SOLIDARIEDADE, outra face da importante luta em defesa da “REFORMA AGRÁRIA-A Revolução no Alentejo”. O FARA
O FARA – Fundo de Apoio à Reforma Agrária é um testemunho e um exemplo do extraordinário movimento de solidariedade que mobilizou os trabalhadores portugueses, de todos os sectores de actividade, de Norte a Sul, em defesa de uma das mais belas conquistas de Abril, a “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” e Sul do Ribatejo, “a conquista maior dos trabalhadores portugueses”, como afirmaria o representante da Federação Nacional dos Sindicatos Metalúrgicos no final da sua intervenção, no Plenário Nacional da CGTP-IN, realizado em Beja, nos dias 9,10 e11 de Abril de 1976.
REFORMA AGRÁRIA que os trabalhadores portugueses, e não só, assumiram e abraçaram em toda a sua dimensão e profundo significado, assumindo-a como sua, porque também sua foi, de pleno direito e de cuja obra são indissociáveis, pois, mais do que o apoio material, que foi muito, muito diversificado e muito, mesmo muito, importante, a solidariedade constituiu um estímulo extraordinário para reforçar a força anímica de quem resistiu, heroicamente, mais de 15 anos à CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo… e que só a força das baionetas conseguiu derrotar.
O FARA nasceu por iniciativa da CRARA – Comissão Revolucionária de Apoio à Reforma Agrária, como o atesta o apelo à solidariedade difundido em Outubro de 1975, que hoje dou a conhecer, mas é o grande Plenário Nacional da CGTP-IN, realizado em Beja nos dias 9, 10 e 11 de Abril de 1976, cuja acta junto também à presente publicação, que irá constituir o passo determinante para a sua concretização assim como para o desenvolvimento de muitas outras diversificadas e importantes acções de solidariedade, de acordo com as importantes conclusões então aprovadas.
Enquanto participante em todo o processo preparatório deste importantíssimo Plenário não posso deixar de recordar e sublinhar o empenho e entusiasmo tão particular e especial desse extraordinário dirigente e Co-Fundador da CGTP-IN, Antero Martins, militante comunista, dirigente do sector bancário, para que tal Plenário tivesse lugar em Beja.
O Balanço da Actividade da CRARA, efectuado pouco mais de um ano depois da sua formação em Setembro de 1975, e o folheto do Departamento Agrícola da Intersindical de Maio de 1976, documentos integrados na presente publicação, dão-nos uma pequena imagem da diversidade de iniciativas promovidas na sequência do Plenário Nacional da CGTP-IN às quais não eram alheias as CARA constituídas por todo o País de acordo com as conclusões aprovadas.
Não sei se tal é viável mas seria importante que se procedesse a recolha de toda a memória e documentação que pudesse testemunhar tudo o que foi a extraordinária solidariedade de que foi alvo a “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” e Sul do Ribatejo.
1. CGTP-IN: <<LEI BARRETO>> UM PROJECTO DE REGRESSO AO PASSADO
Da responsabilidade do Secretariado da CGTP-IN o documento “O que é a Reforma Agrária”, de 11.7.1977, é sem dúvida um documento da maior importância para quem quiser compreender o real significado da famigerada “Lei Barreto” e o papel do PS, sob a direcção de Mário Soares, na destruição criminosa e anti-constitucional da “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”.
Bem pode António Barreto, do alto da sua sapiente postura, vociferar e destilar o seu ódio visceral contra os comunistas, os sindicatos e as Unidades Colectivas de Produção Agrícola que o enfrentaram, desmascararam e derrotaram nas suas tentativas de convencer a opinião pública da bondade da sua famigerada lei e nas suas manobras divisionistas tentadas quer através das famosas desanexações forçadas, com o apoio da GNR, em prol da sua COLBA- Cooperativas Livres do Baixo Alentejo, quer das suas manhosas manipulações e vergonhosas chantagens no sentido de convencer os trabalhadores a aceitar a transformação das suas Unidades Colectivas de Produção em explorações do estado e pelo estado dirigidas, que ardilosamente designou de UECT.s – Unidades de Exploração Colectiva de Trabalhadores para fugir aquele que era realmente o seu objectivo, ou seja, a estatização de todas as terras na posse dos trabalhadores e a nomeação clientelar dos gestores das mesmas. Curiosamente, ou não, porque sem vergonha na cara, fazer exatamente aquilo de que ele e o estado maior do PS, acusavam mentirosamente o PCP e os Sindicatos. (ver Capítulo XIV de REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”)
Bem pode procurar, através das mentiras um milhão de vezes repetidas, cuidadosa e convenientemente propagandeadas pela subserviente comunicação social, com o apoio de poderosas fundações, e as repetidas citações das mesmas como absolutas e incontestadas verdades por alguns historiadores de pacotilha, tentar convencer a opinião pública que a sua criminosa “Lei Barreto” era uma boa lei. Uma lei democrática, que respeitava a letra e o espírito da Constituição da República, respeitadora dos direitos e interesses dos trabalhadores e dos pequenos e médios agricultores, cuja aplicação, iria libertar o Alentejo e Sul do Ribatejo da ameaça comunista, acabar com um estado dentro do estado, repor a legalidade e assegurar a sociedade da paz e abundância, pondo fim à política de miséria e fome existente nas UCP.s… enfim, a ladaínha mentirosa própria de quem, de má consciência, tudo faz para sacudir a água do capote e procurar apresentar-se como o salvador da democracia… o corajoso democrata que evitou a guerra civil… o cidadão impoluto sem o qual teríamos perdido a Liberdade…
A leitura das 35 páginas que constituem “O que é a Reforma Agrária” constituem uma excelente demonstração do real significado da famigerada lei que António Barreto tanto gosta de invocar e de que tanto se orgulha afirmando, com sobranceria e como se de facto irrefutável se tratasse, que se os comunistas tivesse aceite as suas propostas, isto é, se o PCP tivesse capitulado e tivesse aceite a reconstituição da propriedade latifundiária, o Alentejo seria hoje o melhor dos mundos…
Isto não se pode considerar apenas desonestidade política e intelectual… isto é um verdadeiro insulto à inteligência do Povo Português…
Mais cedo ou mais tarde a História os julgará. A ele António Barreto e a todos os que na sua esteira promoveram a “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo, condenando à morte lenta, um Povo-Uma Cultura-Uma Região… cometendo o “Alentejicídio”.
Porque os crimes políticos não prescrevem e não há juízes de serviço que os possam ilibar…
Documento elaborado segundo José Luís Judas pelo próprio com a colaboração de José Barros de Moura
Os factos de que hoje dou conhecimento, ocorreram precisamente há 47 anos, a 1 de Fevereiro de 1975. São factos que, para evitar leituras perversas, não incluí deliberadamente em “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”…
Faço-o hoje em “O TEU, O MEU, O NOSSO, DOS TRABALHADORES, DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA” porque ele encerra algumas lições políticas que poderão ser úteis para quem sobre eles quiser fazer alguma reflexão.
Faço-o hoje porque, como então, estamos numa situação complexa, difícil, em que, para muit@s, certezas de ontem podem ser incertezas de hoje, em que mesmo os melhores de entre nós podem errar nos seus juízos e avaliações, logo, numa situação que exige muita serenidade e, sobretudo, muita confiança entre TOD@S @S camaradas, pois, estou disso convicto, todas as decisões tomadas, pela Direcção do Partido, certas ou erradas, são sempre tomadas na convicção de que são as decisões melhores para servir o que a todos une, a luta permanente, pelos ideais da LIBERDADE- DEMOCRACIA-SOCIALISMO.
Errar não é crime e até os melhores podem errar…
Como dizia o Camarada Álvaro, mais do que auto-críticas e flagelos na praça pública, o importante é aprender nos erros e não voltar a comete-los.
Por essa razão, mais do que entrar em acusações e disputas entre Camaradas sobre o acerto ou desacerto das decisões tomadas, mais do que as estapafúrdias divisões entre bons e maus comunistas, entre reformistas ou revolucionários, o que se impõe fazer é perceber o profundo significado que a palavra “Camarada!” deve ter para quem se afirma Comunista e, naturalmente, chamar todo o Partido à reflexão necessária, que se impõe fazer sem dramatismos, sem exaltações e muito menos com desesperos que sempre foram maus conselheiros.
Até lá é preciso acabar com todas as actividades fraccionárias e projectos cisionistas…
À Direcção do Partido de tomar em mão a organização da reflexão necessária e urgente que a situação reclama…
O Povo deixou um sinal claro que quer ser governado à esquerda porque como de esquerda lhe foi apresentada a solução da geringonça… as diferentes manipulações mediáticas e institucionais da crise desnecessária, criada por Marcelo e António Costa, penalizou a esquerda consequente e facilitou a maioria absoluta do PS. A nós agora a arte e o engenho para, COM CONFIANÇA, gerir, na nova situação criada, este facto objectivo, para afirmar e alargar o apoio ao projecto/programa alternativo de que dispomos para a sociedade portuguesa.
Há quem subestime as eleições… e a intervenção do Partido nas instituições… Marx e Lenine, e no nosso País o PCP e o Camarada Álvaro Cunhal, que eu saiba não o faziam… mas isto é conversa para outro momento…
Por agora fiquemo-nos pela lealdade, frontalidade e confiança que deve estar sempre presente na relação entre Camaradas. Assim o exige a justa luta que travamos há um século contra a exploração e opressão do nosso Povo, pela LIBERDADE- DEMOCRACIA-SOCIALISMO.
Que a magia da palavra de FRANCISCO MIGUEL a tod@s motive…
força “…CAMARADA!”
Ao Francisco Miguel Duarte. O Camarada “Chico Miguel”. Esse extraordinário Camarada, que, sob o seu corpo franzino e de baixa estatura, albergava o Homem Grande, Revolucionário exemplar, que, por amor à Liberdade, à Democracia, ao nobre ideal comunista de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária, ideal que desde muito jovem abraçou e pelo qual lutou toda a sua vida, sacrificou constantemente a sua própria liberdade, legando-nos um testemunho ímpar de coragem, determinação, coerência e confiança na luta.
Dotado de uma vontade férrea, testada no muro de silêncio com que respondeu às brutais torturas que lhe foram infligidas nas prisões fascistas, tentativa vã de o levar a denunciar os seus camaradas e as actividades do Partido, o “Chico Miguel” foi, continua a ser, para mim, no fundamental, um exemplo do que é um Comunista. Humanista, modesto, de uma lealdade a toda a prova. Revolucionário, sempre.
“Eu não estou velho, o que tenho é muitos anos de experiência”. Resposta pronta e firme à camarada que na Soeiro Pereira Gomes fez o comentário “Ai o camarada Chico está tão velhote”.
Tinha então ultrapassado os 80 anos. Um Revolucionário não envelhece, acumula anos de experiência e de conhecimento. Um Revolucionário como o “Chico” nunca se esquece. A história que se segue foi o princípio de uma longa, profícua e sã camaradagem que duraria até ao último dia da sua vida.
“…CAMARADA!” a magia de uma só palavra…
Quando o “António” (pseudónimo da clandestinidade, do por nós batizado “o Bigodes”, de nome real Edgar Correia, então responsável pela organização do Partido em Beja, me convocou para ir ao Centro de Trabalho reunir com um dirigente do Partido, longe de mim estava a ideia de que quem desejava falar comigo era, nada mais, nada menos, que Francisco Miguel. Um histórico membro do Comité Central. Um mito vivo da resistência, da luta pela liberdade e pela democracia. 22 anos passados nas cadeias fascistas. Quase tantos quantos eu tinha então de vida. Testemunho vivo da coragem e da capacidade de um ser humano resistir às mais bárbaras torturas físicas a que recorriam os mais refinados torcionários da tenebrosa polícia política de Salazar, a famigerada e de triste memória PIDE/DGS.
Em vésperas da manifestação distrital que ia ter lugar no dia seguinte, 2 de Fevereiro de 1975, frente às piscinas, em Beja, promovida pelo Sindicato a que então presidia, manifestação aprovada na célebre Assembleia Distrital de Delegados Sindicais de 26 de Janeiro, a oito dias do 1º Encontro dos Trabalhadores Agrícolas do Sul que iria ter lugar em Évora, por iniciativa do Partido, depressa a surpresa deu lugar a uma secreta e enorme satisfação.
A presença do “Chico Miguel” e a sua disponibilidade e vontade de comigo falar não podia significar outra coisa que não fosse o seu apoio à nossa luta. Decerto que iríamos falar sobre a manifestação, a intervenção e a declaração construída no Partido, que nela pensávamos aprovar, bem como sobre a histórica decisão de “Dar início à Reforma Agrária”, entusiasticamente aprovada seis dias antes na Sociedade Capricho Bejense e aclamada sob a velha consigna do PCP “A TERRA A QUEM A TRABALHA”.
Feitos os cumprimentos da praxe, instalados frente a frente na pequena sala de trabalho do “António” e com a presença deste, depressa compreendi que era de Reforma Agrária que íamos falar.
Aliás, a primeira questão, não podia ser colocada de forma mais directa e precisa, nem deixar qualquer margem para dúvidas.
“Camarada. Tu sabes o que é a Reforma Agrária?” Foi desta forma incisiva e num tom particularmente sério que o Chico iniciou a conversa. Surpreso pela forma e pelo tom, mas tranquilo, lá respondi, com alguma timidez, que “sim”. Que era um dos pontos mais importantes do Programa do Partido, um pilar da revolução democrática e nacional e que consistia na liquidação do latifúndio e na entrega da terra a quem a trabalha.
Palavras não eram ditas e já a segunda pergunta me era colocada, no mesmo tom sério e incisivo. “E tu sabes, camarada, como se faz a Reforma Agrária?” Mais uma vez, mas com crescente surpresa, lá respondi que sim. Que era através de uma lei que expropriaria os latifúndios e que determinaria as condições da entrega das terras expropriadas aos trabalhadores e aos pequenos agricultores.
“E tu sabes, camarada, quem faz e aplica essa lei?” Foi a pergunta que se seguiu no imediato. Atónito, perante o silêncio do “António”, sem compreender muito bem onde o “Chico” queria chegar, lá dei a minha resposta, ou seja, “quem faz e aplica a lei é o governo”.
Ainda a palavra governo ecoava no ar e já o “Chico” me bombardeava com nova pergunta. Nada mais, nada menos, que: “E tu achas, camarada, que vocês são governo para decidir dar início à reforma agrária e fazer o que andam a fazer?”
Olhei de forma interrogativa para o “António” mas o seu mutismo depressa me fez compreender que era a mim que cabia responder. A crítica, essa, não podia ser mais evidente. Não compreendi a razão de tal crítica. Muito menos a aceitei. Senti que crescia em mim a revolta. Afinal, todas as acções que vínhamos desenvolvendo, desde a 1ª ocupação do Monte do Outeiro com 775 hectares, a 10 de Dezembro de 1974, às ocupações que se lhe seguiram, Corte Condença- 1520 hectares em Quintos, Herdade da Caiada-1600 hectares em Srª da Graça dos Padrões, Insuínha-900 hectares em Pedrógão, Medinas-293 hectares, Vale Gonçalinho-250 hectares em Entradas, Assentos e anexas-hectares em Cuba, Donas Marias-1375 hectares em Santo Aleixo da Restauração, Quintinhas e anexas-1630 hectares em Odivelas, até à histórica decisão de “Dar início à Reforma Agrária”, tomada com indescritível entusiasmo na Assembleia Distrital de Delegados do Sindicato, a 26 de Janeiro de 1975, tudo, mas tudo, havia sido colocado e minuciosamente discutido e considerado com os principais responsáveis pela direcção política do Partido em Beja.
Primeiro entre nós, os comunistas que integrávamos a direcção do Sindicato e de quem, efectivamente, partiu sempre a iniciativa. Depois com os responsáveis pelo acompanhamento do trabalho do Partido no distrito, o Edgar Correia e o João Honrado a quem cabia, naturalmente, a função de informar e ouvir os organismos superiores sobre as propostas e decisões que íamos tomando. Podia não haver unanimidade de pensamento em relação ao caminho que vínhamos trilhando, sentimo-lo bem em diferentes momentos nas hesitações do camarada da direcção do sindicato que era membro da Direcção da Organização Regional do Alentejo do Partido, de que era responsável o camarada António Gervásio, membro da Comissão Política do Comité Central, mas a verdade é que em momento algum veio da Direcção do Partido qualquer orientação em sentido contrário. O que fazíamos estava estampado e valorizado nas páginas do jornal “O Camponês”. Páginas que eram redigidas pelos camaradas mais responsáveis no distrito, o “António” e o João Honrado, e cujo Diretor era o próprio camarada António Gervásio.
Podia ter evocado tudo isso. Devia talvez ter começado por aí. Mas não foi com isto que confrontei o Chico. Confrontei-o, isso sim, com a acção reaccionária do latifundiário e assumido fascista José Gomes Palma. Com a arrogância e prepotência deste. Com o incumprimento dos contratos assinados, primeiro para o concelho de Beja e depois para o distrito. Com o não pagamento dos salários. Com o despedimento colectivo dos trabalhadores que tinha ao seu serviço. Com a sua assumida sabotagem à produção. Com o exemplo de todos os outros que teimavam em não aceitar Abril. Que sabotavam o processo produtivo. Que sonhavam com o regresso ao passado. Passado que ele, “Chico”, melhor que ninguém conhecia e com o qual em momento algum se conformara ou pactuara…
Lembrei-lhe as sucessivas exposições dirigidas pelo Sindicato ao governo a denunciar as situações graves que vivíamos no distrito e a falta de uma resposta pronta e firme para lhes fazer face. Fi-lo de forma emotiva e exaltada pois achei a sua critica injusta e desajustada.
Perguntei-lhe como reagiria ele, Francisco Miguel, dirigente do Partido, lutador incansável contra o fascismo, se fosse ele a ter que responder à situação. Baixava os braços e aguardava uma intervenção do governo que nunca mais vinha? Deixava as mãos livres a gente assumidamente fascista como o era José Gomes Palma? Ou assumia o risco, tal como nós o havíamos feito? Afinal, era a democracia e a própria Liberdade que estavam em jogo.
Atrapalhou-se o Chico. Ele sabia que nós tínhamos razão. Mas também sabia, tal como nós sabíamos, porque o havíamos considerado, que a decisão de “Dar início à Reforma Agrária” tinha sido uma decisão arriscada, uma decisão que poderia ter provocado uma onda repressiva e de instabilidade política quer no seio do governo quer entre os militares, num momento em que a orientação principal do Partido era a consolidação das liberdades fundamentais havia tão pouco tempo conquistadas. Era a defesa e consolidação de um regime democrático, no quadro do qual a realização de uma reforma agrária era condição.
Era igualmente o risco da nossa acção ser interpretada como uma violação da palavra dada pelo Partido, Partido de uma só palavra.
Seguiu-se um embaraçoso silêncio. Estático e impassível o “António”. Expectante eu. Sério, mas sobretudo surpreso, o “Chico”. Não esperava a minha explosiva reação e, claramente, estava sem saber o que me responder.
Ainda hoje vejo o Chico levantar-se lentamente, por detrás da secretária a que estava sentado. Olhos fixos nos meus. Braço direito erguido. Indicador bem próximo de mim. E a resposta inesquecível.
“Olha CAMARADA!… Sabes o que tu és?… Sabes?… O que tu és… é um grande MRPP”.
Vieram-me as lágrimas aos olhos. Tristeza e revolta misturadas. Levantei-me e saí. No bolso a intervenção que com entusiasmo havia escrito para a manifestação que iria ter lugar no dia seguinte e que se esperava grandiosa, como o foi. Deixar tudo. Sindicato e Partido. Regressar à terra que então trabalhava. Naquele momento era o meu único pensamento.
Foi mais forte, e sobrepôs-se a tudo o resto, aquele “Olha CAMARADA.” Afinal era como CAMARADA que era considerado por aquele que, para mim, então jovem e inexperiente Comunista, era há muito um mítico Herói da resistência anti-fascista, da luta pela Liberdade e a Democracia.
No dia seguinte, os milhares de trabalhadores em Beja. 40 mil, segundo a imprensa. A maior concentração de sempre. O grito uníssono: AVANTE COM A REFORMA AGRÁRIA – A TERRA A QUEM A TRABALHA.
No final, o abraço… forte, sincero, fraterno, solidário, amigo, daquele Homem franzino, mas de bem temperado e inquebrável aço. A alegria estampada no rosto e as palavras simples, que para sempre me marcaram, que tudo diziam e que selaram uma indestrutível e fraterna amizade: “Então, CAMARADA, no próximo Domingo lá nos encontramos em Évora”.
Lá nos encontrámos. Fui relator da experiência das ocupações no distrito de Beja. Ocupações que a Conferência consagrou como importante e inovadora forma de luta.
A Reforma Agrária estava na ordem do dia. Assim o afirmaria Álvaro Cunhal no seu discurso de encerramento da Conferência, lançando a marcha imparável para uma etapa superior, que iria conduzir à concretização da mesma, ao seu reconhecimento pela Lei e posterior consagração, sem votos contra, na Constituição da República Portuguesa.
A palavra a Álvaro Cunhal, Secretário Geral do PCP:
“Camaradas:
(…)
A Reforma Agrária surge natural como a própria vida, aparece como resultado da necessidade objectiva de resolver o problema do emprego e da produção, como solução indispensável e única.
Os latifúndios têm sido e são a miséria, o atraso e a morte. A entrega da terra a quem a trabalha significa a própria vida, vida para os trabalhadores desempregados e seus filhos, vida para a agricultura abandonada, sabotada pelos grandes agrários e pelos grandes capitalistas.
VIVEMOS UM MOMENTO HISTÓRICO NOS CAMPOS DO SUL. PELAS MÃOS DOS TRABALHADORES, A REFORMA AGRÁRIA DEU OS PRIMEIROS PASSOS.
(…)
Na sua luta abnegada e heróica, os trabalhadores agrícolas do Sul, como todos os trabalhadores portugueses, poderão contar sempre, nas horas boas e nas horas más, com o Partido Comunista Português.”
Assim foi…nas horas boas do avanço tumultuoso, criativo e exaltante da Revolução de Abril e nas horas más da “Contra Reforma Agrária – terror, destruição e morte no Alentejo”, que conduziu ao criminoso assassínio da mais bela das Conquistas de Abril…
O PCP tem razões de sobra para se orgulhar do seu papel na luta pela “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo” mas não deverá ter menor orgulho pelo seu papel insubstituível e determinante na resistência e luta em sua defesa…PELA LIBERDADE – DEMOCRACIA – SOCIALISMO.
Assim foi com a profunda e fraterna amizade que me ligou para sempre ao Camarada Francisco Miguel, até ao momento da sua partida…
10 de Dezembro de 1974 é a data Histórica em que tem início uma das belas e importantes conquistas da Revolução de Abril, a “menina dos olhos da Revolução”, a “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”.
É A DATA DA PRIMEIRA OCUPAÇÃO DE TERRAS NO ALENTEJO APÓS O 25 DE ABRIL DE 1974. A resposta necessária que iria aplicar-se em toda a Zona do Latifúndio para travar as manobras contra a jovem democracia de Abril, que grandes agrários tentaram repetidamente pôr em causa.
O primeiro dos passos, porque outros se lhe seguiram, invocados por Álvaro Cunhal, no comício de encerramento da Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, promovido pelo PCP, que teve lugar em Évora, a 9 de Fevereiro de 1975, quando afirma: “Vivemos um momento histórico nos campos do Sul. Pelas mãos dos trabalhadores, a Reforma Agrária deu os primeiros passos.”
A decisão de avançar para a ocupação da Herdade do Monte do Outeiro, freguesia de Santa Vitória, concelho de Beja, aprovada por unanimidade pela dezena de militantes do PCP, reunidos na noite de 9 de Dezembro de 1974, na Casa do Povo de Santa Vitória, foi determinante para, na manhã do dia seguinte, 10 de Dezembro de 1974, no Plenário com todos os Trabalhadores da Herdade, se avançar com a audaciosa e revolucionária proposta da Direcção do Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Distrito de Beja, no sentido de se avançar para a ocupação e dar início aos trabalhos necessários à salvaguarda do processo produtivo.
Histórica decisão, porque sem a aprovação por unanimidade dos militantes do Partido, tal proposta não teria sido levada ao Plenário do dia seguinte onde mais uma vez se verificou a unanimidade. Assim havia ficado acordado na reunião realizada dois dias antes, 7 entre os membros do Partido da Direcção do Sindicato (José Soeiro, Manuel Godinho e Francisco Batista) e os camaradas Edgar Correia e João Honrado, responsáveis pelo trabalho de Direcção do Partido no Distrito de Beja.
Pela primeira vez na sua já longa história militantes do PCP decidiam levar à prática a sua velha consigna: A TERRA A QUEM A TRABALHA!
Deste primeiro passo trata em pormenor e de forma documentada o Capítulo IV de “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”, para acesso ao qual basta clicar na imagem desta publicação.
8º CONGRESSO sobre o ALENTEJO -1996 – MOURA(extraordinário)
Se dúvidas ainda houvesse o 8o Congresso sobre o Alentejo (extraordinário), dedicado exclusivamente a aprofundar a questão da Regionalização não deixaria espaço para as mesmas.
Os Alentejanos não só foram unânimes a defender a Regionalização como foram crescentes as opiniões de ser uma só Região para o Alentejo a melhor solução para responder à gravidade da situação criada pelas políticas centralistas, totalitárias e asfixiantes, prosseguidas por sucessivos governos do PS e PSD com ou sem CDS, à revelia da Constituição da República.
Decorridos 20 anos desde a sua aprovação e consagração por unanimidade, a 2 de Abril de 1976, na Constituição da República, o boicote à regionalização prosseguia impunemente perante a passividade de quem tinha o dever de cumprir e fazer cumprir a Constituição, como impunemente continuou a verificar-se até ao dia de hoje.
Uma vergonha catalogada como “incumprimento por omissão”, como se isso retirasse gravidade ao facto da Constituição da República não estar a ser cumprida e o território que devia ser gerido pelas Regiões Administrativas não estivesse a ser ilegitimamente gerido a partir do “Terreiro do Paço”, por um poder central totalitário e asfixiante, à revelia da vontade do Poder Local Democrático e de costas voltadas para os interesses das populações do considerado interior.
A usurpação ilegítima e inconstitucional do poder regional pelo poder central era e continua a ser tanto mais reprovável quanto, como o determinava e determina ainda hoje a Constituição da República, as Regiões Administrativas eram e são parte integrante do Poder Local e da sua existência estava e continua a estar dependente o cumprimento de muitos outros princípios Constitucionais em matéria de descentralização e participação democrática das populações na gestão da coisa pública.
As manobras e entendimentos de bastidores entre PS e PSD, para impedir a concretização da regionalização, acabariam por ter tradução na imposição de um desnecessário referendo. Referendo de tal forma armadilhado com exigências para ser reconhecida a sua validade, exigências cozinhadas por António Guterres/PS e Marcelo Rebelo de Sousa/PSD, que só um verdadeiro levantamento popular e nacional poderia garantir o cumprimento de um imperativo que, até ao anti-democrático conluio, apenas reclamava vontade política da maioria da Assembleia da República.
Falsos e hipócritas é o mínimo que no plano político se pode chamar a quem há 46 anos enche a boca de Estado de Direito Democrático, não se cansa de falar em regionalização, descentralização e democracia participativa sempre que se aproximam eleições, não hesita em carpir e verter copiosas lágrimas sobre o drama do chamado interior, jura cumprir e fazer cumprir a Constituição, mas, uma vez no poder, governa exclusivamente ao serviço dos “donos disto tudo” metendo na gaveta todas as bonitas promessas e belos discursos, contribuindo desta forma para o descrédito da política, dos políticos, dos partidos e, bem mais grave, para o descrédito da democracia.
A estes entraves juntou o PS um descarado complemento. A apresentação na Assembleia da República de um projecto de Lei que propunha a divisão do Alentejo em duas regiões num momento em que eram evidentes as tendências crescentes para a defesa de uma só região para o Alentejo. Isto enquanto a sua Direcção clamava pela necessidade de um amplo consenso que, diga-se , em nme da verdade, nunca procurou.
Consciente da fragilidade dos seus argumentos divisionistas, claramente minoritários, o PS decidiu, então, assumir a estratégia de fuga ao debate democrático e plural que sempre caracterizou os Congressos sobre o Alentejo, procurando justificar essa sua inaceitável postura com o recurso à mentira e avançando com o falso pretexto de que os Congressos eram manipulados pelo PCP para impor a solução de uma só região. Nada de novo vindo do Largo do Rato, se nos lembrarmos das campanhas de mentiras e infâmias a que recorreram para justificar a sua política de terror, destruição e morte que caracterizou o assassínio da “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”.
Não deixa entretanto de ser lamentável ver um partido democrático organizar a fuga dos seus dirigentes das Federações do PS dos Distritos de Beja e Portalegre, assim como dos seus Deputados eleitos pelos 3 círculos eleitorais do Alentejo, ao debate que teve lugar no 8º Congresso sobre o Alentejo, sendo a regionalização o seu tema central. Tratou-se de mais uma demonstração inequívoca da desonestidade política do PS em matéria de Regionalização. Fazer representar o Grupo Parlamentar por um Deputado eleito pelo Algarve é questão que me dispenso de comentar…
Vale a pena sublinhar ainda que, apesar da manifesta tendência para a defesa de uma só Região para todo o Alentejo, o 8º Congresso, a exemplo e com a seriedade de todos os anteriores, apontou como caminho a necessidade de prosseguir e aprofundar o debate público em todo o Alentejo e o aguardar serenamente o resultado desses debates para poder tomar-se uma decisão final o mais consensual possível.
Tal posição marca a diferença entre quem procurava discutir e procurava com seriedade a melhor solução para todo o Alentejo e quem, apostado em manobras de diversão, movido pelo sectarismo, o anti-comunismo e colocando o interesse partidário acima do interesse público, tudo fazia para o impedir.
Para quem quiser refletir sobre o assunto recomendo a leitura atenta do comunicado do Organismo Inter-Regional do Alentejo do PCP publicado no Diário do Alentejo anexo, lembrando apenas que as 5 CCDR.s não resultaram de qualquer proposta do PCP e que, apesar de criadas em 1982, nunca mereceram qualquer reparo por parte do PS, que sempre as manteve e partidarizou a seu bel-prazer sempre que teve oportunidade para o fazer, em vez de proceder à sua divisão de acordo com a sua visão de duas regiões para o Alentejo se séria fosse esta sua proposta. Tudo isto com a complacência e cumplicidade das Federações de Beja e Portalegre do PS…
Mais comentários para quê?
Só falta saber é até quando o Povo Português vai aceitar isto sem cair nas malhas da extrema direita – Chega, Iniciativa Liberal e parte importante do CDS – que, com a sua linguagem populista, tudo fazem para aproveitar o legítimo desencanto e justo descontentamento de quem assiste diariamente à impunidade com que mafiosos como Rendeiro e outros donos disto tudo se vão rindo da Justiça…
Que ninguém esqueça que a extrema direita não aspira ao poder para servir o Povo, sempre presente no seu discurso, mas tão só para, limitando ao máximo as liberdades, melhor servir os interesses do grande capital explorador… daí o ódio e a raiva que não escondem em relação aos comunistas e ao seu ideal libertador… lamentável é que tantos democratas pareçam distraídos e pareçam ter esquecido o fascismo, alimentando também eles, quantas vez, o mais primário dos anti-comunismos…
O 7ª Congresso sobre o Alentejo, reunido em torno do lema “O Alentejo no limiar do Século XXI”, constituiu mais um importante marco na luta dos Alentejanos, em defesa da Regionalização, de Alqueva e do Plano de Rega do Alentejo e da necessidade de um Plano Integrado de Desenvolvimento do Alentejo, por forma a recuperar o tempo perdido e abrir caminho ao progresso e desenvolvimento de toda a Região.
Com cerca de 800 participantes, o maior número de participantes em relação às 6 edições anteriores, o 7º Congresso constituiu um importante momento de afirmação dos alentejanos em defesa da Regionalização, metida no gavetão do “Bloco Central” depois da aprovação em 1991, pela Assembleia da República, por unanimidade, da Lei Quadro das Regiões Administrativas, Lei nº 56/91 de 13 de Agosto.
Os argumentos avançados em defesa do Alentejo como uma só Região foram convincentes, sendo manifesta a inclinação da esmagadora maioria dos Congressistas por esta a solução, considerada como a que melhor poderia servir os interesses de todo o Alentejo.
Uma leitura atenta ao que se afirmou no 7º Congresso e não será difícil perceber a incongruência existente entre a consagração, junto da União Europeia, da divisão administrativa do Continente em 5 Regiões, consagração feita com o aval dos governos do PS e do PSD, com tradução na existência das correspondentes 5 Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional, por ambos defendidas, e o projecto de lei que o PS apresentou, na Assembleia da República, em que propõe a divisão do Alentejo em duas regiões, numa clara tentativa de dividir os Alentejanos, tentativa iníciada no 4º Congresso, em Sines, e por essa via tentar inviabilizar a regionalização.
Outra grande afirmação do 7º Congresso foi a consagração na proclamação do mesmo da necessidade e urgência de avançar com o Empreendimento de Alqueva e com Plano de Rega do Alentejo e consequente reestruturação fundiária não deixando espaço para dúvidas e hesitações em relação a Alqueva. Foi a resposta inequívoca à intervenção proferida por Mário Soares, Presidente da República, que na sua intervenção na sessão de abertura dos trabalhos do Congresso não se poupou a levantar dúvidas sobre a viabilidade do projecto.
Reafirmando a validade das propostas avançadas em 1985, no 1º Congresso sobre o Alentejo, criticando e responsabilizando os que no poder central fizeram orelhas moucas às mesmas nos dez anos entretanto decorridos, mais dez anos perdidos, apesar das suas sucessivas reafirmações, em todos os Congressos antes realizados, o 7º Congresso, correspondendo às comunicações apresentadas afirmou e reclamou como fundamental a elaboração de um Plano Integrado de Desenvolvimento para todo o Alentejo que pusesse termo à navegação à vista e ao desbaratar dos fundos disponibilizados para a região.
À forma assertiva como tão magnas questões foram tratadas, no decorrer dos trabalhos do Congresso, não foi decerto alheio o facto de, a 22 de Março de 1994, em reunião extraordinária do Conselho da Região do Alentejo, com a presença das Mesas das Assembleias Distritais de Beja, Évora e Portalegre e os Conselhos de Administração das Associações de Municípios dos Distritos de Beja, Évora, Portalegre e do Litoral Alentejano, ter sido aprovada por unanimidade dos presentes, a proposta de criação do Movimento de Opinião Alentejo Regionalização e Desenvolvimento-MARD que vinha sendo proposto desde o 3º Congresso realizado em Elvas em 1989.
Pela sua importância para a unidade e acção de todo o Alentejo, ao MARD será dedicado todo um capítulo nesta página especialmente criada para tratar as questões relativas ao Poder Local, à Regionalização e ao Desenvolvimento do Alentejo.
Quanto à presença de Mário Soares no 7º Congresso sobre o Alentejo, valorizando-a enquanto Presidente da República, não posso, entretanto, deixar de chamar a atenção para a sua total desfaçatez quando afirma, sem o mínimo de sentido auto-crítico, “é importante estimular a reflexão sobre as questões deuma região tão importante como o é o Alentejo, uma região que, no entender de todos, tem sido tão sacrificada e que, ultimamente, está a sofrer de dois imensos flagelos: a seca e o desemprego”. Assim, como se não fora ele um dos principais responsáveis da situação dramática do Alentejo, quando optou pela contra revolução, recusou liminarmente entendimentos à esquerda e, em estreita aliança com o PSD e o CDS, deu início, com a famigerada “Lei Barreto”, ao assassínio da “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”.
6º Congresso sobre o Alentejo. Finalmente uma edição de tão importante iniciativa de e para todo o Alentejo, em Portalegre, uma das três capitais de Distrito do Alentejo. Afinal, porque razão não teve lugar na cidade de Portalegre o 3º ou o 4ºCongresso? Não refiro o 5º, porque este, para além de extraordinário, estava muito associado ao Empreendimento de Alqueva e, principalmente, por esse motivo se realizou em Beja.
Duas razões fundamentais estão na origem deste aberrante e insólito facto. Razões que importa conhecer e ter sempre presentes, sobretudo no momento de escolher, com o nosso voto, quem nos deve representar nas instituições democráticas do Estado: Presidência da República, Assembleia da República e Poder Local Democrático.
Por um lado, a comprovada aversão dos sucessivos governos, instalados no Terreiro do Paço, desde 1976, apostados num centralismo inconstitucional e asfixiante, que ainda hoje perdura, para quem os “Congressos sobre o Alentejo” representavam uma permanente ameaça, pois, sendo a Regionalização e Desenvolvimento Regional temas recorrentes, desde a sua primeira edição, acabavam, objectiva e irremediavelmente, por serem importantes fóruns de esclarecimento e mobilização da opinião pública contra as políticas centralistas, asfixiantes e clientelares praticadas pelos sucessivos governos, as quais estão na origem da situação dramática criada no Alentejo, sobretudo, com o assassínio da “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”.
Por outro lado, a postura subserviente face ao poder central e a partidarite aguda e sectária dos autarcas que presidiram à Câmara Municipal de Portalegre até às eleições autárquicas de 1989. Autarcas que, a troco de umas míseras migalhas, assumiram a pouco honrosa posição de se manter de costas voltadas para o Alentejo como um todo.
A eleição para Presidente da Câmara de Portalegre de João Transmontano de Oliveira Miguens, Alentejano de corpo inteiro, democrata avesso a partidarites sectárias e a anti-comunismos, abriu as portas da cidade de Portalegre ao 6º Congresso em que mais uma vez Regionalização, Desenvolvimento Integrado e Alqueva voltaram a estar presentes como a situação exigia.
Como novidades relevantes a presença de representantes das vizinhas Estremadura e Andaluzia o que tornou particularmente animado o debate do Painel nº 1 onde se discutia o Desenvolvimento Transfronteiriço e em que significativamente foram apresentadas 43 das 113 comunicações presentes ao 6º Congresso.
Um País com Regiões em alternativa à Europa das Regiões e a reivindicação de, na ausência inconstitucional das Regiões Administrativas, ser o Poder Local a indicar os representantes do Alentejo no Comité das Regiões que iria ser instituído marcaram igualmente o debate.
O 5º Congresso sobre o Alentejo teve lugar em Beja, a 13 de Junho de 1992, sob o lema “A ÁGUA FACTOR DE DESENVOLVIMENTO”.
Entre as múltiplas razões para a sua oportuna convocação estava a necessidade de reclamar, mais uma vez, o Empreendimento de Fins Múltiplos de ALQUEVA. Estava em jogo vencer as inaceitáveis vacilações do governo Cavaco Silva/PSD em apresentar a Bruxelas a candidatura indispensável para se conseguir assegurar o seu financiamento.
Estava em jogo o aproveitamento das aguas que corriam anualmente para o mar, no Inverno, enquanto faltava nas torneiras, nos campos e nas fábricas, no Verão. Isto porque sucessivos governos, antes e depois do 25 de Abril de 1974, com excepção dos governos presididos pelo General Vasco Gonçalves, em obediência aos interesses dos latifundiários e grandes capitalistas agrários , boicotaram, criminosamente, durante dezenas de anos, o Plano de Rega do Alentejo e a construção do seu principal empreendimento: o empreendimento de fins múltiplos de ALQUEVA. Como demonstro no “CAPÍTULO VII – O BALANÇO TENEBROSO QUE SE IMPÕE CONHECER E DIVULGAR” na página “CONTRA REFORMA AGRÁRIA – Terror, Destruição e Morte no Alentejo” e Sul do Ribatejo (acessível através da ligação https://wp.me/Pdfece-1Q ) o deliberado boicote à construção de Alqueva constituiu um crime económico, social, cultural e ambiental que causou prejuízos incalculáveis a todo o Alentejo e ao País, porque projecto de reconhecido interesse nacional.
Um Crime Político, a juntar a tantos outros cometidos desde o 25 de Novembro de 1975, como o é ainda hoje o inconstitucional boicote à Regionalização. Crime ainda impune porque não julgado e punido devidamente pelo Povo Português, insuficientemente informado, quando não desinformado e manipulado como aconteceu em relação ao assassínio da “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”.
A ausência da RTP no V Congresso sobre o Alentejo é apenas um pequeno pormenor ilustrativo dessa constante desinformação.
Mas os crimes políticos não prescrevem e o Povo um dia os julgará. A verdade, como o azeite, acabará por vir ao de cima. Quando o Povo apreender a enormidade dos crimes cometidos nos últimos 46 anos para satisfazer a gula insaciável dos “donos disto tudo”, crimes que estão na origem das enormes dificuldades que o País atravessa, então justiça será feita aos que desde o primeiro dia sempre lutaram e estiveram ao seu lado, nas horas boas e nas horas más, nos últimos 100 anos, antes e depois do 25 de Abril, em defesa liberdade e dos seus interesses e aspirações a uma sociedade mais justa e igualitária, livre de todas as formas de exploração e opressão.
O caminho de Abril será então retomado… e os Alentejanos, hoje em tão elevado número expulsos da sua terra natal, não poderão deixar de estar na primeira linha e intervir para que esse caminho seja retomado o mais rápido possível, para bem do Povo, para bem de Portugal…
Lutar, nunca desistir… não é com abstenções nem com incompreensíveis votos em quem tanto mal tem feito a quem vive exclusivamente do seu trabalho que se constrói o almejado futuro de progresso e bem estar para todos…
“Alentejano” é quem é e onde quer que esteja pode e deve contribuir para a defesa do seu, nosso, Alentejo.
Aos que questionam o que é ser “Alentejano” recomendo a leitura da “NOTA SEMANAL” da autoria de Miguel Serrano no Diário do Alentejo anexo a esta publicação…
Apesar do tema central proposto para o 4º Congresso ser o aprofundamento das questões relativas ao desenvolvimento e consequente recuperação do atraso resultante da ausência de políticas governamentais que tivessem em conta as muitas propostas avançadas nos 3 Congressos anteriores, atraso agravado com a consumação do assassínio da “REFORMA AGRÁRIA – A Revolução no Alentejo”, foi a questão da regionalização e da divisão administrativa do Alentejo que acabou por marcar, no essencial, o 4º Congresso sobre o Alentejo, que teve lugar em Sines, nos dias 30 e 31 de Maio e 1 de Junho de 1991.
Como se pode ver, através das reportagens presentes no Diário do Alentejo, o 4º Congresso ficou negativamente marcado pela posição de responsáveis do PS presentes no mesmo, os quais decidiram tentar forçar a discussão sobre a questão da divisão administrativa que deveria ser adotada em relação ao Alentejo.
Discussão para a qual, vinham deliberadamente divididos, com os socialistas de Beja a defender a divisão do Alentejo e os do Alentejo Central uma única região. O Alentejo Litoral que decidisse depois para que lado queria cair ou se queria ficar associado à Grande Área Metropolitana de Lisboa, que iria integrar os restantes municípios de Setúbal. Foi uma clara e flagrante mudança de atitude em relação aos 3 Congressos anteriores em que sempre esteve presente a unidade em torno da reclamação da regionalização, independentemente da solução que viesse a ser aprovada.
Mudança de atitude que viria a comprovar-se no futuro, em diferentes momentos e circunstâncias, tratar-se de uma clara estratégia do PS, que o PSD acompanhava, para provocar a divisão entre os alentejanos e dificultar a sua acção em defesa regionalização, o que correspondia inteiramente aos objectivos estratégicos acordados entre o PS e PSD, ambos apostados em preservar a todo o custo e à revelia do consagrado na Constituição, o seu poder centralista e anti-regionalista, através das Comissões de Coordenação Regionais, meras dependências do Poder Central, que nomeavam e instrumentalizavam de acordo com os seus restritos interesses partidários, como a vida veio demonstrando até ao presente.
A mudança para esta atitude não foi obra do acaso, em política não há acasos. Eles sabiam muito bem que estava em discussão na Assembleia da República a Lei Quadro sobre a Regionalização, lei que viria a ser aprovada 2 meses depois (Lei 56/91, de 13 de Agosto), e também sabiam que avançando a regionalização, de acordo com a Constituição e a Lei em discussão, corriam o risco do PCP poder vir a ser maioritário no Alentejo. Eles sabiam bem que a Assembleia da República teria que ir ouvir o Poder Local Democrático sobre as diferentes soluções possíveis e receavam que os eleitos locais, porque alentejanos, pudessem comprometer a sua estratégia centralista. Impunha-se por isso tentar cavar a divisão a qualquer preço. Dividir para continuar a reinar impunemente.
A tentativa de manipular o Congresso foi evidente e só a serenidade dos outros congressistas presentes, com destaque para os Comunistas, permitiu que a imagem dos Congressos sobre o Alentejo não saísse beliscada perante a opinião pública. Vale a pena ler as notícias sobre este debate e refletir sobre a argumentação utilizada por quem tudo fez para ofuscar as importantes conclusões aprovadas pelo Congresso, de que sublinho a reivindicação do Planeamento Integrado, Democrático e Participado que conduzisse à aprovação de um Plano Estratégico Integrado para o Alentejo.
Plano Estratégico a que, tal como à regionalização, sempre se opuseram os sucessivos governos a quem servia a estratégia da navegação à vista, pois, era esta que lhes permitia investir os recursos do Estado de acordo com os seus mesquinhos interesses partidários e clientelares e não em obediência a um Plano concreto aprovado por todos e que a todos vincularia.
Nas conclusões, sobre a regionalização, ficariam em aberto todas as possibilidades que os Alentejanos e os seus legítimos representantes nos órgãos do Poder Local viessem a decidir e a necessidade de dar sequência à proposta saída do 3º Congresso de criar o Movimento de Opinião pelo Desenvolvimento do Alentejo. Para isso ainda foram distribuídas fichas para a recolha de adesões que, como noticia o Diário do Alentejo, já teria atingido o número de 97 ainda antes de terminados os trabalhos, mas não seria ainda desta vez que o reclamado Movimento vingaria.
Sem assumir uma posição definitiva sobre a regionalização o que o 4º Congresso deixou claro foi a necessidade de prosseguir o debate e a necessidade de ter presente a natureza multipolar do Alentejo, contrariando, em todas as circunstâncias, qualquer tipo de Terreiro do Paço Alentejano.
Terreiro do Paço Alentejano que, PS e PSD já então vinham implementando, quando no governo, esvaziando os distritos de Beja e Portalegre e concentrando em Évora, na CCDRA, um poder regional absoluto, comandado a partir do Terreiro do Paço, de costas viradas para o Alentejo, sem ouvir a sua voz, tomando decisões arbitrárias e à revelia do Poder Local Democrático da Região, sem que tal merecesse uma firme e consequente condenação por parte dos seus responsáveis partidários e respectivas organizações no Alentejo.
Porque acredito na grandeza da “alma alentejana”, que mais não é que a cultura que a todos identifica e unifica, sejamos nós do Baixo ou do Alto Alentejo, do Alentejo Litoral ou do Alentejo Central, e na capacidade dos Alentejanos para superar naturais e salutares opiniões diferentes e unir esforços, vontades e saberes, em defesa dos seus velhos e legítimos anseios de um Alentejo de progresso e bem estar para todos, estou convicto que, insistindo no apelo à memória, mais tarde ou mais cedo, aqueles que hoje se demitem da política ou votam contra os seus próprios interesses, acabarão por perceber que esse não é o caminho certo para pôr termo à política de direita, responsável pela gravíssima crise que a todos afecta. E, então, o voto esclarecido e revolucionário voltará a ser maioritário, e tudo repartirá no caminho de Abril… porque assim o exige o passado recente que foi futuro…
Criação de um Movimento do Alentejo para fortalecer o Poder Local e a acção intermunicipal, Regionalização e Desenvolvimento, foram mais uma vez as grandes questões a merecer a reflexão dos participantes no 3º Congresso sobre o Alentejo.
Críticas ao Poder Central e ao seu centralismo asfixiante fizeram-se ouvir mais uma vez. O PDR entregue a Bruxelas, elaborado de costas voltadas para a Região e sem respeito pelas propostas avançadas pelo Poder Local e agentes económicos, sociais e culturais, foram algumas das acesas críticas que se fizeram ouvir no decorrer dos trabalhos e espelhadas nas suas conclusões finais.
A “PROPOSTA PARA DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA DO SUL DO RIBATEJO E DO ALENTEJO”, discutida e aprovada na 12ª Conferência da Reforma Agrária, realizada a 30 de Setembro e 1 de Outubro, em Évora, seria apresentada aos participantes do 3º Congresso sobre o Alentejo contribuindo para que, além das preocupações manifestadas sobre o futuro da agricultura alentejana em diversas comunicações, se sublinhasse nas suas conclusões finais, a par da regionalização a necessidade de “uma agricultura moderna, suporte necessário para a criação de uma base industrial”.
Uma ideia era clara para todos os participantes no 3º Congresso: a grave situação para que o Alentejo estava a ser encaminhado pelas políticas do Poder Central exigia a unidade de todos os Alentejanos pelo que se sublinhava a importância de vestir a camisola do Alentejo e, em unidade, trabalhar em prol do seu desenvolvimento e em defesa da regionalização.