguinte, 2 de Fevereiro de 1975, frente às piscinas, em Beja, promovida pelo Sindicato a que então presidia, manifestação aprovada na célebre Assembleia Distrital de Delegados Sindicais de 26 de Janeiro, a oito dias do 1º Encontro dos Trabalhadores Agrícolas do Sul que iria ter lugar em Évora, por iniciativa do Partido, depressa a surpresa deu lugar a uma secreta e enorme satisfação.

A presença do “Chico Miguel” e a sua disponibilidade e vontade de comigo falar não podia significar outra coisa que não fosse o seu apoio à nossa luta. Decerto que iríamos falar sobre a manifestação, a intervenção e a declaração construída no Partido, que nela pensávamos aprovar, bem como sobre a histórica decisão de “Dar início à Reforma Agrária”, entusiasticamente aprovada seis dias antes na Sociedade Capricho Bejense e aclamada sob a velha consigna do PCP “A TERRA A QUEM A TRABALHA”.

Feitos os cumprimentos da praxe, instalados frente a frente na pequena sala de trabalho do “António” e com a presença deste, depressa compreendi que era de Reforma Agrária que íamos falar.

Aliás, a primeira questão, não podia ser colocada de forma mais directa e precisa, nem deixar qualquer margem para dúvidas.

“Camarada. Tu sabes o que é a Reforma Agrária?” Foi desta forma incisiva e num tom particularmente sério que o Chico iniciou a conversa. Surpreso pela forma e pelo tom, mas tranquilo, lá respondi, com alguma timidez, que “sim”. Que era um dos pontos mais importantes do Programa do Partido, um pilar da revolução democrática e nacional e que consistia na liquidação do latifúndio e na entrega da terra a quem a trabalha.

Palavras não eram ditas e já a segunda pergunta me era colocada, no mesmo tom sério e incisivo. “E tu sabes, camarada, como se faz a Reforma Agrária?” Mais uma vez, mas com crescente surpresa, lá respondi que sim. Que era através de uma lei que expropriaria os latifúndios e que determinaria as condições da entrega das terras expropriadas aos trabalhadores e aos pequenos agricultores.

“E tu sabes, camarada, quem faz e aplica essa lei?” Foi a pergunta que se seguiu no imediato. Atónito, perante o silêncio do “António”, sem compreender muito bem onde o “Chico” queria chegar, lá dei a minha resposta, ou seja, “quem faz e aplica a lei é o governo”.

Ainda a palavra governo ecoava no ar e já o “Chico” me bombardeava com nova pergunta. Nada mais, nada menos, que: “E tu achas, camarada, que vocês são governo para decidir dar início à reforma agrária e fazer o que andam a fazer?”

Olhei de forma interrogativa para o “António” mas o seu mutismo depressa me fez compreender que era a mim que cabia responder. A crítica, essa, não podia ser mais evidente. Não compreendi a razão de tal crítica. Muito menos a aceitei. Senti que crescia em mim a revolta. Afinal, todas as acções que vínhamos desenvolvendo, desde a 1ª ocupação do Monte do Outeiro com 775 hectares, a 10 de Dezembro de 1974, às ocupações que se lhe seguiram, Corte Condença- 1520 hectares em Quintos, Herdade da Caiada-1600 hectares em Srª da Graça dos Padrões, Insuínha-900 hectares em Pedrógão, Medinas-293 hectares, Vale Gonçalinho-250 hectares em Entradas, Assentos e anexas-cerca de 3000 (?) hectares em Cuba, Donas Marias-1375 hectares em Santo Aleixo da Restauração, Quintinhas e anexas-1630 hectares em Odivelas, até à histórica decisão de “Dar início à Reforma Agrária”, tomada com indescritível entusiasmo na Assembleia Distrital de Delegados do Sindicato, a 26 de Janeiro de 1975, tudo, mas tudo, havia sido colocado e minuciosamente discutido e considerado com os principais responsáveis pela direcção política do Partido em Beja.

Primeiro entre nós, os comunistas que integrávamos a direcção do Sindicato e de quem, efectivamente, partiu sempre a iniciativa. Depois com os responsáveis pelo acompanhamento do trabalho do Partido no distrito, o Edgar Correia e o João Honrado a quem cabia, naturalmente, a função de informar e ouvir os organismos superiores sobre as propostas e decisões que íamos tomando. Podia não haver unanimidade de pensamento em relação ao caminho que vínhamos trilhando, sentimo-lo bem em diferentes momentos nas hesitações do camarada da direcção do sindicato que era membro da Direcção da Organização Regional do Alentejo do Partido, de que era responsável o camarada António Gervásio, membro da Comissão Política do Comité Central, mas a verdade é que em momento algum veio da Direcção do Partido qualquer orientação em sentido contrário. O que fazíamos estava estampado e valorizado nas páginas do jornal “O Camponês”. Páginas que eram redigidas pelos camaradas mais responsáveis no distrito, o “António” e o João Honrado, e cujo Diretor era o próprio camarada António Gervásio.

Podia ter evocado tudo isso. Devia talvez ter começado por aí. Mas não foi com isto que confrontei o Chico. Confrontei-o, isso sim, com a acção reaccionária do latifundiário e assumido fascista José Gomes Palma. Com a arrogância e prepotência deste. Com o incumprimento dos contratos assinados, primeiro para o concelho de Beja e depois para o distrito. Com o não pagamento dos salários. Com o despedimento colectivo dos trabalhadores que tinha ao seu serviço. Com a sua assumida sabotagem à produção. Com o exemplo de todos os outros que teimavam em não aceitar Abril. Que sabotavam o processo produtivo. Que sonhavam com o regresso ao passado. Passado que ele, “Chico”, melhor que ninguém conhecia e com o qual em momento algum se conformara ou pactuara…

Lembrei-lhe as sucessivas exposições dirigidas pelo Sindicato ao governo a denunciar as situações graves que vivíamos no distrito e a falta de uma resposta pronta e firme para lhes fazer face. Fi-lo de forma emotiva e exaltada pois achei a sua critica injusta e desajustada.

Perguntei-lhe como reagiria ele, Francisco Miguel, dirigente do Partido, lutador incansável contra o fascismo, se fosse ele a ter que responder à situação. Baixava os braços e aguardava uma intervenção do governo que nunca mais vinha? Deixava as mãos livres a gente assumidamente fascista como o era José Gomes Palma? Ou assumia o risco, tal como nós o havíamos feito? Afinal, era a democracia e a própria Liberdade que estavam em jogo.

Atrapalhou-se o Chico. Ele sabia que nós tínhamos razão. Mas também sabia, tal como nós sabíamos, porque o havíamos considerado, que a decisão de “Dar início à Reforma Agrária” tinha sido uma decisão arriscada, uma decisão que poderia ter provocado uma onda repressiva e de instabilidade política quer no seio do governo quer entre os militares, num momento em que a orientação principal do Partido era a consolidação das liberdades fundamentais havia tão pouco tempo conquistadas. Era a defesa e consolidação de um regime democrático, no quadro do qual a realização de uma reforma agrária era condição.

Era igualmente o risco da nossa acção ser interpretada como uma violação da palavra dada pelo Partido, Partido de uma só palavra.

Seguiu-se um embaraçoso silêncio. Estático e impassível o “António”. Expectante eu. Sério, mas sobretudo surpreso, o “Chico”. Não esperava a minha explosiva reação e, claramente, estava sem saber o que me responder.

Ainda hoje vejo o Chico levantar-se lentamente, por detrás da secretária a que estava sentado. Olhos fixos nos meus. Braço direito erguido. Indicador bem próximo de mim. E a resposta inesquecível.

“Olha CAMARADA!… Sabes o que tu és?… Sabes?… O que tu és… é um grande MRPP”.

Vieram-me as lágrimas aos olhos. Tristeza e revolta misturadas. Levantei-me e saí. No bolso a intervenção que com entusiasmo havia escrito para a manifestação que iria ter lugar no dia seguinte e que se esperava grandiosa, como o foi. Deixar tudo. Sindicato e Partido. Regressar à terra que então trabalhava. Naquele momento era o meu único pensamento.

Foi mais forte, e sobrepôs-se a tudo o resto, aquele “Olha CAMARADA.” Afinal era como CAMARADA que era considerado por aquele que, para mim, então jovem e inexperiente Comunista, era há muito um mítico Herói da resistência anti-fascista, da luta pela Liberdade e a Democracia.

No dia seguinte, os milhares de trabalhadores em Beja. 40 mil, segundo a imprensa. A maior concentração de sempre. O grito uníssono: AVANTE COM A REFORMA AGRÁRIA – A TERRA A QUEM A TRABALHA.

No final, o abraço… forte, sincero, fraterno, solidário, amigo, daquele Homem franzino, mas de bem temperado e inquebrável aço. A alegria estampada no rosto e as palavras simples, que para sempre me marcaram, que tudo diziam e que selaram uma indestrutível e fraterna amizade: “Então, CAMARADA, no próximo Domingo lá nos encontramos em Évora”.

Lá nos encontrámos. Fui relator da experiência das ocupações no distrito de Beja. Ocupações que a Conferência consagrou como importante e inovadora forma de luta.

A Reforma Agrária estava na ordem do dia. Assim o afirmaria Álvaro Cunhal no seu discurso de encerramento da Conferência, lançando a marcha imparável para uma etapa superior, que iria conduzir à concretização da mesma, ao seu reconhecimento pela Lei e posterior consagração, sem votos contra, na Constituição da República Portuguesa.

A palavra a Álvaro Cunhal, Secretário Geral do PCP:

Camaradas:

(…)

A Reforma Agrária surge natural como a própria vida, aparece como resultado da necessidade objectiva de resolver o problema do emprego e da produção, como solução indispensável e única.

Os latifúndios têm sido e são a miséria, o atraso e a morte. A entrega da terra a quem a trabalha significa a própria vida, vida para os trabalhadores desempregados e seus filhos, vida para a agricultura abandonada, sabotada pelos grandes agrários e pelos grandes capitalistas.

VIVEMOS UM MOMENTO HISTÓRICO NOS CAMPOS DO SUL. PELAS MÃOS DOS TRABALHADORES, A REFORMA AGRÁRIA DEU OS PRIMEIROS PASSOS.

(…)

Na sua luta abnegada e heróica, os trabalhadores agrícolas do Sul, como todos os trabalhadores portugueses, poderão contar sempre, nas horas boas e nas horas más, com o Partido Comunista Português.”

Assim foi…nas horas boas do avanço tumultuoso, criativo e exaltante da Revolução de Abril e nas horas más da “Contra Reforma Agrária – terror, destruição e morte no Alentejo” e Ribatejo, que conduziu ao criminoso assassínio da mais bela das Conquistas de Abril…

O PCP tem razões de sobra para se orgulhar do seu papel na luta pela “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” mas não deverá ter menor orgulho pelo seu papel insubstituível e determinante na resistência e luta em sua defesa…PELA LIBERDADE – DEMOCRACIA – SOCIALISMO.

Assim foi com a profunda e fraterna amizade que me ligou para sempre ao Camarada Francisco Miguel, até ao momento da sua partida…

HOJE É DIA DE PÃO PORTUGUÊS… DE REVOLUÇÃO DE ABRIL…

José Soeiro

9.2.2022  Conteúdo partilhado com: Público

QUE FAZER?

HOJE É DIA DE PÃO PORTUGUÊS… DE REVOLUÇÃO DE ABRIL… DE HOMENAGEAR CAMARADAS E AMIG@S, de “O TEU, O MEU, O NOSSO, DOS TRABALHADORES, DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA” NO ALENTEJO E RIBATEJO.

9.2.1975-9.2.2022. Há 47 anos, perante uma multidão de mais de 30 mil trabalhadores, no comício de encerramento da 1ª Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, proclamaria ao País Álvaro Cunhal, Secretário Geral do PCP:

Vivemos um momento histórico nos campos do Sul. Pelas mãos dos trabalhadores, a Reforma Agrária deu os primeiros passos.”

A proclamação, feita após a apresentação, por esse camarada extraordinário, de nome Diniz Miranda, das conclusões que consagravam e apontavam como caminho a inovadora forma de luta da ocupação do latifúndio iniciada no Distrito de Beja, “os primeiros passos” (ler capítulos IV, V e VI de “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” aqui https://wp.me/Pdfece-3D ), , foi o rebentar do dique. Estava lançada a imparável, determinante e vertiginosa marcha pela Reforma Agrária em toda a zona do latifúndio, momento Histórico de afirmação de uma, senão da mais bela de todas as conquistas da Revolução de Abril, “a menina dos olhos da Revolução”.

Bem se pode afirmar, com toda a justiça, que a Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, promovida pelo PCP, a 9.2.1975, foi a CONFERÊNCIA ZERO DA REFORMA AGRÁRIA à qual se seguiram as restantes 12, cujos balanços comprovaram a justeza das orientações então aprovadas.

É tendo presente a simbologia da data que reservei para a mesma esta publicação que titulei de HOJE É DIA DE PÃO PORTUGUÊS… DE REVOLUÇÃO DE ABRIL… DE HOMENAGEAR CAMARADAS E AMIG@S, de “O TEU, O MEU, O NOSSO, DOS TRABALHADORES, DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA” NO ALENTEJO E RIBATEJO.

Porque a Revolução Agrária, realizada no Alentejo e Ribatejo, significou isso mesmo: PÃO PORTUGUÊS. Pão com mais abundância à mesa de quem a terra trabalhava e o pão produzia. Pão que a ditadura fascista, ao serviço de monopólios e latifundiários, negava a milhares de famílias que na miséria viviam, espoliadas dos mais elementares direitos e condições de vida. Famílias que trabalhando de sol a sol, quando trabalho havia, porque muitos eram os meses do ano em que tal não acontecia, não recebiam mais do que o mínimo necessário para reproduzir a sua força de trabalho, que nas “praças de jorna” vendiam, porque sindicatos, esses, mesmo os fascistas, vedados lhes estavam, só Casas do Povo havia e, mesmos estas, quantas vezes inacessíveis.

Pão Português, nascido dos cravos vermelhos do Povo que, associando-se à acção vitoriosa do MFA-Movimento das Forças Armadas, culminar da longa luta de 48 anos contra a ditadura, transformou o golpe vitorioso em Revolução de Abril, abrindo portas à Liberdade plena e, com ela às Conquistas de Abril. Portas que, nos campos mártires do Alentejo e Ribatejo, inconformados e reacionários latifundiários, até então dominantes, tentaram fechar, em sucessivas e fracassadas tentativas e manobras associadas ao criminoso e contra revolucionário general Spínola. Criminosa destruição de produção, venda e abate indiscriminada de efetivos pecuários, falsas sementeiras, desmantelamento e venda de máquinas, ameaças e juras de vingança, violação dos acordos assinados com os jovens mas já poderosos sindicatos agrícolas em construção, por iniciativa de comunistas e apoio do PCP e CGTP-Intersindical. Apostaram forte num vale tudo. Perderam. Era tempo de Revolução de Abril e como revolucionários intervieram então os militares do MFA e o PCP.

Aos jovens Sindicatos coube importante papel na barragem às manobras e sabotagens de latifundiários contra a jovem democracia em construção, que, como Democracia Avançada, a caminho do Socialismo, na Constituição da República consagrada seria, mas por cujo respeito e cumprimento, dos grandes Partidos que a votaram, (PS, PSD, CDS e PCP), só o PCP lutaria.

Jovens Sindicatos cujos dirigentes, há 47 anos, na Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, promovida pelo PCP, estariam aprendendo, e afirmando, e avançando, caminhos novos a seguir. Em Liberdade todos agora estavam, mas pelas prisões fascistas muitos haviam passado, pelo crime maior de pão reclamar e a terra querer trabalhar.

Neste dia, e no quadro das comemorações do Centenário em curso, a Tod@s @s que em tão Histórica Conferência participaram, para a História do PCP contribuindo, a minha sincera homenagem.

Homenagem igualmente a Tod@s @s que a “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” apoiaram, defenderam e assumiram como sua, porque sua era, porque para servir o Povo foi feita, Povo eram e o Povo defendiam.

Faço-o hoje através da invocação de dois destacados militantes comunistas, camaradas inesquecíveis, íntegros e leais, que sentiram, viveram e defenderam a Revolução no Alentejo, uma Mulher e um Homem, Júlio Martins e Zillah Branco. Nestas duas figuras presto Homenagem aos milhares de anónimos que sem desfalecimentos trabalharam e contribuíram solidariamente, pelas mais diversas formas, para o avanço e defesa daquela que seria durante muitos anos a “Pedra de Toque” das políticas dos sucessivos governos constitucionais que procurei retratar em “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Ribatejo” acessível através da ligação https://wp.me/Pdfece-rl .

Como Homenagem ao camarada Júlio Martins, recorro à partilha integral da sua biografia, em boa hora disponibilizada na página “ANTIFASCISTAS DA RESISTÊNCIA”, reforçando apenas um facto da maior relevância porque insuficientemente divulgado. Tem a ver com a sua intervenção, que considero crucial em todo o processo da Revolução Agrária, sendo minha convicção, para não dizer certeza, que sem a mesma, pelas ligações diretas que tinha à Direcção Central do Partido, em particular ao camarada Álvaro Cunhal, alguns dos “primeiros passos” dificilmente teriam tido lugar, como lugar não teriam tido as Unidades Colectivas de Produção Agrícola, modelo “sui géneris” da Revolução Agrária Portuguesa, distinto de todos os modelos conhecidos, que Júlio Martins abraçou desde a primeira hora e defendeu junto do camarada Álvaro que, atento à realidade e acompanhando todo o processo desde a primeira hora, defendeu todas as soluções criadas no terreno (UCP.s, Cooperativas, Herdades do Estado ou mesmo partilha de terras se essa fosse a vontade maioritária de quem a terra trabalhava, o que, lembre-se e sublinhe-se, sempre esteve inscrito nos princípios do PCP. A vida comprovou a justeza da defesa dos princípios socialistas consagrados pelas primeiras UCP.s, que acabariam por ser adoptados em toda a ZIRA.

A contra-revolução levou à sua criminosa destruição e tudo tem feito e continua a fazer para a apagar da nossa memória colectiva. Que no quadro das comemorações dos 50 anos da Revolução de Abril que se aproximam tenhamos todos isso presente, pois é a altura oportuna para consagrar na História Homens e Mulheres como Júlio Martins, Zillah Branco e tantos outros e ter presente que os crimes políticos não prescrevem, lembrando ao Povo que é sempre tempo de os julgar.

Em sua Homenagem junto ainda a primeira publicação da CRARA, publicada em Novembro de 1975.

Como Homenagem à camarada Zillah Branco, que desempenhou um importantíssimo papel na CGTP-IN, dinamizando o seu importante Departamento Agrícola, optei pela publicação de alguns documentos por si elaborados para a Comissão Executiva da CGTP-IN cujo extraordinário papel em defesa da Reforma Agrária nem sempre mereceu a merecida atenção.

É ela quem prepara, acompanha e participa mesmo em múltiplas iniciativas internacionais como a Conferência Mundial sobre Reforma Agrária, promovida pela FAO em Roma em Julho de 1979, sendo então portadora de uma exposição da CGTP-IN que seria entregue em mão ao Papa e às delegações de todo o mundo presentes na mesma.

Como ela própria me descreveu: “Levei ao Papa em 1979 um relato, editado pela CGTP, que cobri com uma capa azul celestial, e entreguei em mãos recebendo a benção papal “para os trabalhadores da reforma agrária em Portugal”.  Aquela oferta foi colocada em uma bandeja de prata carregada por um cardeal que o seguia no longo percurso no recinto do Vaticano onde duas mil pessoas, representantes de todos os países participaram da Conferência Mundial sobre a RA promovida pela FAO em Roma.”.

Conferência em que, contra a maré e pondo de lado os condicionantes protocolos, acabou por proferir a intervenção que disponibilizo como anexo desta publicação.

Tomei conhecimento da documentação, que agora publico, porque o camarada, e grande amigo de sempre, António Quintas, destacado dirigente dos metalúrgicos e da CGTP-IN, cujas intervenções em defesa da Reforma Agrária dariam só por si para muitas publicações, ao tomar conhecimento que eu havia recomeçado a escrever sobre a “Reforma Agrária-A Revolução no Alentejo, fez-me chegar a documentação que tinha em seu poder sobre a mesma. Documentação muito importante que já digitalizei na sua totalidade e que irei disponibilizar na sua totalidade, através de novas “notas e reflexões” como as que venho publicando no quadro das comemorações do Centésimo aniversário de “O TEU, O MEU, O NOSSO, DOS TRABALHADORES, DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA”.

São também da autoria de Zillah Branco, alguns importantes trabalhos editados pela CRARA- Comissão Revolucionária de Apoio à Reforma Agrária, criada por iniciativa do PCP (Júlio Martins?) que hoje publico. O primeiro valeu-lhe uma pesada retaliação razão pela qual o segundo foi publicado sob pseudónimo.

Zillah Branco, frontal, leal, autêntica como o devem ser todos os comunistas, amigos desde os primórdios da Revolução, foi também a autora, entre muitos outros trabalhos, de “ REPORTAGENS SOCIOLÓGICAS NO INTERIOR DA REFORMA AGRÁRIA – uma época de participação transformada em utopia”, obra para a qual me solicitou uma introdução que também hoje publico.

Haverá em todas as publicações pequenos e insignificantes pormenores e precisões, que em nada alterando o que então escrito foi, como escrito foi deve ser divulgado.

FOTO INCLUSA NA PÁGINA ANTIFASCISTAS DA RESISTÊNCIA QUE HOJE TOMO A LIBERDADE DE PARTILHAR

Antifascistas da Resistência

25 de junho de 2016  · 

JÚLIO MARTINS (1926 – 1978)

Engenheiro agrónomo, Júlio Martins dedicou grande parte da sua vida à luta antifascista, passando, entre 1950 e 1969, quando foi libertado pela última vez, mais de doze anos nas prisões fascistas. Sofreu os horrores das torturas da polícia política.

Homem íntegro, militante comunista, sereno na comunicação e corajoso na acção, entregou-se inteiramente à luta pela dignificação da vida dos mais pobres e explorados. Até morrer, aos 52 anos, acreditou sempre numa «sociedade humanizada, em que todos pudessem ser felizes». Depois do 25 de Abril de 1974 empenhou-se, com todo o seu saber técnico e científico, no apoio às estruturas da Reforma Agrária. O Curso de Agronomia fez dele um técnico de excelente qualidade nesse apoio, e a sua capacidade de diálogo enraizou-o no coração dos trabalhadores alentejanos.

«Júlio Martins é daqueles homens que nunca partem. Pela força do legado e do exemplo caminha ao nosso lado» – escreveu-se nos jornais diários do dia do seu enterro. Quisemos com esta biografia recordar um cidadão afinal praticamente esquecido 38 anos depois da sua morte.

1. Filho de Maria Josefina da Conceição Rocha e Silva e de José Martins Pacheco, grande proprietário rural, Júlio da Conceição Silva Martins nasceu em Figueiredo, freguesia de Pinheiro de Bemposta, concelho de Oliveira de Azeméis, em 31 de Julho de 1926. Provavelmente, por influência do irmão José Augusto da Silva Martins, importante quadro do Partido Comunista em finais da década de 30 e anos 40, das irmãs, nomeadamente Armanda Forjaz Lacerda (cuja biografia se encontra aqui) e cunhado, aderiu àquele com apenas 13 anos, quando ainda era estudante liceal.

Até 1945, envolveu-se em actividades no Norte do país e depois, até 1949, enquanto aluno do Instituto Superior de Agronomia, integrou o MUD Juvenil, participou na campanha presidencial de Norton de Matos e envolveu-se no Movimento Nacional Democrático (MND).

A primeira prisão aconteceu aos 23 anos, no dia 24 de Junho de 1950, quando se preparava para distribuir propaganda do MND ( em que se pedia eleições livres, abolição da PIDE, abolição da censura, Paz, ampla amnistia, direito ao trabalho e extinção do Tarrafal), tendo Júlio Martins considerado aquela agremiação justa e legal, seguindo as orientações publicamente defendidas pelo general Norton de Matos. Enviado para o Aljube, onde lhe foi recusada a visita de duas irmãs, e transferido para Caxias em 29 de Agosto, foi libertado ao fim de dois meses e meio, em 4 de Setembro.

Frequentou o Instituto Superior de Agronomia, onde foi colega de Amílcar Cabral, e formou-se com a classificação de 19 valores. Integrado na tropa depois da prisão, concluiu, em 1951, o serviço militar obrigatório na 1.ª Companhia Disciplinar, em Penamacor e, com pouco mais de 20 anos, foi um dos dirigentes do Movimento Nacional Democrático, tendo integrado a sua Comissão Central desde meados de 1954 (João Madeira). Foi o responsável “pelo aparelho de agitação” e “pelo controlo das Distritais de Lisboa, Beja e Algarve” (João Madeira).

Foi já como funcionário clandestino do Partido Comunista que, em 8 de Novembro de 1955, foi novamente detido e enviado para o Aljube ou para Caxias, consoante as circunstâncias, já que era naquele que cumpria os castigos em cela disciplinar aplicados pelo Director do Forte de Caxias. Julgado em 26 de Julho de 1956 e condenado a 2 anos e 15 dias de prisão maior, entrou no Forte de Peniche em 16 de Março do ano seguinte, de onde só sairia em liberdade condicional em 17 de Dezembro de 1959, depois de ter iniciado em 6 de Julho de 1958 o cumprimento de medidas de segurança. Nesse período, interveio na organização partidária prisional e, liberto, regressou à militância clandestina.

Em Fevereiro de 1961 foi-lhe revogada a liberdade condicional e passados mandados de captura, sendo detido pela terceira vez em 15 de Dezembro, juntamente com Natália Henriques Soares David Campos, sua companheira, na casa clandestina que ocupavam em Linda-a-Velha. O casal tinha, então, substituído José Dias Coelho e Margarida Tengarrinha no aparelho técnico de falsificações. Nessa mesma data, foram presos Américo Guerreiro de Sousa, Joaquim Pires Jorge e Octávio Pato.

Júlio da Silva Martins foi barbaramente torturado, tendo sido sujeito a onze dias e a onze noites da tortura do sono e espancado durante três dias consecutivos (Irene Pimentel). Mais uma vez, passou pelo Aljube, por Caxias e por Peniche, tendo sido julgado pelo Tribunal Plenário em 24 de Novembro de 1962 e condenado a cinco anos e meio de prisão maior e, em cúmulo jurídico, a oito anos. Saiu em liberdade condicional em 25 de Setembro de 1969 e a definitiva foi-lhe concedida em 14 de Dezembro de 1973. Natália David Campos, também torturada, foi libertada ao fim de seis anos, em 21 de Novembro de 1967.

2. Após o 25 de Abril de 1974, foi um dos convidados de honra do primeiro grande comício do Partido Comunista, realizado no Campo Pequeno em 28 de Junho e, em 1975, integrou a lista de deputados pelo círculo de Lisboa à Assembleia Constituinte.

Foi delegado do Ministério do Trabalho nas primeiras convenções de trabalho no Alentejo, Director da Estação de Cultura Mecânica, da Secretaria de Estado da Agricultura, Director de Serviços da Direcção Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola (DGHEA) fez parte da Comissão Revolucionária de Apoio à Reforma Agrária (CRARA) e disseminou junto dos trabalhadores e técnicos, através da participação em reuniões, encontros, conferências e sessões de esclarecimento, o trabalho a desenvolver: ampliação da maquinaria, criação de parques de máquinas e construção de oficinas, aumento e melhoria da produção agrícola e dos efectivos da pecuária, introdução de novas culturas, produção forrageira, formação de quadros operadores de máquinas, cursos para contabilistas, construção de pequenas barragens, apoio à criação das Ligas de Pequenos e Médios Agricultores.

Os latifundiários odiavam-no e Spínola ameaçou-o de que o prenderia pessoalmente, se necessário. (Jornal “O Diário”, 30/10/78).

Dinamizador e co-organizador de várias Conferências da Reforma Agrária, coordenou, em termos técnicos, as ofertas dos países socialistas a nível de maquinaria agrícola, sementes e sémen para gado.

Publicou diversos estudos sobre a sociedade rural e a economia agrária em Portugal, nomeadamente “Estruturas Agrárias em Portugal”, 2 volumes editados pela Prelo em 1973-74, onde demonstra como uma minoria de famílias de latifundiários detinha a maior área do Portugal agrícola. Assinou, em Setembro de 1976, uma rigorosa introdução à segunda edição do livro de Álvaro Cunhal “Contribuição para o Estudo da Questão Agrária” (Edições Avante!, 1976).

Faleceu repentinamente em 25 de Outubro de 1978. Poucos dias antes, um jornal fascista injuriara-o.

No velório e funeral para o Cemitério de Benfica participaram milhares de pessoas, segundo relato do “Diário de Lisboa” (27/10/1978), sendo muitos deles trabalhadores alentejanos e ribatejanos que prometeram que “Faremos brotar o pão que nos ajudaste a produzir”. Américo Leal, em nome do Comité Central do Partido Comunista, evocou o contributo de Júlio Martins para a Reforma Agrária, tendo estado presentes muitos resistentes antifascistas e dirigentes comunistas.

.

Biografia da autoria de João Esteves com colaboração de Helena Pato.

.

Fontes:

.

Avante!, 26/10/1978 e 02/11/1978.

Diário de Lisboa, 27/10/1978.

Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Círculo de Leitores – Temas e Debates, 2007.

João Madeira, O Partido Comunista Português e a “Guerra Fria”: “sectarismo”, “desvio de direita”, “Rumo à Vitória” (1949-1965), FCSH – UNL, 2011.

Informações prestadas por: Victor Louro, António José Madeira Lopes, Irene Pimentel, Luísa Tiago de Oliveira, Vasco Paiva.

“ Pela noite dentro, a 9 de Dezembro de 1974, na Casa do Povo de Santa Vitória, concelho de Beja, um punhado de trabalhadores rurais, homens vividos e sofridos, conscientes da sua condição de explorados e oprimidos, decidiam, com o apoio do seu Sindicato, pôr fim à arrogância, à prepotência, à provocação e à sabotagem, económica e política, que o latifundiário José gomes Palma vinha conduzindo, de forma ostensiva, contra a jovem democracia portuguesa. Na manhã seguinte, como resposta ao não pagamento de salários durante 5 meses consecutivos a dois trabalhadores, ao despedimento dos 12 trabalhadores efectivos que tinha ao seu serviço, o mais recente dos quais aí trabalhava há 2 anos e alguns há mais de 20 anos, às ameaças de deixar as terras por cultivar, a herdade do Monte do Outeiro, com um total de 775 hectares, era ocupada pelos trabalhadores.

Conquistando a sua cidadania, senhores dos seus destinos, avançando decididamente para as liquidação dos caducos latifúndios os trabalhadores agrícolas davam corpo à utopia. Uma terra sem amos nascia nos campos do Alentejo e do Ribatejo. Uma terra, como afirmou um dirigente sindical de então , “onde quem trabalha presta contas a quem manda mas, sobretudo, onde quem manda presta contas a quem trabalha”.

Lado a lado com os militares de Abril e partidos progressistas,  unidos e organizados nos seus sindicatos, no seio da CGTP, os trabalhadores agrícolas do sul intervieram decisivamente, com imaginação e criatividade, nos destinos do País, moldando com a sua acção corajosa, firme e determinada, uma das mais belas conquistas de Abril, a Reforma Agrária, importante pilar do regime democrático, de liberdade e progresso, e como tal consagrada na Constituição da República em 2 de Abril de 1976 com os votos favoráveis do PCP, do PS e do PSD.

Reportagens Sociológicas no Interior da Reforma Agrária constitui um importante e muito oportuno testemunho dessa positiva e extraordinária revolução vivida nos campos do Alentejo e Ribatejo. Dessa vivência de liberdade autentica, de democracia verdadeiramente participada e, por isso, prenhe de conteúdo genuinamente humanista.

Zillah Branco dá-nos testemunhos vivos da profunda e imensa solidariedade gerada em torno da Reforma Agrária. Solidariedade revolucionária, concreta, partilhada e vivida com intensidade e emoção. Do entusiasmo  e alegria que tão profunda transformação despertou nos mais diversos sectores da vida nacional e mesmo no estrangeiro. Coloca-nos perante a profunda revolução das mentalidades resultante desse contacto e vivência fraterna entre homens e mulheres de formação e origens distintas, diferentes experiências e modos de vida, todos eles irmanados nessa “oportunidade rara de se viver a utopia que reside no coração da humanidade” de um  mundo melhor, liberto de injustiças e desigualdades, sem marginalizações ou exclusões, um mundo de amizade, paz e cooperação.

Reportagens Sociológicas no Interior da Reforma Agrária revela-nos de forma muito viva e fundamentada, as profundas e positivas transformações operadas na zona de latifúndio não apenas no plano político mas também nos planos económico, social e cultural. Dá-nos conta de toda a vitalidade e energia transformadora dessa grande conquista que foi a Reforma Agrária não apenas através dos números e exemplos concretos que nos fornece mas igualmente pelo registo que nos deixa de depoimentos directos de quem viveu esses momentos extraordinários.

Frontal e intransigente para com todas as manifestações de oportunismo, implacável no combate ao cinismo, Zillah Branco não poupa aqueles que, votando a Reforma Agrária na lei e na Constituição, utilizaram depois o poder alcançado para conseguir a sua destruição, pondo a nu toda a sua hipócrisia, falta de ética e desonestidade política e intelectual. 
Reportagens Sociológicas no Interior da Reforma Agrária põem em evidência a dimensão criminosa que representa a destruição de uma experiência inédita de Reforma Agrária, portadora de um modelo de desenvolvimento que,conciliando as vertentes económica e social, permitiu travar as tendências de envelhecimento e desertificação que se vinham acentuando desde meados dos anos 50 na zona do latifúndio.

Zillah Branco lega-nos um importante instrumento de reflexão e estudo para todos aqueles que com seriedade quiserem fazer uma abordagem sem preconceitos sobre o que foi a Reforma Agrária, sobre o seu profundo significado não só para a melhoria substancial das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores agrícolas mas, igualmente, pelas suas repercussões positivas em toda a comunidade envolvente no plano político, económico, social e cultural. Deixa-nos um importante instrumento de combate a todos os detractores da Reforma Agrária que tudo fazem para denegrir a acção patriótica dos trabalhadores agrícolas ao apresentar a Reforma Agrária como um fracasso e não uma das mais importantes realidades do 25 de Abril que só o recurso à mais bárbara violência conseguiu destruir.

Reportagens Sociológicas no Interior da Reforma Agrária  deixa-nos o registo do  grito de alerta oportunamente lançado , que governantes preconceituosos, desumanizados, enfeudados nos interesses do grande capital não quiseram ouvir, e que a vida veio comprovar. A destruição da Reforma Agrária  não trouxe a modernidade , o progresso e o bem estar em nome dos quais foi destruída. A destruição da Reforma Agrária e a reconstituição do latifúndio trouxe o desemprego em massa, a migração e emigração, a estagnação económica e social, o envelhecimento e a desertificação do Alentejo.

Reportagens Sociológicas no Interior da Reforma Agrária tratando das questões do passado não é um livro virado para o passado. A questão da posse e uso da terra está de novo no centro do debate político. Uma nova Reforma Agrária é necessária no Alentejo.
A utopia não morreu com a destruição da Reforma Agrária. A brasa deixada nas consciências aguarda apenas o sopro de um vento favorável para atear de novo as chamas da revolução.
1995 (José Soeiro)

1. CGTP-IN: <<LEI BARRETO>> UM PROJECTO DE REGRESSO AO PASSADO

Da responsabilidade do Secretariado da CGTP-IN, elaborado por José Luís Judas e José Barros de Moura, o documento “O que é a Reforma Agrária”, de 11.7.1977, é sem dúvida um documento da maior importância para quem quiser compreender o real significado da famigerada “Lei Barreto” e o papel do PS, sob a direcção de Mário Soares, na destruição criminosa e anti-constitucional da “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”.

Bem pode António Barreto, do alto da sua sapiente postura, vociferar e destilar o seu ódio visceral contra os comunistas, os sindicatos e as Unidades Colectivas de Produção Agrícola que o enfrentaram, desmascararam e derrotaram nas suas tentativas de convencer a opinião pública da bondade da sua famigerada lei e nas suas manobras divisionistas tentadas quer através das famosas desanexações forçadas, com o apoio da GNR, em prol da sua COLBA- Cooperativas Livres do Baixo Alentejo, quer das suas manhosas manipulações e vergonhosas chantagens no sentido de convencer os trabalhadores a aceitar a transformação das suas Unidades Colectivas de Produção em explorações do estado e pelo estado dirigidas, que ardilosamente designou de UECT.s – Unidades de Exploração Colectiva de Trabalhadores para fugir aquele que era realmente o seu objectivo, ou seja, a estatização de todas as terras na posse dos trabalhadores e a nomeação clientelar dos gestores das mesmas. Curiosamente, ou não, porque sem vergonha na cara, fazer exatamente aquilo de que ele e o estado maior do PS, acusavam mentirosamente o PCP e os Sindicatos. (ver Capítulo XIV de REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”)

Bem pode procurar, através das mentiras um milhão de vezes repetidas, cuidadosa e convenientemente propagandeadas pela subserviente comunicação social, com o apoio de poderosas fundações, e as repetidas citações das mesmas como absolutas e incontestadas verdades por alguns historiadores de pacotilha, tentar convencer a opinião pública que a sua criminosa “Lei Barreto” era uma boa lei. Uma lei democrática, que respeitava a letra e o espírito da Constituição da República, respeitadora dos direitos e interesses dos trabalhadores e dos pequenos e médios agricultores, cuja aplicação, iria libertar o Alentejo e Sul do Ribatejo da ameaça comunista, acabar com um estado dentro do estado, repor a legalidade e assegurar a sociedade da paz e abundância, pondo fim à política de miséria e fome existente nas UCP.s… enfim, a ladaínha mentirosa própria de quem, de má consciência, tudo faz para sacudir a água do capote e procurar apresentar-se como o salvador da democracia… o corajoso democrata que evitou a guerra civil… o cidadão impoluto sem o qual teríamos perdido a Liberdade…

A leitura das 35 páginas que constituem “O que é a Reforma Agrária” constituem uma excelente demonstração do real significado da famigerada lei que António Barreto tanto gosta de invocar e de que tanto se orgulha afirmando, com sobranceria e como se de facto irrefutável se tratasse, que se os comunistas tivessem aceite as suas propostas, isto é, se o PCP tivesse capitulado e tivesse aceite a reconstituição da propriedade latifundiária, o Alentejo seria hoje o melhor dos mundos…

Isto não se pode considerar apenas desonestidade política e intelectual… isto é um verdadeiro insulto à inteligência do Povo Português…

Mais cedo ou mais tarde a História os julgará. A ele António Barreto e a todos os que na sua esteira promoveram a “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo, condenando à morte lenta, um Povo-Uma Cultura-Uma Região… cometendo o “Alentejicídio”.

Porque os crimes políticos não prescrevem e não há juízes de serviço que os possam ilibar…